A missionária assembleiana Maria Luiza Benny nasceu em Cabo Frio (RJ). Na adolescência, trabalhou com os pais na implantação de igrejas no norte fluminense, em São Francisco do Itabapoana. Em 2002, casou-se com o pastor indiano Carlton Benny, professor de Inglês e Teologia, que já ministrava a Palavra de Deus na Índia. Juntos, fundaram há 21 anos a Missão Chief Cornerstone (em tradução livre, “Pedra Angular Principal”). Pais de quatro filhos, o casal estabeleceu projetos com a missão que lideram, como o Alfa e Ômega (Mianmar), o Favos de Mel (Índia) e o Seminário de Treinamento de Jovens Obreiros (Índia), e mantém a Casa Missionária e abrigo para dezenas de crianças tribais. Nesta entrevista, ela fala sobre desafios e o que Deus tem feito na Índia.
Fale-nos um pouco sobre os projetos desenvolvidos pela irmã,
seu esposo e filhos na Índia e em Mianmar.
Quando chegamos à Índia, meu esposo trabalhava com
treinamento de obreiros em um seminário de um estado vizinho. Depois disso, resolvemos
começar um trabalho independente. Implantamos a primeira igreja há 15 anos.
Nunca tivemos recursos ideais para o trabalho. Foi uma jornada de fé, de
esperar no Senhor pelo pão de cada dia e o suprimento em tudo. A igreja que nos
enviou sempre nos apoiou, mas não somos sustentados integralmente por nenhum ministério
ou agência missionária. Contamos com a ajuda da nossa igreja no Brasil, de
algumas poucas igrejas amigas, de familiares e de amigos de várias igrejas que
conhecem nosso trabalho. É assim que o trabalho tem avançado. São muitas dificuldades
e necessidades, mas o Senhor é Dono da Obra. É Ele quem faz. Avançamos cada mês
pela fé.
Depois, implantamos uma igreja na língua tâmil numa cidade
vizinha, onde estivemos à frente do trabalho por 12 ou 13 anos. Fundamos ainda um
seminário bíblico, um centro de treinamento para obreiros, para onde jovens de
várias partes da Índia viajam e ficam integralmente internos. Temos disciplinas
bíblicas, Teologia, Missiologia, mas eles aprendem o Inglês primeiro, pois todos
vêm de diferentes estados e cada estado fala uma língua diferente. Eles vêm de
povos tribais, alguns da fronteira com Mianmar, que já tem outra língua, é
outro povo. Fazem curso de
anos ou mais, dependendo do que escolherem. Após se formarem, voltam a seu povo.
Assim, na sua língua, na sua cultura, fazem a obra do Senhor. Alguns são
apoiados depois de formados e enviados. Levantamos recursos para eles, porque
não têm quem apoie e de onde tirar recursos.
Temos feito esse trabalho de treinamento há mais de 15 anos.
Hoje, temos 14 jovens. O pouco que trazem para se manter e pagar não dá nem
para 6 meses. Eles são muito
pobres, vêm de áreas muito remotas, de estados da Índia dos mais atrasados.
Quem vem de locais melhores são cristãos sozinhos na família, logo a família
não apoia. Os pais queriam que fizessem outra coisa em vez de estudar a Bíblia ou
se formar em Teologia. Praticamente, temos que dar estada e alimentação, pagar
conta de água e luz e os professores não-voluntários. Recebemos doações de
arroz. Meu esposo dá aula pela manhã, de segunda à sexta. Os outros voluntários
e outros professores vêm uma ou duas vezes na semana. Os alunos que estão se
formando ou já se formaram ajudam ensinando como parte do treinamento. O centro
de treinamento de obreiros já formou vários líderes para várias partes do país.
É multiplicação de discípulos.
Fundamos também, há 13 anos, o projeto Favos de Mel, que
começou na nossa casa com crianças necessitadas do estado de Odisha, da tribo
Sora. A gente não esperava, pensávamos começar outro projeto, mas aconteceu de
chegar 23 crianças na nossa
casa e abrigamos todas pela fé. Já tínhamos três filhos e um deles era de colo.
Por 5 anos, chegamos a abrigar em nossa casa 30 crianças vivendo como uma família. Eram desnutridas e não tiveram
oportunidade de ir à escola. Cuidamos da parte física e da espiritual, e demos a
oportunidade de irem à escola. Mas, após 5 anos, o governo fechou o trabalho.
Ele não permitia que continuássemos com crianças de fora do distrito, então
elas tiveram que voltar ao estado delas. Daí, um dos jovens que estudava no
centro de treinamento se preparando para ser obreiro e que era da tribo delas aceitou
voltar com as crianças e continuar esse trabalho lá, próximo à região tribal
delas. Esse projeto está situado ali há 9 anos com aquele jovem à frente. Ele
foi treinado conosco, aceitou o desafio e está gerenciando, mas levantamos os
recursos para manutenção da casa e das crianças, que somam ali 30. Elas têm
três refeições por dia, acesso à escola e ao conhecimento de Cristo. Algumas
das crianças que saíram do projeto vieram estudar no centro de treinamento de
obreiros. Umas casaram e outras têm bons empregos no governo.
Também levantamos recursos para outra casa de passagem em Mianmar,
que é gerenciada por outro missionário, sua esposa e seus dois filhinhos. Ele
estudou conosco, viu como iniciamos o projeto Favos de Mel e reproduziu esse
trabalho para dar assistência a um povo tribal sem acesso à eletricidade e
escola. Ele construiu uma casa de bambu, que é muito usada na região, numa
cidade onde há mais acesso a hospitais e à escola. Ele leva as crianças da
tribo ao local, onde aprendem, ouvem a Palavra de Deus e têm devocionais.
Há 5 anos, deixamos a igreja que fundamos com pastores
locais que também foram treinados conosco. Hoje, estamos pastoreando, em uma
cidade vizinha à anterior, uma igreja fundada por missionários dinamarqueses há
mais de cem anos. Ela estava fechando por falta de pastor. E estamos
implantando uma outra igreja numa cidade aqui perto, com obreiros indianos que têm
colaborado na nossa base. Meu esposo continua seu ministério de ensino ajudando
pastores locais em várias regiões da Índia. Ele viaja para encorajar e para
ministrar em seminários e conferências que esses pastores realizam. Também recebemos
missionários do Brasil e Índia que queiram nos apoiar, fazer parcerias ou
treinar conosco. Nossa miniagência e base missionária é a Missão Chief
Cornerstone.
Quais os maiores desafios hoje para os cristãos nessas
regiões?
O local onde estamos atuando hoje é uma região montanhosa, colonizada
pelos ingleses e muito procurada por europeus. É uma região onde há muitas
igrejas, muitas missões, muitas escolas protestantes e católicas de internato
para onde vêm crianças da Índia inteira estudar, pois são consideradas as melhores
escolas. O Cristianismo aqui em cima é mais normal, mais conhecido. Não temos
casos graves de perseguição aqui. Depende muito também do partido que está no
poder. Mas mantemos sempre os devidos cuidados. Por exemplo, quando há batismo,
a gente não pode anunciar, em razão da lei anticonversão. Se alguém resolver dar
parte na política dizendo que estamos “forçando conversão” ou oferecendo ajuda
a uma família para ela se converter, aí pode dar problema. Inclusive, podemos
parar na Corte do país. Aqui não é igual ao Brasil, aonde podemos chegar numa
praça e já fazer um culto ao ar livre. Temos que pedir permissão, que na
maioria das vezes é negada. Só deixam se tiver força policial disponível para
fazer segurança. O trabalho de conversão muitas vezes é longo, demorado. É um
processo de conhecimento. São pessoas querendo receber visitas no lar, oração e
estudo bíblico, querendo conhecer mais Deus e, aos poucos, a Palavra vai
gerando fé no coração. Assim, vem o processo de mudança, o reconhecimento e
aceitação de Cristo como Salvador. Aqui são milhares e milhares de entidades, muitas
religiões. Para eles, quem nasce em uma religião deve morrer nela. Se você
perguntar se aceitam a Jesus, todos dizem “sim”, porque quanto mais deuses
melhor. Mas aceitar um único Deus, e invisível, é muito complicado para eles,
para a cultura na qual estão inseridos. Por exemplo, na primeira igreja que
fundamos, a maioria que se converteu vinha do catolicismo, poucos hindus se
converteram. Sobre dificuldades, meu marido já foi preso. Ficou detido por mais
de 12 horas pelo simples fato de ensinar. A gente viajou para um estado vizinho
onde a perseguição é bem aguçada. Eu estava grávida e com duas meninas
pequenas. Fomos lá para ele dar três dias de ensino para cristãos. Todos ali
eram cristãos. Mas, quando meu esposo começou a ensinar, com um jovem seminarista
treinado por ele traduzindo, entraram três homens grandes gritando muito. Eles
pegaram os pastores e alguns crentes locais, jogaram para fora e começaram a bater.
Os irmãos tentaram se defender e falar, mas apanhavam mais. Os agressores
quebraram o violão e rasgaram Bíblias. Daí chegou a polícia e a televisão local
em meio à gritaria e violência. Levaram os cristãos à delegacia. Ficamos sem notícias
deles. Minhas filhas e eu fomos para casa do pastor local. Já à noite, vi na
televisão meu marido e outros pastores atrás das grades e acusados de fazer
trabalho de conversão. Depois de um tempo, bem tarde da noite, eles foram soltos.
Alguém com autoridade, que não sabemos até hoje quem foi, entrou em contato com
a delegacia e falou com o superior que era para deixar os pastores saírem. Foi
ação de Deus, pois estávamos em oração o dia inteiro. Ficamos aliviados, mas os
três homens voltaram à noite para ameaçar de novo. Com muito medo, tivemos que
sair, receosos de quebrarem ou queimarem nosso carro. Saímos 1h da manhã
daquela área rural muito deserta e escura. Minha filha de 3 anos estava no meu
colo dormindo. Quando acordou, olhou para fora e disse: “Mãe, os cavaleiros!
Cavalos brancos e cavaleiros lá fora!”. Falei que ela estava sonhando, mas ela respondeu:
“Não! Daquele lado também tem cavalos e cavaleiros”. Vimos que ela suava uma
linguagem que não era do seu costume. Assim, entendemos que eram anjos do Senhor
nos guardando, nos livrando do pior, e glorificamos a Deus.
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