Redil ou covil?

Redil ou covil?


Era um dia comum. Para muitos comerciantes, era um dia especial de lucros financeiros. Para líderes religiosos, mais um dia para cumprir seus ofícios. Para o povo, mais um dia para cumprir as ordens ritualísticas para encobrir a pecado.

Nesse dia, tudo corria bem. Todos estavam cumprindo o seu papel. Consciências cauterizadas; rituais vazios; religião de aparências; povo domesticado. Tudo estava normal. Até que, de repente, não mais que de repente, um jovem pregador, a quem muitos chamavam de Rabi (mestre, professor), sem nunca ter sido associado ao Templo, sem ser fariseu, sem ser saduceu, sem ser zelote, sem ser herodiano, sem estar ligado a nenhum desses grupos do Templo, sem fazer parte do “esquema”, surgiu em plena Jerusalém.

Tudo estava em ordem até que esse pregador, vindo de um dos locais mais improváveis, a “Galileia dos Gentios”, entra no Templo, uma casa que Deus orientou que fosse erigida para que Ele fosse adorado, não apenas pelos judeus, mas, como orou Salomão, “também ao estrangeiro que não for do teu povo de Israel, mas vier de terras remotas por amor do teu grande nome, e da tua poderosa mão, e do teu braço estendido, vindo ele e orando nesta casa, então, ouve tu desde os céus, do assento da tua habitação, e faze conforme tudo o que o estrangeiro te suplicar, a fim de que todos os povos da terra conheçam o teu nome e te temam, como o teu povo de Israel, e a fim de saberem que pelo teu nome é chamada esta casa que edifiquei” (2 Crônicas 6.32,33). Nos tempos neotestamentários, a construção era outra, mas a ideia deveria ser a mesma.

Tudo estava em ordem até que esse pregador fez uma constatação aterrorizadora: O Templo de Deus, que deveria ser um redil, havia sido transformado em um covil!

Esse pregador, Mestre, chamado Jesus de Nazaré, foi identificado pelo apóstolo João como o “Verbo que se fez carne e habitou entre nós”. João o identificou como Deus. Sendo assim, a angústia de Jesus era totalmente justificada, pois os homens haviam mudado o foco da Sua casa que Ele ordenou que fosse construída. Além disso, a mudança aqui não é apenas da estrutura física do Templo, mas uma mudança no interior dos homens, uma mudança de prioridades.

A política religiosa, o status quo, a facilidade que o ser humano tem de buscar sempre o bem pessoal em primeiro lugar, a falta de senso crítico, a ganância, a avareza, as disputas etc., tudo isso fez com que a função do Templo fosse anulada de diversas formas. Uma delas é que o local onde estava havendo o comércio era o chamado Pátio dos Gentios. Ou seja, se o Pátio dos Gentios estava loteado, sendo ocupado com vendas, lucro fácil, disputas, não havia lugar para Deus se revelar a outros povos. Sendo assim, Deus continuaria como uma propriedade particular de apenas um povo, que já havia esquecido há muito tempo que deveria ser uma nação de sacerdotes.

Com esse comércio com o que é sagrado, o nome de Deus era tomado em vão e utilizado para interesses próprios. Não era mais necessário criar o cordeiro sem mácula e transportá-lo com cuidado ao Templo para o sacrifício; era só chegar ao Templo e comprar um cordeiro novinho com um vendedor de sacrifícios! Caso você tivesse um cordeiro ou outro animal para o sacrifício, mas que não estava nas condições prescritas na Lei, não haveria problemas. Eles aceitavam o seu à base de troca! Você praticamente comprava o sacrifício.

Tudo estava transcorrendo normalmente. Tudo acontecia com a anuência do sumo sacerdote (aliás, a narrativa de Lucas dá a entender que Anás e Caifás compartilhavam muito mais do que a simples permissão: estavam envolvidos até o pescoço com esse comércio).

A rotina seguia normalmente, até que surge esse pregador de Nazaré. Ele faz uma constatação: “Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos”! Ou seja, é um redil, um lugar onde ovelhas de todas as nacionalidades possam hegar e serem cuidadas, protegidas, tratadas, alimentadas. Ele continua: “Mas vocês a transformaram em covil de lobos e salteadores”! Que coisa! Como eles conseguiram? Redil é um lugar de proteção contra os lobos e salteadores, mas a situação estava tão complicada que os lobos e os salteadores estavam ocupando o lugar das ovelhas, estavam dentro do redil, estavam destruindo as ovelhas.

Às vezes, penso se em alguns lugares, em alguns círculos religiosos, em algumas reuniões, os redis estão se transformando em verdadeiros covis. Tem aparência de redil, mas, ao entrar, a ovelha é devorada. Tem a sua alma dilacerada, seus sentimentos esmagados, sua fé explorada, sua mente perturbada, sua inocência roubada, sua espiritualidade manipulada. Até que chegue o Rabi, o Mestre, o Pregador de Nazaré, o Salvador, que virará as mesas, expulsará os lobos, os salteadores, os mercenários e, então, como diz Jeremias: “Vos darei pastores segundo o meu coração”.

Em alguns círculos religiosos, os Anás e Caifás modernos deveriam entender que não poderão operar livremente a vida toda. Que as suas mentes cauterizadas pelas disputas não servirão de desculpas, pois haverá um dia, também comum (talvez não tão comum assim), em que o mesmo Jesus, o Cristo Filho de Deus, colocará as coisas no seu devido lugar: ovelhas no redil, lobos no covil.

por Eduardo Leandro Alves

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