Qual o correto entendimento dessa visão contemplada pelo apóstolo João, que suscita curiosidade dos estudantes da Bíblia Sagrada?
Para fazermos uma boa interpretação do livro de Apocalipse e da sua mensagem, é necessário levarmos em conta três aspectos: (1) É um livro que faz parte do gênero literário apocalíptico; (2) sua mensagem é uma profecia acerca do fim dos tempos; (3) é uma carta também pastoral, cujo objetivo era indicar a conduta de sete igrejas localizadas na Ásia Menor do primeiro século d.C. Comecemos por discutir o primeiro aspecto, o seu gênero literário.
Quanto ao primeiro aspecto, o gênero literário, devemos lembrar que, na tradição judaica, a apocalíptica era um estilo de escrita que começou a ser utilizado com maior recorrência a partir do terceiro a.C. A intenção era revelar o juízo divino sobre os ímpios e anunciar o reinado de Deus para os justos. A grande inspiração desse tipo de escrita foi o livro de Daniel (Pfeiffer et al, 2012).
As principais características dessa escrita são: (a) o livre uso de símbolos para transmitir uma determinada mensagem; (b) a utilização de profecias anteriores, especialmente aquelas descritas no Antigo Testamento, como expressão da certeza da atualidade da Palavra de Deus para aqueles que a recebem; (c) e inspirar esperança acerca da vitória divina sobre todo o poder humano e maligno. João, ao registrar suas revelações, seguiu esse estilo.
Além do gênero literário, outro aspecto importante para compreendermos o Livro de Apocalipse é considerar o fato de que a obra, como um todo, é uma profecia cuja mensagem principal é tranquilizar o crente de que a oposição de qualquer homem e de todos os poderes do mal não poderão frustrar o propósito que Deus tem reservado para a história humana. A partir dessa certeza, o cristão é chamado à persistência na fé e na obediência ao Senhor, mesmo durante a perseguição orquestrada pelos poderes malignos que operam neste mundo.
O terceiro aspecto que deve ser considerado durante a interpretação do livro é o fato de que ele é também uma carta pastoral. Ou seja, o texto de Apocalipse foi escrito por João e endereçado a sete igrejas da Ásia Menor com o objetivo de exortá-las, confortá-las, animá-las e fortalecê-las com base na esperança da vitória de Jesus Cristo sobre o poder do Maligno e a instauração de um novo Céu e uma nova Terra. Essa é a base das exortações, encorajamentos e orientações a essas sete igrejas da Ásia Menor, que são Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia.
No capítulo 2, do versículo 1 ao 7, registra-se uma exortação endereçada à igreja de Éfeso, que havia sido fundada pelo apóstolo Paulo e era referência na evangelização da província da Ásia (Atos 19.1-10). Éfeso era uma igreja conhecida pelo seu labor e sua perseverança, especialmente no esforço de vencer as falsas doutrinas e os falsos mestres da época (os nicolaítas). A principal imagem que é utilizada nessa exortação é a do candeeiro que, seguindo a tradição judaica, significa vigor espiritual e é símbolo da presença de Deus no meio do povo. No contexto do Livro de Apocalipse, o candeeiro representava a presença divina e o testemunho do Altíssimo acerca da igreja de Éfeso, de que era verdadeira e mantinha vigor espiritual. A comunidade cristã em Éfeso, em si, era um candeeiro e precisa manter-se sempre fiel à mensagem do Senhor para que continuasse acesa e com vigor espiritual. Porém, no versículo 5, João aponta a principal falha dessa igreja: o abandono do primeiro amor. Estava existindo a deturpação da principal virtude que a igreja possuía.
A principal falha da igreja de Éfeso foi a perda do amor pelas pessoas. O que estava acontecendo era que o combate às práticas dos que erram transformou-se num combate às pessoas que seguiam os erros doutrinários dos nicolaítas. Nesse sentido, eles estavam se afastando do amor redentor de Deus e corriam o risco de deturpar a fé. A ausência do amor pelo outro é a expressão do esfriamento do amor para com Deus.
A exortação para essa igreja era para que voltasse à prática do amor, pois essa seria a única forma de manter o vigor espiritual e continuar a ser reconhecida como igreja de Deus. Caso contrário, o Senhor removeria o candeeiro, isto é, deixaria de reconhecer Éfeso como uma verdadeira igreja. Deus retiraria dela o brilho espiritual que lhe era característico; retiraria a sua capacidade de brilhar e iluminar espiritualmente a cidade de Éfeso. Esse é o significado do candeeiro no contexto de Apocalipse capítulo 2, versículo 5.
Que Deus não retire de nós o seu candeeiro e que o nosso amor por Ele se desdobre em amor contínuo para as pessoas que estão ao nosso redor, especialmente aquelas que não são cristãs.
Bibliografia
PFEIFFER, C. F.; VOS, F. H; REA, J. Dicionário bíblico Wycliffe. Rio de Janeiro. CPAD, 2012.
Por Orlando Afonso Camutue Gulonda.
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