A heresia da separatividade

A heresia da separatividade


O bom uso e a correta compreensão dos termos são fundamentais na construção, não só do pensamento, mas também dos valores que regem o comportamento e a postura a serem adotados nas mais diversas circunstâncias da vida. Uma das formas pelas quais é possível ter uma boa e correta compreensão de determinados termos é reconhecer e aplicar que, a depender da perspectiva sob a qual ele é exposto, o seu conceito é alterado, ainda que seja o mesmo do ponto de vista da escrita e da pronúncia, como se vê no exemplo do vocábulo “separatividade”, que pode ser analisado à luz da psicologia, da psiquiatria, da filosofia, da espiritualidade e, evidentemente, da teologia.

À medida que se observa este termo e a forma como cada uma dessas áreas do conhecimento o define, é possível concluir que, se por um lado ele não oferece nenhum risco à fé cristã, por outro, o cristão deve estar atento a uma tendência herética como desdobramento do significado desse vocábulo, que pode trazer sérios danos à sua fé. Sendo assim, algumas perguntas precisam ser feitas, tais como: 1) de que forma o termo separatividade pode ser interpretado como um possível mal à fé cristã?; 2) qual a forma herética que o termo separatividade assume?; 3) como o cristão e a igreja devem enfrentar a Heresia da Separatividade?

Com vistas a responder a estas e algumas outras perguntas, o presente texto propõe uma reflexão – à luz das Escrituras – sobre a separatividade como heresia, iniciando com uma apresentação ampliada tanto do termo como do conceito em si, sob o olhar da teologia, bem como dos principais pontos que se opõem à Palavra de Deus, seguida de uma análise das consequências para o crente, individualmente, e para a igreja, coletivamente, concluindo com a exposição de meios pelos quais a igreja pode e deve enfrentar, rejeitar e vencer essa tendência que, conforme ficará claro, é tão sutil quanto danosa à saúde do Corpo de Cristo.

A separatividade como heresia e o combate a ela

Etimologicamente, a expressão separatividade vem do latim separare, que quer dizer “pôr à parte, dividir”, e, somada ao sufixo tivus, aponta para estado ou qualidade. Ou seja, trata-se daquilo que é separado, distinto, individualizado ou apartado de outro. O termo e o conceito de separatividade encontram desdobramentos em diferentes áreas do conhecimento, como na psicologia, na psiquiatria, na filosofia e na teologia.

Os conceitos filosófico e teológico servem ao propósito da presente reflexão, pois, filosoficamente, a separatividade é vista como a experiência humana de viver separado do outro, o que resulta em isolamento em vez da busca pelo relacionamento. No que se refere à análise do termo sob o olhar da teologia, ele assume, em certa medida, um aspecto negativo, haja vista a ênfase e o valor dados nesse conceito ao individualismo em detrimento da individualidade, desconsiderando o vínculo do ser humano com Deus, seu Criador, e com os demais seres humanos, o próximo – contrariando, assim, os princípios bíblicos e cristãos. Na prática, a heresia da separatividade fomenta conflitos que resultam em divisões sociais, raciais, étnicas, entre outras, que, conjuntamente, trazem danos pessoais, relacionais e, principalmente, espirituais.

Uma das figuras mais proeminentes na difusão desse conceito herético é Helena Blavatsky (1831–1891), filósofa ocultista de origem russa, que se posicionou a favor da separatividade, ensinando que os seres humanos são independentes e não fazem parte de uma unidade maior. Com isso, o conceito se opõe à ideia de responsabilidade do ser humano com Deus e com os seus semelhantes, trazendo grandes e graves consequências, como o individualismo e a ausência de compromisso com qualquer tipo de ética ou moral. Afinal, não há, nesse pensamento, o conceito de prestação de contas – seja a Deus, seja ao próximo.

Está claro, portanto, que os frutos dos que aderem a tal conceito serão amargos, principalmente porque ele contraria princípios básicos das Escrituras. Há inúmeros textos bíblicos que, somados, fundamentam a sólida verdade de que o ser humano está intimamente ligado ao seu Criador e aos outros. A criação do homem, por exemplo, foi uma decisão de Deus ao fazê-lo à Sua imagem e semelhança, constituindo-o administrador de Sua criação e soprando-lhe a Sua vida (Gênesis 1.26; 2.7). Sendo assim, acreditando ou não, o ser humano está intimamente vinculado ao seu Criador — o que fica ainda mais evidente nas palavras de Paulo em Atos 17.28: “Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração”. O contexto imediato dessas palavras reafirma a proximidade de Deus com Sua criação, que é Sua geração, e por ela Ele trabalha para a reconciliação (vv. 27, 29-31).

Além da responsabilidade com Deus, o ser humano tem deveres para com o próximo, conforme as palavras de Paulo em Gálatas 6.2: “Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo”. Nesse caso, em uma análise estritamente bíblico-teológica, a heresia em questão contraria veementemente o que as Escrituras ensinam sobre a autonomia e a responsabilidade totais do homem diante de seu Criador e de seus semelhantes.

O conhecido texto de Filipenses 2.1-11 também fornece lições riquíssimas, que consolidam ainda mais o que se tem apresentado até aqui, conforme os seguintes pontos: 1) Paulo reconhece que a sua alegria, de certa forma, dependia do fato de que os crentes em Filipos tivessem “o mesmo amor, o mesmo ânimo, sentindo uma mesma coisa” (v. 2); 2) que eles deveriam, como fruto de humildade, considerar “os outros superiores a si mesmos”, o que, na prática, implica não atentar “para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros” (vv. 3, 4); e 3) reafirma que a obra de Cristo é uma manifestação divina em favor da humanidade e conclama os crentes a desenvolverem “o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus”, enfatizando que os frutos dessa obra perfeita tocarão todos os seres humanos, já que “ao nome de Jesus se dobre todo joelho [...] e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor”.

Com vistas à conclusão desta reflexão, considere ainda o ensinamento extraído a parábola comumente chamada de “O Bom Samaritano”, conforme o registro de Lucas 10.25-37, contada por Jesus a partir do interesse de um certo doutor da Lei em saber como poderia “herdar a vida eterna” (v. 25). Atente para as seguintes verdades: 1) O ser humano deve amar a Deus e ao próximo (vv. 26, 27); 2) O próximo é aquele que se aproxima de seu semelhante para auxiliá-lo em suas dificuldades (vv. 29, 36, 37). Essa relação de compromisso do ser humano com seu Criador e com o próximo é tão íntima e importante no contexto bíblico que deixar de fazer o bem a alguém é o mesmo que deixar de fazê-lo ao Senhor Jesus; da mesma forma, fazer o bem a quem precisa é também fazer ao Senhor (Mateus 25.35-45).

O caminho, portanto, para a solução definitiva desse problema está nas palavras de Paulo em 2 Coríntios 5.18: “E tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo e nos deu o ministério da reconciliação”. Conclui-se, assim, com o reconhecimento dos riscos de se aderir – consciente ou inconscientemente – ao conceito da separatividade, especialmente por contrariar frontalmente o princípio bíblico da dependência que o ser humano tem de Deus e de seu compromisso com o próximo. Ainda que a individualidade seja algo a ser considerada e respeitada, isso deve ocorrer dentro dos limites estabelecidos pela própria Palavra de Deus.

por Elias Torralbo

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