Por que “nós o reputamos por aflito, ferido de Deus e oprimido”?

Por que “nós o reputamos por aflito, ferido de Deus e oprimido”?


Isaías, filho de Amoz, foi um profeta influente que profetizou por cerca de 64 anos durante os reinados de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias. Seu livro é dividido em três partes: 1) Isaías 1-39, com alertas de Deus; 2) Isaías 40-55, sobre o livramento dos cativos; e 3) Isaías 56-66, com promessas de renovação e da vinda do Messias. Isaías 53, que faz parte dos “Cânticos do Servo”, destaca-se pela cristologia, apresentando o Servo como substituto da humanidade pecadora. Essa passagem é crucial para entender a missão de Jesus como Messias e é frequentemente citada no Novo Testamento. O Servo é visto como o Braço e Servo do Senhor, trazendo promessas de paz e salvação (Isaías 54.10).

No texto de Isaías 53.4, há um contraste claro entre “Ele” e “nós”: Ele sofreu, mas nós pecamos. O uso enfático dos pronomes “Ele” e “nós” destaca que Ele carregou nossas enfermidades, enquanto nós o considerávamos ferido. O profeta comunica o abalo daqueles que, confiando em suas próprias capacidades, percebem que as misérias que pensavam ser de outro são, na verdade, suas, revelando a necessidade de um Salvador.

O texto diz “Nós o reputamos [châshab (בַׁשָח), pensar, fazer juízo, considerar]”. Isso significa que nós o julgamos, fizemos juízo de valor sem ter o entendimento ou a revelação do porque isso estava acontecendo com Ele”. Implica em formar uma opinião ou julgamento sobre algo ou alguém. O termo  בַׁשָחé frequentemente usado para descrever atos de consideração ou julgamento de Deus ou dos seres humanos. Portanto, a palavra בַׁשָח é usada para descrever a percepção equivocada das pessoas sobre o Servo sofredor. Mas, para entendermos melhor esse conceito de julgamento, precisamos observar qual era o entendimento judaico quanto a isso.

No antigo Oriente Próximo, o sofrimento era amplamente visto como consequência direta das ações ou falhas morais, considerado um castigo justo por pecados cometidos. Esta perspectiva influenciava várias culturas e religiões na interpretação dos eventos adversos e da justiça divina. O livro de Jó exemplifica essa visão: mesmo sendo justo, Jó sofre grandes perdas, e seus amigos acreditam que seu sofrimento resultava de algum pecado oculto. Da mesma forma, o povo via o sofrimento do Ser vo Sofredor como um julgamento de Deus.

Diz o texto que Isaías que nós o julgamos por nâgâ‘ (עַגָנ), isto é, ser machucado, ferido (particípio), derrotado, ferido por doença, castigado. O termo “aflição” pode se referir à lepra ou a qualquer doença ou infortúnio repentino (Gênesis 12.17; 1 Samuel 6.9). Em Isaías 53, o povo vê o Servo como afligido por uma doença terrível, assumindo, assim, que ele pecou. No entanto, a passagem revela que o Servo sofre pelos pecados dos outros: “Mas ele foi traspassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades” (Isaías 53.5). Seu sacrifício é descrito como completo e redentor, abrangendo doenças físicas e aflições espirituais. Isaías 53.6 destaca que o sofrimento do Servo é vicário, ou seja, Ele sofre no lugar dos pecadores, carregando suas consequências. No Novo Testamento, Jesus Cristo cumpre essa profecia, assumindo todas as formas de sofrimento humano para trazer redenção e cura (1 Pedro 2.24). Diz ainda o texto que o julgamos como nâkâh (הָכָנ), ser fatalmente golpeado, alguém que recebeu uma pancada e foi morto, sacrificado.

A expressão “ferido de Deus” significa que Deus permitiu que o sofrimento viesse sobre Ele como um castigo pelos pecados, mas não pelos pecados que Ele próprio cometeu. Ele sofreu voluntariamente em nosso lugar e não por merecimento. Em João 10.17,18, Jesus diz que Ele dá a Sua vida voluntariamente, não por obrigação. Em 2 Coríntios 5.21, Paulo afirma que Jesus, sem pecado, foi feito pecado por nós para que fôssemos justificados diante de Deus, assumindo o papel de substituto e suportando o castigo destinado a nós.

Por último, Ele foi também ʻânâh (הָנָע), afligido, humilhado, ser oprimido, ser curvado. Reportamo-nos ao que disse Paulo na Carta aos Filipenses 2.5-8: Ele se entrega não tendo por usurpação ser igual a Deus, mas leva em Si ser como os homens e se sujeita à morte e morte de cruz. Aqui está a humilhação: ser oprimido mesmo sendo Deus. É o que trata Pedro em sua primeira Carta (1 Pedro 2.21). Ele entregou-se por nós, mesmo sendo Deus, descendo e padecendo nossas dores. Pedro fala de Cristo como nosso substituto, como aquEle que tomou o nosso lugar. A propósito, notamos que enquanto Pedro desdobra esta seção de encerramento do capítulo 2, ele está pensando em Isaías 53. Pedro descreve sobre a morte substitutiva de Cristo que carrega o pecado. Esse é o coração do evangelho, Jesus morreu em nosso lugar. Cristo como nosso substituto na Sua morte é fundamental para a nossa fé.

Portanto, “nós o reputamos” porque não entendemos; mas, agora que sabemos, aceitamos por fé que tudo que Ele padeceu foi por nós.

Bibliografia

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por Gesiel Camilo

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