Denúncia social ou profecia bíblica?

Denúncia social ou profecia bíblica?


Ao se interpelar sobre a crítica/denúncia social e a profecia bíblica, é necessário levar em consideração que ambas visionam interpretar certas narrativas, baseando-se em textos ou discursos diferentes, que giram em torno de duas visões: uma de cunho totalmente social, puramente humana, e outra com um viés totalmente de expressão bíblica, seguindo a linha religiosa.

Para compreendermos melhor a temática, primeiramente nos deteremos na parte que envolve a crítica e a denúncia social. Esta pode originar-se de diversas formas, como, por exemplo, de literaturas e peças de cinema, objetivando tratar dos incautos ou das dificuldades dos menos privilegiados. Essa assertiva é presente, por exemplo, nos romances de Charles Dickens, que fazem alusão às condições de vida na Inglaterra. A crítica social pode vir também de movimentos sociais, os quais dão ênfase aos direitos trabalhistas, direitos civis, dentre outros. Ainda podemos destacar os discursos políticos, os quais, por meio de suas críticas, aludem às questões de injustiças e corrupções.

Na esteira da crítica e denúncia social, encontramos discursos e narrativas que expõem as injustiças, desigualdades e problemas presentes em um contexto de determinada sociedade. A análise desses discursos revela e questiona aspectos como questões políticas, estruturas de poder, questões econômicas e sociais que geram opressão, desigualdade e marginalização, tanto de indivíduos como de grupos. Assim, as críticas ou denúncias contratais desajustes sociais podem ser analisadas e encontradas na arte, literatura, discursos políticos e nas atividades acadêmicas.

Já a profecia bíblica, por sua vez, tem como fonte Deus e recorre ao texto da Bíblia, de modo que as mensagens ou previsões que serão dadas originam-se do que é expresso no texto sagrado. As profecias bíblicas não são palavras jogadas ao vento, criadas da mente do próprio profeta, mas são comunicações que foram transmitidas por Deus aos profetas.

A crítica que o profeta faz vem como advertência, julgamento e promessas. Essa tríade estava sempre presente nos profetas orais e escritos. Os que ouviam a mensagem do profeta compreendiam que se tratava de mensagem vinda de Deus, envolvendo o futuro e salientando as instruções divinas sobre como o Senhor desejava que o Seu povo se comportasse.

O que era caracteristicamente típico nas profecias dos profetas da Bíblia é que a mensagem vinha, primeiramente, recheada de advertências divinas. Isso se nota nos profetas Isaías e Jeremias, que alertavam Israel sobre as trágicas consequências que a nação enfrentaria por causa dos seus pecados cometidos, que rompiam a comunhão com Deus. Em segundo lugar, outro elemento presente nos profetas eram as previsões de elementos futuros, com destaque para o aspecto messiânico, envolvendo a vinda de Jesus Cristo.

Por fim, o terceiro elemento fundamental nas profecias dos profetas chamados por Deus era a convocação do povo para um total quebrantamento e arrependimento. Os profetas convidam a nação ao arrependimento verdadeiro, um retorno comprometido com Deus, o que exigia o abandono das práticas pecaminosas e um ajuste de comportamento alinhado à vontade do Senhor Deus. Assim agiu o profeta Jonas em relação à cidade Nínive (Jonas 3.3-5).

Destarte, compreendendo a distinção entre a crítica e denúncia social e a profecia bíblica, acrescentamos que julga-se que há pelo menos um paralelo entre ambas, pelo fato de que muitos textos proféticos, tanto no Velho como no Novo Testamentos, contêm em seu bojo elementos críticos e de denúncias que expõem as condições sociais e políticas do seu tempo.

Há diversas passagens nos textos sagrados de profetas que fizeram críticas e denúncias às práticas de injustiças sociais, idolatria, corrupção, imoralidade e mortes injustas. Assim, pela análise de conteúdo desses textos e da forma da linguagem presente, isso pode ser considerado como uma crítica social. No entanto, é claro que vai além disso, pois as denúncias e críticas sociais feitas pelas pessoas humanas têm o propósito de ajustar o homem no seu contexto social, igualitário e humanitário, sem uma perspectiva espiritual, ao passo que o profeta objetivava ambos: um ajustamento no seu próprio meio e também um ajustamento com Deus. Isso porque a prática social não seria apenas uma questão de filantropia, mas seria praticada pelo amor ao Deus verdadeiro (Marcos 12.30,31).

A crítica/denúncia social é puramente horizontal. Por outro lado, a profecia bíblica alicerça-se na autoridade divina, razão pela qual o introito de um profeta era “Assim diz o Senhor”, aparecendo 418 vezes no Velho Testamento (Ex.: Isaías 43.1; Jeremias 2.5; Ezequiel 34.11, 12; Malaquias 2.3; Amós 1.3). Essa expressão revelava a origem da mensagem divina, sua autoridade, seriedade e necessidade de urgência, pois era Deus falando.

Um exemplo notável sobre a profecia bíblica denunciante e crítica é a do profeta Amós, que confrontou diretamente a injustiça social do seu tempo, condenando a opressão dos pobres e a corrupção dos ricos e poderosos. Obviamente, tem-se nessa profecia uma denúncia social, mas seu peso maior reside em seu caráter profético, pois Amós dirigia a sua mensagem ao povo de Deus.

Não por acaso, Amós é descrito como um profeta da justiça social. Ele faz declarações importantes, como identificar a culpa dos povos em suas ações bélicas (Amós 1.3). No caso de Israel, ele destaca em primeiro plano a transgressão do direito (Amós 3.10; 5.7,24), o que configura crítica social. Amós liga essa temática à opressão dos pobres e ao luxo mantido às suas custas (Amós 4.1). Também profetiza contra os delitos econômicos, envolvendo falsificação de pesos e medidas (Amós 8.5), dando destaque à distorção no portão da cidade (Amós 5.10,12,15) e denunciando a classe alta (Amós 2.7).

Diante do exposto, pode-se concluir que há uma clara distinção entre a crítica social e a profecia bíblica. A base da crítica social, isto é, sua estrutura, firma-se nas práticas humanas injustas, enquanto a profecia bíblica é uma mensagem que vem ao profeta diretamente de Deus. É verdade que a profecia pode conter elementos de uma crítica social, mas a ênfase maior é espiritual, envolvendo a relação entre o divino e a humanidade, não apenas o humano com o humano.

A profecia bíblica contém elementos a mais do que a crítica e a denúncia social, pois mostra que a injustiça, a maldade, a desigualdade, a opressão, o roubo e o abuso de poder têm sua gênese no pecado, em um coração não transformado. Não se trata apenas de questões puramente políticas ou sociais, de modo que os profetas atuavam conclamando todos a se voltarem primeiramente para Deus. Assim, estariam prontos para serem justos, honestos, verdadeiros, fiéis, tratando a todos igualmente.

Para se entender perfeitamente a profecia bíblica, é imprescindível compreender que se trata de uma revelação da vontade de Deus, mostrando como Ele deseja que Seus filhos vivam. A profecia bíblica não se limita apenas a um chamado para mudanças nas questões sociais e políticas, mas ela é um chamado a um genuíno arrependimento, que exige o abandono do pecado, da injustiça, da extorsão e da idolatria. A crítica e a denúncia social na esfera humana não atingem a essência humana, isto é, a natureza pecaminosa, que é a causa de toda injustiça.

A profecia bíblica guia, consola, adverte, anuncia o julgamento e busca edificar a comunidade da fé. A profecia bíblica tem como função estabelecer um liame entre Deus e a humanidade, buscando transformar a história e a fé da comunidade de salvos.

por Osiel Gomes

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