O mês de junho é marcado por duas campanhas de grande importância para a saúde pública no Brasil: o “Junho Vermelho”, que visa estimular a doação de sangue, e o “Junho Laranja”, que tem como objetivo alertar sobre a anemia e a leucemia. Essas ações mobilizam a sociedade para a valorização da vida e do cuidado com o próximo, dois princípios profundamente cristãos. Diante disso, cabe uma reflexão: o crente pode doar sangue? Como a Bíblia nos orienta sobre esse tema? E qual deve ser a postura da Igreja diante dessas campanhas?
O amor ao próximo como mandamento
A doação de sangue é, acima de tudo, um gesto de amor e solidariedade.
Ela permite que vidas sejam salvas em momentos críticos: em cirurgias, acidentes,
tratamentos oncológicos e complicações de saúde diversas. A Bíblia nos orienta
claramente a amar o próximo como a nós mesmos (Mateus 22.39). O apóstolo João
afirma que “quem tiver bens do mundo e, vendo o seu irmão necessitado, lhe
cerrar o seu coração, como estará nele o amor de Deus?” (1 João 3.17).
Embora o sangue não seja um “bem material”, como dinheiro ou
alimento, a saúde e a vida estão entre os bens mais preciosos que podemos
partilhar. O sangue doado pode beneficiar até quatro pessoas, dependendo dos
componentes utilizados (hemácias, plaquetas, plasma etc.). Logo, ao doar
sangue, o cristão está praticando um ato de misericórdia, compaixão e cuidado
com a vida alheia, o que é coerente com o ensino de Jesus sobre o bom
samaritano (Lucas 10.25-37).
A vida no sangue e a interpretação bíblica
Algumas pessoas questionam se a doação de sangue é permitida
à luz das Escrituras, devido a textos como Levítico 17.11,12, que afirma:
“Porque a vida da carne está no sangue. [...] Nenhuma alma dentre vós comerá
sangue, nem o estrangeiro que peregrina entre vós comerá sangue”. No entanto, essa
proibição estava relacionada ao ato de ingerir sangue como parte de rituais
pagãos ou alimentos sacrificados aos ídolos, algo cultural e cerimonial que não
se aplica da mesma forma à realidade da doação.
A doação de sangue não é um ato de idolatria, nem de
violação do princípio bíblico de santidade, mas, sim, um gesto de amor que preserva
a vida. O princípio eterno em Levítico é o valor da vida contido no sangue – e,
portanto, preservá-la e usá-lo para curar é coerente com esse valor.
Mesmo em Atos 15.20, onde os apóstolos recomendam aos gentios
que “se abstenham das coisas contaminadas dos ídolos, da prostituição, do que é
sufocado e do sangue”, o contexto é alimentar e religioso, e não médico ou
humanitário. O uso do sangue em procedimentos terapêuticos, como transfusões, é
algo moderno, que não existia nos tempos bíblicos, e deve ser interpretado à
luz do princípio maior: amar ao próximo e salvar vidas.
A Igreja como agente de vida
A Bíblia nos ensina que somos “embaixadores de Cristo” (2 Coríntios
5.20) e que temos a missão de ser “sal da terra e luz do mundo” (Mateus
5.13,14). Isso implica participar ativamente das causas que promovem a justiça,
a vida e a dignidade humana. Campanhas como o “Junho Vermelho” e o “Junho
Laranja” oferecem oportunidades concretas para a Igreja exercer o amor cristão
de forma prática e pública.
Além da doação, a conscientização sobre a anemia e a
leucemia é vital. A anemia, especialmente a ferropriva, afeta milhões de brasileiros,
podendo ser sinal de má alimentação, doenças crônicas ou perdas de sangue. Já a
leucemia é um câncer que afeta o sangue e a medula óssea, exigindo transfusões
frequentes e transplante de medula, o que também depende da solidariedade de
doadores compatíveis.
A igreja pode se engajar promovendo campanhas de conscientização
nos cultos e redes sociais; mutirões de doação em parceria com hemocentros;
orientações sobre prevenção e diagnóstico precoce; e apoio espiritual e emocional
a famílias afetadas.
Em Provérbios 31.8,9, está escrito: “Abre a tua boca a favor
do mudo, pelo direito de todos os que se acham desamparados. Abre a tua boca,
julga retamente, e faze justiça aos pobres e necessitados”. O envolvimento da
igreja com essas causas não é ativismo social vazio, mas parte da missão
integral de manifestar o Reino de Deus por meio do cuidado com o ser humano por
inteiro: corpo, alma e espírito.
O sangue e a redenção: um paralelo espiritual
É interessante observar que, enquanto o sangue humano é essencial
para preservar a vida física, o sangue de Cristo é o único que tem poder para
dar vida eterna. A Bíblia declara: “Sem derramamento de sangue, não há
remissão” (Hebreus 9.22). O sacrifício de Jesus na cruz foi o maior ato de
entrega e doação que já existiu – Ele entregou Sua própria vida, Seu sangue,
para que fôssemos salvos.
Esse paralelo nos ensina que doar sangue, na esfera humana, é
também uma forma de imitar a Cristo em Sua entrega pelos outros. Embora o
sangue de um homem não possa redimir pecados, ele pode salvar a vida de outro –
e esse é um símbolo poderoso do serviço cristão.
Jesus disse: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém
a sua vida pelos seus amigos” (João 15.13). Doar sangue não é morrer, mas é um
modo de doar parte de si para que outros vivam, o que se alinha profundamente com
o espírito do Evangelho.
A Igreja como fonte de esperança e encorajamento
Por fim, campanhas como essas nos lembram que muitos irmãos
enfrentam doenças graves e momentos de dor. A anemia pode enfraquecer o corpo,
e a leucemia pode trazer medo e angústia. Nesses contextos, a igreja tem um
papel essencial de trazer esperança, orando, visitando, acolhendo e, sempre que
possível, ajudando de forma prática e concreta.
Em Tiago 2.15,16 (ARC), lemos: “E, se o irmão ou a irmã estiverem
nus, e tiverem falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide
em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e lhes não derdes as coisas necessárias para
o corpo, que proveito virá daí?”. Da mesma forma, dizer que oramos por alguém
doente, mas recusar-nos a doar sangue ou a fazer parte do cadastro de doadores
de medula óssea, pode ser um sinal de fé sem obras.
A fé verdadeira se manifesta no cuidado com o próximo, no engajamento
em ações de vida, na solidariedade com os que sofrem. Ser cristão é ser agente
da graça de Deus no mundo, e isso se faz com gestos pequenos e grandes, visíveis
e invisíveis – como a doação de sangue.
Conclusão
O cristão pode – e deve – doar sangue. Essa prática não
contradiz as Escrituras; pelo contrário, está em plena harmonia com os
princípios bíblicos de amor, solidariedade e cuidado com o próximo. A vida está
no sangue, e ao doarmos, contribuímos para que outros possam continuar vivendo,
honrando a Deus com nossas ações.
Em um mundo marcado por tantas dores e necessidades, cada ato
de amor conta. Que a Igreja de Cristo seja conhecida não apenas por suas
palavras, mas por suas atitudes de compaixão. Que em junho – e em todos os meses
– sejamos instrumentos de vida, esperança e salvação.
por Eduardo Leandro Alves
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