Não faz muito tempo, a Rede Globo de Televisão exibiu uma matéria sobre as igrejas cristãs europeias. À reportagem, que foi ao ar no Jornal Hoje, mostrava uma igreja medieval que acabara de ser transformada em uma casa de jogatina. O repórter comentou que essa parecia ser uma tendência da Europa atual. Grandes catedrais que no passado foram verdadeiros centros de adoração agora estavam sendo convertidas em templos dedicados ao consumo!
É inegável que o cristianismo europeu não desfruta mais
daquela efervescência que o marcou nos seus primeiros anos. Há um inegável
esfriamento da fé no velho continente, todavia isso é apenas o cfeito de uma
causa que tem suas raÃzes fincadas em um passado longÃnquo. Em outras palavras,
o sal do cristianismo europeu começou a perder o seu sabor há muitos anos,
sendo que somente agora passou a ser insÃpido.
Pois bem, até o final da Idade Média, a Europa era marcada
fortemente por valores oriundos da cultura judaico-cristá. À teologia
católico-romana, também conhecida nesse perÃodo como Escolástica, blindava a
igreja contra as inovações e as ameaças culturais não somente vindas de dentro
da igreja, mas também as de fora. Em torno de 1300 d.C., as contestações ao
domÃnio cultural do cristianismo medieval passaram a se acentuar cada vez mais.
Um fenômeno cultural que muito contribuiu para isso é conhecido na história
como Renascença. Josh McDowell observa que “A Renascença caracterizou-se por
grandes avanços na literatura, no conhecimento, na literatura, no conhecimento,
na arte e na arquitetura. A Renascença marcou igualmente uma transformação
significativa no pensamento humano. Em contraste com a Idade Média (na qual o
principal tema da arte, literatura e filosofia era glorificar a Deus), os
artistas e pensadores da Renascença exaltaram o homem e suas habilidades. Esta
mudança gerou uma doutrina conhecida como humanismo, que enfatizava a dignidade
e capacidade e considerava o homem como o centro de todas as coisas, o dono do
seu próprio destino, o capitão de sua alma — cuja ênfase levou eventualmente a
uma visão não-bÃblica do homem e do seu relacionamento com o Criador”. Por
volta de 1600 d.C., um outro fenômeno cultural, conhecido na historia como
Iluminismo, iria provocar mudanças profundas na cultura ocidental. Enquanto o
humanismo italiano colocou o homem como o centro do universo, o iluminismo
alemão entroniza a razão como o juiz supremo do universo. Nada poderia ser
aceito como verdade se não pudesse ser explicado pela lógica da razão humana. O
impacto do pensamento iluminista sobre a fé religiosa foi devastador. O
cristianismo como uma religião revelada evidentemente = não poderia ser totalmente
explicada em forma de uma fórmula matemática. Augusto Comte ensinou então que o
homem passou por três grandes estágios na sua existência. O filosófico, o
religioso e o cientÃfico. Era nesse ultimo estágio que a sociedade de seus dias
se encontrava. A religião era algo superado. É bom observarmos que foi durante
a ditadura do iluminismo ou por sua influência direta que a teologia liberal
floresceu. Muitos teólogos protestantes, a exemplo de Rudolf Bultmann, sentiram-se
encurralados por não poderem demonstrar de uma forma totalmente empÃrica e
racionalista a sua crença.
A saÃda foi tentar explicar a BÃblia de uma forma meramente
cultural e, para que isso fosse possÃvel, procurou-se dar uma explicação
meramente cultural para os textos bÃblicos. Segundo ele, a BÃblia precisa ser demitizada!
Em palavras mais simples, os milagres nunca existiram, anjos também não e demônios
muito pior. Esses fatos narrados na BÃblia, segundo ele, eram apenas figuras
que Jesus e os apóstolos usaram para transmitirem a Palavra de Deus.
Posteriormente, a neo-ortodoxia, movimento encabeçado pelo
teólogo suÃço Karl Barth, tenta reagir à doutrina liberal, mas o que se observa
é que Barth também já estava contaminado pela doutrina iluminista e não
consegue defender a doutrina cristã com êxito. Um exemplo é a sua crença de que
a BÃblia contém a Palavra de Deus em vez daquilo que prega o cristianismo
ortodoxo, isto é, que a BÃblia é a Palavra de Deus.
Todavia, a teologia liberal não ficou sem contestação. O
teólogo luterano Soeren A. Kierkegaard reagiu a esse domÃnio da razão sobre a
fé cristã ainda em seu inÃcio. Em seu livro Compreender Kierkegaard, France
Farago destaca que “Coube a Kierkegaard a missão profética de repreender a cristandade
do seu tempo, que ele acusa de ter corrompido a mensagem de Cristo. Propõe,
então, a volta aos ideais do cristianismo da primeira hora, mediante um esforço
para a apreensão da mensagem evangélica, relida e reinterpretada, não segundo o
método histórico-crÃtico, mas à luz dos problemas existentes de nossa época. E,
mais importante ainda, propõe como remédio para o desespero humano a volta a
uma vivência autêntica da fé cristã”.
Hoje, os tempos são outros. O paradigma conhecido com modernidade
a qual nos referimos entrou em colapso a partir dos anos 60 e 70. Em seu lugar
ergue-se o edifÃcio da pós-modernidade. À modernidade entronizava a razão
enquanto a pós-modernidade as sensações. Os sentimentos nunca estiveram tão em
alta como agora. Mais uma vez, a igreja se ajusta à cultura secular, e se torna
um organismo sensorial. O que vale na arena da fé é aquilo que provoca
adrenalina. Os sentimentos precisam ser aguçados por objetos visÃveis, e aÃ
entram os sabonetes ungidos, as toalhas ungidas, o sal, o óleo, a água e até
mesmo o suor ungido. Tudo isso ajustado ao desejo de consumo produz a fórmula
de um cristianismo, como diz Zygmunt Bauman, onde ninguém consegue se tornar
sujeito, isto é, ser gente sem primeiramente virar objeto. O ser humano é
transformado em mercadoria. Talvez seja por isso que os pregadores da telinha
para se ajustarem ao modelo cultural vigente estejam constantemente procurando
melhorar suas imagens. Para isso vale desde a raspagem de sobrancelhas a até
mesmo a aplicação de botox. Os mais ousados não se contentam somente com isso,
querem demonstrar que são executivos bem-sucedidos e para tal arrancam as peles
das ovelhas para com elas pagarem a aquisição de jatos que adquiriram por
milhões de dólares.
Quem, como Kierkegaard em sua época, está disposto a
contestar esse tipo de cristianismo?
por José Gonçalves
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