Um dos fatos importantes para o crescimento do protestantismo brasileiro no século 19 foi a adesão de vários elementos da alta sociedade de então. No século 20, com o Movimento Pentecostal, as demais classes sociais foram melhor alcançadas
As linhas a seguir apresentam o Protestantismo Brasileiro no século 19, com base na obra do historiador francês Émile G. Léonard, O Protestantismo Brasileiro, publicado pela ASTE em 1963. No governo de D. Pedro 2º, apareceram as primeiras missões estrangeiras. Mesmo em forma discreta, obteve notáveis resultados, iniciando um protestantismo local, autônomo e influência do pela mentalidade religiosa do povo. As disposições do Imperador e a necessidade de imigração favoreciam os estrangeiros. O imperador manifestava interesse por esses elementos mais “evoluÃdos” na “dinamização futura do paÃs”. Neste contexto, o catolicismo romano era retrógrado, enquanto o protestantismo, mais progressista.
O médico escocês Robert Kalley, além de distribuir as
Escrituras, inicia um trabalho de evangelização tendo, inclusive, portugueses
na divulgação da mensagem. A 11 de julho de 1858, batizou o primeiro
brasileiro, Pedro Nolasco de Andrade, com esse dia sendo considerado o de
fundação da Igreja Evangélica, chamada posteriormente de Fluminense, com 14
membros.
A 12 de abril de 1859 desembarcou o jovem de 26 anos Ashbel
Green Simonton. No ano seguinte, ele recebe o auxÃlio de sua irmã e do cunhado,
reverendo Blackford. A 15 de maio de 1863, surge oficialmente a Igreja
Presbiteriana.
Por sua vez, José Manoel da Conceição, “O Padre
Protestante”, na qualidade de padre, tornou-se uma espécie de "Lutero
brasileiro”, após estudar as Escrituras, ainda como católico, em História
Sagrada do Antigo e Novo Testamentos, publicada por uma editora protestante
sem autorização episcopal. As autoridades diocesanas mantinham-no nas funções
de vigário encomendado, enviando-o por 15 anos a uma dezena de paróquias, visando
ridicularizar suas ideias com o tempo. Porém, sem o perceberem, traçavam o
itinerário da Reforma na sua diocese. Tal como Lutero, Conceição passou por
crise espiritual sobre a salvação e valor meritório das obras. Em meados de
novembro de 1865, ele recebe a consagração pastoral.
São inspiradoras as palavras de E. Léonard ao final dos dias
do pastor protestante: “Nos seus raros encontros com os missionários, para com
os quais se mostrava sempre reconhecedor e afetuoso, achava-se cada vez mais
fraco. No fim de 1873, Blackford convenceu-o a repousar ao seu lado, nos
arredores do Rio. Conceição tomou o trem, mas, dessa vez, em uma baldeação, seu
pobre vestuário e seus pés descalços atraÃram a atenção da polÃcia, que o
prendeu. E quando as informações recebidas lhe abriram as portas da prisão, não
possuÃa dinheiro para comprar uma nova passagem. Continuou a pé seu caminho,
sob o sol e a canÃcula, caindo prostrado, na noite de 24 de dezembro, sob a
sacada de uma venda, em Irajá, não longe de PiraÃ. O chefe de uma enfermaria
militar vizinha, major Fausto de Souza, deu-lhe um leito. Tendo agradecido aos
que o haviam socorrido, pediu que o deixassem ‘só com seu Deus’ e morreu, tendo
adormecido, ao que parece, por volta do fim da missa da noite de Natal” (p.
67).
Vários nomes importantes do protestantismo do século 19
poderiam ser evocados com seus legados, mas tornariam extenso o artigo.
Os colaboradores dos missionários
Um dos grandes colaboradores dos missionários na difusão do
protestantismo no Brasil foram os leigos. Embora estes fossem diretamente
ligados às suas missões e por elas sustentados, os colaboradores, que muitas
vezes recebiam também os tÃtulos, as mesmas funções e prerrogativas, eram
“obreiros” de diversas nacionalidades: ingleses, espanhóis, portugueses,
italianos, escandinavos, mexicanos e o judeu Salomão Ginsburg, originalmente
congregacional, passando posteriormente para a obra batista, sendo consagrado a
pastor batista em 1891. Era judeu russo e filho de um rabino. Enviado Ã
Alemanha para estudara arte do comércio, lendo a BÃblia lá, se converteu.
A expansão protestante como produto da BÃblia e da
conversão espontânea
Havia uma paixão de evangelizar de forma espontânea e muitas
vezes sem a interferência dos missionários. Este entusiasmo deixava os
missionários estatelados pela expansão, a ponto de diversas igrejas serem
abandonadas porque os obreiros ficavam com o serviço de evangelização, julgando
que o grande número de batismos justificaria o método. Vejamos alguns exemplos
desta expansão dentro da igreja batista:
A igreja em Campos (RJ) contava
com 30 membros em 1894. Sob o pastorado de Salomão Ginsburg, este número elevou-se
para 122 e organizando mais uma em S. Fidélis, com 7 membros transferidos de
Campos. Em julho de 1895, outros 24 membros da igreja de Campos constituÃram a
igreja de Guandu, que em seis semanas conseguiu 28 conversões e em 15 de
novembro já pôde ceder 18 membros para formarem a igreja em Santa Bárbara.
A igreja em S. Fidélis em 1896,
um ano após sua fundação, apresentou 43 candidatos ao batismo, elevando a
membresia para 79. Em 1890, fez batizar 80 novos adeptos.
Os fazendeiros Manoel e Rodrigues
Peixoto em 1899, com 34 membros professos, constituÃram a igreja em Ernesto
Machado, que, no fim do ano, já contava com 191 membros.
Em 1900, foram criadas as igrejas
de Cambuci e de Rio Preto com respectivamente 40 e 32 membros.
Muitas vezes esse crescimento fugia ao controle dos missionários,
que se preocupavam com o aspecto leigo de seus fundadores. A igreja de Santos,
por exemplo, constituÃda em 6 de fevereiro de 1903, com 6 membros, e que em junho
já contava com 16, quando o Dr. Bagby declarou dissolvida, seus membros, não
aceitando essa decisão, mantiveram suas reuniões e terminaram o ano com 20
batismos e vários candidatos ao batismo. Em 1904, esta igreja procedeu 14
batismos e em 1905, 16. PossuÃa três prédios anexos e havia desenvolvido a
igreja do Alto da Serra.
Esta expansão não ocorria somente entre os batistas. A
igreja presbiteriana independente de Bebedouro, fundada em 1901, era fruto de
dois obreiros leigos, e em 25 de abril de 1905, ela foi constituÃda de 25
membros professos e 23 crianças. Essa expansão do protestantismo brasileiro no
século 19 ocorre através principalmente de leigos e de forma espontânea.
Resultados da primeira fase da expansão protestante
Os esforços evangelÃsticos tiveram como resultado um considerável
número de igrejas das mais diversas denominações. A relação abaixo é das
igrejas presbiterianas e batistas, com as batistas em negrito:
1862 Rio de Janeiro
1863 São Paulo
1865 Brotas (SP)
1868 Lorena (SP)
1869 Borda da Mata (MG); Sorocaba
(SP)
1870 Campinas e Santa Barbara
(SP)
1872 Bahia; Petrópolis
1873 Avaré, Rio Claro (SP); Parreiras,
Cachoeirinhas (MG)
1874 Alto da Serra, Embaú, Itapiru
(SP); Machado (MG)
1875 Cachoeiras (BA); Dois Córregos
e S. Carlos (SP)
1878 Campos (RJ); João Pessoa (Recife)
1879 Araraquara e Faxina (SP)
1880 Goiana (PE); Lençóis e Ubatuba
(SP)
1881 Areado e Cabo Verde (MG);
Fortaleza, Piracicaba (SP)
1882 Guarei (SP) - Bahia
1883 Itatiba (SP)
1883 Itatiba (SP)
1884 Campanha (MG); Laranjeiras
(Sergipe); Fundão e Mogi-Mirim (SP); ParaÃba RJ); Tibagà (PR)
1885 Botucatu, Itapetininga, Pirassununga
(SP); Mossoró (RN); Rio; Maceió
1886 São LuÃs (MA)
1887 Pão de Açúcar (AL); Rio Grande
do Sul (Maceió)
1888 Cana Verde (MG); Castro,
Curitiba, Monte Alegre (PR); Tatuà (SP)
1889 São João de Boa Vista (SP)
1890 Bela Vista de TatuÃ, EspÃrito
Santo de Pinhal, Fartura (SP); Juiz de Fora (MG)
1891 Boa Vista do Jacaré, Jaú,
S. Sebastião de Grama (SP); Campos (RJ)
1892 Lavandeiras (Sergipe); Sengó,
Barbacena (MG); Niterói (RD; Recife; Rio Largo (AL)
1893 Areias, Goiana (PE); AraguarÃ,
Bagagem, Paracatu, Sta. Luzia de Goiás (MG).
1894 S. Fidélis (RJ); Vargem Grande
(D.F); São Paulo (2º igreja)
1895 Palmeiras, Ribeirão Claro
(SP); ParaÃba do Sul, Sta. Bárbara, Guandu (RJ)
1896 Natal, Taquari (RS);
Tietê (SP); Natal, Nazaré (PE)
1897 Cajurá, (SP); Campestre
(RS); Belo Horizonte (MG): Manaus
1898 Nova Friburgo, Belém;
Macaé (RJ); Sto. Antonio (BA)
1899 Canhotinho, Garanhuns
(PE); Lavras (MG); Matão (Par); Resende, Ernesto Machado (RJ); São Paulo; São
Paulo
1900 Cabo Verde, Piumbi,
S.João da Cristina (MG); Juquiá, Campinas (SP); S. Francisco do Sul SC);
Cambuci, Bom Jardim, Paciência, Rio Preto (RJ); Conquista (BA); Timbaúba (PE)
1901 Aracajú, Barra Alegre
(RJ); Florianópolis, Lençóis (SP); S. Manuel (MG); Engelho de Dentro (DF);
Garanhuns, Ilheitas, Joboatão (PE); Jequié (BA); Penedo (AL)
1902 Pires, Soares, S. João Nepomuceno,
S. João del Rei (MG); Orobó. Bahia (BA); Anta (DF); Aperibe, Conceição de
Macabú, Rio Negro (RJ); JundiaÃ, Piracicaba (SP)
1903 Atibaia, Vitória, Santos (SP);
São Paulo (Igreja Italiana); Palmares (Peru); Ajaratuba, Perequito (AM); Alto
Macabú, Lavras do Rio Bonito (RJ); Castro Alves, Genebra, Nova Lage (BA);
Correntes (PI); Cortes, Moganga (PE); Firme, Sta. Joana (ES); Pilar (AL);
Pinheiro (PA).
Adesão dos “Ilustres” ao protestantismo
Uma das questões importantes para o protestantismo
brasileiro no século 19 foi a adesão de vários elementos da alta sociedade de
então. Foram senadores, proprietários de terras, educadores, polÃticos, dentre
outros. Esta adesão ocorria nas principais igrejas deste século, isto é,
presbiteriana, congregacional e batista. Limitaremos a mencionar alguns
elementos da alta sociedade, conforme E. Léonard apresenta, e observar o número
de mulheres. Lembrando que estes “ilustres” eram testemunhas da nova fé.
Os nomes são D. Gabriela e d. Henriqueta, a irmã e sobrinha
do marquês de Paraná; Honório Hermeto; Carneiro Leão; engenheiro Miguel Vieira
Ferreira, que inclusive promoveu a organização de uma igreja; D. Rosa Edite de Souza
Ferreira, filha de Dr. Miguel Vieira Ferreira e alguns parentes; d. Rita Vieira
Ferreira Pinto e suas Luiza e Estefânia; Maria Antonia da Silva Ramos, filha do
senador Barão de Antonina, João da Silva Machado; Ernestina Rudger Ramos, que
depois casou-se com um jovem da igreja, filho de um oficial superior, cujo
casamento trouxe grande repercussão no meio social; o missionário Chamberlain se
hospeda na fazenda de Luiz Antonio de Souza Barros, filho de Brigadeiro,
realiza um culto ali e, pouco tempo depois, este e a esposa se convertem ao
Evangelho; temos a doméstica Inácia Maria Barbosa, que evangelizava seus patrões
da alta sociedade nas casas em que prestava seus serviços; e Joaquim Nogueira
Paranaguá, grande proprietário do Piauà e membro do Partido Liberal, que se converteu
e passou a evangelizar seus colegas da Câmara Federal e do Senado, sendo depois
governador do PiauÃ.
Pelos citados, nota-se a penetração do protestantismo em
várias camadas da sociedade.
Os proprietários e os camponeses
O protestantismo brasileiro recebe apoio de alguns da elite
econômica. Refiro-me aos proprietários de terras ou fazendeiros. Estes homens
iriam fortalecer o protestantismo na medida em que, por meio de seus recursos,
implantavam capelas protestantes em várias regiões, bem como os seus
subordinados, camponeses, sitiantes, que se ligavam à nova fé em função de
estarem ligados a esta elite.
Na fazenda de Inácio Pereira Garcia, nasceu a Igreja em
Córrego, São Paulo. Seus nove filhos aderiam ao protestantismo e este mesmo
fazendeiro deu asilo em outra de suas fazendas à igreja vizinha de Jaú,
construindo-lhe uma capela. Ramiro de Barros deu impulso à igreja batista em
Vila Afonso Cláudio, no EspÃrito Santo. Temos a famÃlia de fazendeiros: dos
Peixotos, no Rio; João Emerick; D. Ana da Conceição Gonzaga, filha de
fazendeiro instalou um orfanato em suas terras; Lins, de Rio Largo (AL); os
Cerqueiras (BA); Inocêncio Barbosa Frias (PE); Manoel Holanda Cavalcanti (PE);
Armando Machado, proprietário do seringal, no Acre.
Também muitos sitiantes aderiram ao protestantismo, tais
como os de Brotas, Dois Córregos, do Rio Claro e de Borda da Mata. Henrique
Gomes, que se converteu já velho e completamente iletrado, aprendeu a ler a
BÃblia. Contratou um professor e reunia seus filhos e netos para ler a BÃblia.
Foi posteriormente ordenado presbÃtero e exortava todos à nova fé. Também
Henrique José de Camargo professou a fé na igreja presbiteriana e abrigou em
seu sÃtio um trabalho evangélico.
Fato notório que neste trabalho de evangelização entre os
proprietários e sitiantes os camponeses e escravos não eram esquecidos. O
missionário Chamberlain, por exemplo, ensinava corinhos aos escravos das
fazendas e muitos colonos e trabalhadores das fazendas eram atingidos pela
mensagem. Temos o exemplo de Felismina, escrava negra que aguardou quatro anos
para sua profissão de fé esperando a permissão de seu senhor.
Uma questão que devemos considerar era a inserção social.
Nas igrejas recém-formadas, juntos estavam tanto as elites e proprietários como
camponeses e até mesmo escravos, comungando todos da mesma fé.
As pessoas da cidade e os intelectuais
Além das elites acima mencionadas, vários profissionais de importância
aderiram ao protestantismo. Mesmo não aderindo à fé da Reforma do século 16. O famoso
general Abreu e Lima defendeu a fé protestante em célebre polêmica, mas tivemos
o contra almirante Sebastião Caetano dos Santos, que era membro da igreja do
Rio e em cujos cultos assistia o coronel e médico Fausto de Souza. O alferes
CÃcero Barbosa tornou-se pastor presbiteriano e dirigiu igrejas em várias
localidades antes de se tornar comandante de Fortaleza. O industrial e
negociante José Luiz Fernandes, que possuÃa uma fábrica de chapéu e era uma das
personalidades mais importantes da economia brasileira, era membro da igreja
fluminense, bem como Domingo Antonio da Silva Oliveira, diretor da fábrica de
calçados Clark.
A igreja batista teve entre seus colaboradores o engenheiro
F. de Miranda Pinto e o rico comerciante Manoel de Melo que, após sua
conversão, gastou toda a sua fortuna fundando e mantendo igrejas. Também muitos
artesãos e operários, alfaiates, sapateiros, funileiros e pessoas simples, até
mesmo iletrados, contribuÃam, com seus ardentes testemunhos, para a nova fé que
abraçaram. Também vários poetas e romancistas eram adicionados às novas igrejas
e com inspiração compunham hinos para serem cantados nas reuniões. O romancista
Julio Ribeiro, autor de um polêmico livro na época, chamado A Carne,
segundo o testemunho de sua segunda esposa, morreu na fé evangélica. Vital
Brasil, importante médico, cientista, imunologista e pesquisador biomédico de
renome internacional, foi a um tempo membro da igreja presbiteriana de São
Paulo.
Na área educacional houve uma adesão toda especial de vários
professores. Temos o exemplo da professora Ermelinda de Souza Melo, de Alagoas,
a quem o vigário local removeu em virtude da criação de um ponto de pregação
batista.
Pelo exposto, não obstante aos desafios que enfrentava, o
protestantismo brasileiro crescia acompanhado por oposição de elementos da
igreja oficial, que não atendiam às necessidades espirituais da população, com
sua teologia e liturgia alheias à cultura brasileira.
No século 20, como sabemos, com a chegada do Movimento
Pentecostal em nosso paÃs, houve um crescimento muito maior do Evangelho no
Brasil. A Assembleia de Deus começou alcançando principalmente as camadas mais
baixas da população, mas também depois as mais altas, se tornando, já há muitas
décadas, a maior denominação evangélica do paÃs.
por Vantuil Gonçalves dos Santos
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