O que são esses vermes que habitam no inferno?

O que são esses vermes que habitam no inferno?


Em Marcos 9.44, é mencionado o termo “vermes” como habitantes do inferno. Que seres são esses? Eles são alguma espécie de demônios naquele ambiente sombrio?

Não é de agora que o texto de Marcos 9.44, assim como os versículos 46 e 48, que trazem palavras de Cristo, têm intrigado muitos teólogos ao longo da história da teologia cristã. A frase repetida por Jesus “onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga” carrega forte peso escatológico. Teólogos como Agostinho, em A Cidade de Deus (Livro XXI), defendem a eternidade do castigo e interpretam o “verme que não morre” como símbolo da consciência acusadora, afirmando que os ímpios continuarão existindo para sofrerem a justa retribuição divina. João Crisóstomo, em suas homilias sobre o Evangelho de Marcos, destaca que Jesus utiliza essas imagens para gerar temor santo e levar à conversão, vendo o verme não como algo literal, mas como figura do tormento interno da alma separada da luz. Tertuliano, por sua vez, foi um dos primeiros a empregar a expressão “inferno eterno” com base em Marcos 9.44, afirmando que tanto o “verme” quanto o “fogo” representam sofrimentos conscientes e permanentes, não como vingança, mas como expressão da justiça divina.

Mas qual é o verdadeiro significado do termo “verme” nesse contexto? É importante lembrar que essa expressão em Marcos 9.44 é uma citação direta de Isaías 66.24, onde se lê: “...porque o seu verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará; e eles serão um horror para toda a carne”.

O termo grego utilizado em Marcos é skōlēx, que designa, literalmente, uma larva ou verme que se alimenta de carne em decomposição. No entanto, a linguagem empregada por Jesus é manifestamente metafórica, sendo usada para descrever a irrevogabilidade do juízo divino e a ausência de esperança de restauração — ou seja, trata-se da representação de um castigo de natureza eterna. No contexto hebraico e cultural, vermes estavam associados à corrupção, impureza, degradação e morte. Essa simbologia é reforçada pelo pano de fundo histórico do Vale de Hinom (Geena), ao sul de Jerusalém, onde havia um depósito de lixo continuamente consumido por vermes e pôr fogo que não se apagava. Segundo o Novo Dicionário da Bíblia, de J. D. Douglas, o “verme” é aqui entendido como uma figura de linguagem, tirada exatamente desse cenário, ilustrando um processo incessante de deterioração e juízo. Com base nessas considerações, muitos teólogos interpretam o “verme que não morre” como um símbolo da consciência atormentada, da culpa eterna e da lembrança constante do pecado, que aflige o ser humano apartado para sempre da presença de Deus. Trata-se de um verme interior, psicológico e espiritual, que corrói a alma, não no sentido físico, mas na dimensão do arrependimento tardio e da condenação consciente.

Além disso, o “verme” é também compreendido como símbolo da degradação eterna — uma corrupção contínua em que o condenado, embora não destruído de uma vez, permanece em estado perpétuo de deterioração e sofrimento. Assim, Marcos 9.44, ecoando Isaías 66.24, não descreve criaturas demoníacas ou literais, mas exprime em linguagem vívida a realidade trágica e eterna da separação de Deus.

Cabe abordar aqui uma pergunta frequentemente levantada: seriam os “vermes” mencionados em Marcos 9.44 uma espécie de demônios? Biblicamente e teologicamente, não há fundamento para tal afirmação. O termo grego skōlēx refere-se, de maneira clara e objetiva, a vermes literais — larvas que se alimentam de matéria em decomposição — e nunca é utilizado nas Escrituras para designar seres espirituais. Os demônios são anjos caídos: seres espirituais dotados de consciência, personalidade e vontade, o que não se aplica à figura do verme. Ademais, o contexto de Marcos 9.44 — assim como a referência original em Isaías 66.24 — não sugere atuação demoníaca, mas, sim, a permanência da corrupção e do juízo. A imagem do verme simboliza a degradação moral e espiritual que jamais se consome, refletindo a condição irreversível da alma separada de Deus. Um bom exemplo disso está em Lucas 16.19-31, onde Jesus narra o sofrimento do homem rico no Hades. Entendemos que os “vermes” não representam entidades malignas, mas uma metáfora vívida da agonia interior, espiritual e existencial do condenado — um estado de consciência atormentada pela lembrança do pecado, pela culpa e pela ausência eterna de comunhão com o Criador.

por Esdras Cabral de Melo

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