Problemas entre o pentecostalismo e hermenêutica pós-moderna

Problemas entre o pentecostalismo e hermenêutica pós-moderna


A hermenêutica bíblica pentecostal não se alinha aos pressupostos da hermenêutica pós-moderna

É lúgubre ver o teólogo ou hermeneuta pentecostal que busca aquiescer sua exposição de fé com o viés da hermenêutica pós-moderna, visto que o real pentecostalismo, incluindo sua experiência e prática, tem seu nascedouro (1) nas Sagradas Escrituras, em especial na narrativa de Atos, como bem pontuou Robert P. Menzies (2016, p.13); e (2) nos pressupostos da hermenêutica bíblica tradicional, como faziam os primeiros cristãos, hermenêutica esta que apresenta um conjunto de regras ou um método mediante o qual a verdade em um texto pode se tornar clara. Para compreendermos bem os problemas da hermenêutica pós-moderna, daremos uma apresentação do impacto profundo que a pós-modernidade causou na interpretação bíblica.

Os anos de 1970 e 1980 são vistos como o momento de nascimento da pós-modernidade, com sua ascensão após a queda do Muro de Berlim, que fez separação entre as chamadas Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental entre 1961 e 1989, quando aconteceu a derrocada da modernidade. Enquanto a modernidade era caracterizada pelo propósito, planejamento, hierarquia, centralização e seleção, a pós-modernidade é marcada pela diversão, casualidade, anarquia, dispersão e associação.

O teólogo Alister E. McGrath, falando da pós-modernidade, afirma o seguinte: “Em geral, concebe-se o pós-modernismo como algo relacionado a uma sensibilidade cultural livre de absolutos, de certezas ou de fundamentos fixos, que aprecia o pluralismo e as diferenças, assim como visa à reflexão por meio da ‘contextualização’ radical de todo o pensamento humano” (MCGRATH, 2005, p. 150).

Não há jamais qualquer possibilidade de se criar um liame entre hermenêutica pentecostal e pós-modernidade, sendo que esta última é amorfa. Ao contrário desta, o real pentecostalismo tem sua base firmada na hermenêutica bíblica. Para que fique mais claro, pontuaremos a caracterização da pós-modernidade e seu profundo impacto na interpretação das Escrituras. Desse modo, o leitor poderá fazer suas conclusões e entender quantos males, mais do que oportunidades, isso pode trazer.

A pós-modernidade é marcada pelo pluralismo, não aceitando verdades absolutas nem fixas. Nesse caso, a verdade é relativa e atrelada ao contexto sociocultural em que as pessoas vivem. A verdade religiosa não fica de fora, inclusive, o nome “Deus” é relativo. A verdade nesse particular é vista segundo a percepção de cada um e não existe verdade, mas, sim, “verdades”. Elas não se complementam. Falar de Jesus como o único caminho para o Céu (João 14.6), na perspectiva pós-moderna, é uma grande ofensa, visto que não existe uma verdade absoluta.

Na visão moderna, se afirmava que era possível chegar à verdade por meio da busca racional e, é claro, houve erro nesse particular, porque passou a se confiar mais na razão. Porém, a pós-modernidade rejeita definitivamente qualquer interesse por verdades fixas, absolutas, de modo que menospreza os dogmas e definições exatas.

Entre tantas vozes que se escutam, em especial daquelas que fazem uso do termo hermenêutica, temos, por exemplo, Frank Kermode, o qual declara que a verdade não é nem tão objetiva nem tão metodologicamente acessível quanto muitos antigamente pensavam que fosse.

A exposição de uma mente pós-moderna é incrédula ao afirmar que nenhum tipo de pesquisa está livre plenamente da neutralidade, sem preconceitos; isto é, o hermeneuta, o cientista, traz para sua pesquisa, seja ela qual for, elementos ou dados daquilo que ele crê, insuflando nela suas experiências e seu mundo, o que acaba por impactar na pesquisa ou trabalho que faz.

Na concepção dos que seguem a linha interpretativa pós-moderna, como no caso de Hans-Geog Gadamer, que foi aluno de Heidegger, não existe um método impessoal que se aplique a um texto, a fim de se chegar ao seu significado. O significado emerge em relação ao intérprete, o que significa que a pessoa não pode mais apelar somente à intenção do autor como árbitro do significado. Segundo ele, o significado de um texto não é fixado pela intenção do autor (nem por qualquer outra coisa), mas sempre emerge da conversa entre o texto e o leitor.

É possível entender que, na visão pós-moderna, cada pessoa analisa as coisas da forma como quer, pensa e crê. Tal posicionamento é incongruente e vai de encontro ao que a Palavra ensina, pois não é como eu quero ou penso, mas como dizem as Escrituras Sagradas (João 7.38).

Mais dois aspectos caracterizam a pós-modernidade: o primeiro é aquilo que pode ser denominado de pluralismo inclusivista, cuja tônica é a ideia de que se deve hoje viver em uma sociedade pluralista, procurando harmonizar-se com os diversos grupos e opiniões opostas, em especial dos grupos de minorias, os quais são os “oprimidos”, “ultrajados” e “marginalizados”. O que se campeia nos meios universitários são as conhecidas hermenêuticas das minorias, denominadas assim: hermenêutica feminista, da libertação, da raça negra, do homossexual etc.

A grande questão desse pluralismo inclusivista é que cada um deve ser respeitado com suas verdades e convicções, isso porque a opinião de um é tão verdadeira quanto a do outro, visto que não há verdade absoluta, isso envolvendo tanto o campo da moral como o da religião. É nesse sentido que o conceito do “politicamente correto” é totalmente abraçado, de modo que, atualmente, o cristão não pode afirmar que sua religião é certa e a do outro, errada, pois isso se torna politicamente incorreto, posto que agora se vive em uma sociedade pluralista. Não se pode mais dizer, por exemplo, que o homossexualismo é algo errado, pois é politicamente incorreto criticar a conduta de alguém, ainda que em contradição com o que diz a Palavra de Deus.

Mudanças trazidas pela pós-modernidade para hermenêutica

Pelo exposto acima, fica óbvio o impacto do pensamento pós-moderno, destarte não se pode negar que no mundo acadêmico da teologia exerce seu poder, em especial na questão hermenêutica. Assim, pergunto: Como a igreja poderá receber esses novos conceitos apresentados? E que impactos causarão sobre as práticas de pregação, evangelização, serviços (como os louvores) na teologia? Já é perceptível a influência da pós-modernidade na hermenêutica, que está gerando novas intepretações e outras formas de se abordar o texto bíblico.

Iremos pormenorizadamente apresentar pontos acerca do impacto da pós-modernidade sobre a interpretação bíblica e dizer que ela traz mais problemas do que oportunidades. O primeiro problema é o abandono de métodos críticos na reconstrução do processo histórico da formação do texto bíblico. Enquanto na modernidade a interpretação se firmava na diacronia, que procurava buscar o passado na intenção de se conhecer o processo histórico da constituição dos textos bíblicos, para, em seguida, se analisar o sentido deles, na pós-modernidade se prioriza agora a sincronia, dando mais ênfase na compreensão do texto à luz da própria pessoa e da interação com o leitor.

Certos hermeneutas corroboram que não houve um desprezo total aos métodos críticos em favor dos pós-modernos, mas é preciso compreender que, na pós-modernidade, não há mais interesse em se saber quem foi o autor, o motivo de ele ter escrito, nem tampouco interessa o processo histórico envolvido na formação do texto. Os pós-modernistas asseguram severamente que é impossível chegar a um sentido único do texto e isso porque deve-se levar em consideração a questão do tempo, da linguística e da distância cultural – isso tudo junto nos separaria definitivamente do primitivo autor textual. O mais sério nisso tudo é que se despreza a intenção original do autor. Pelas novas leituras feitas do texto, sempre novas e diferentes interpretações irão surgir, sendo que as tais não podem ser desprezadas, antes são validadas, pois o que se propõe agora é a existência das mais variadas verdades.

É lamentável dizer, mas a hermenêutica pós-moderna é, na verdade, uma filosofia da linguagem, ou melhor, epistemologia, isso porque sua maior tarefa hoje é preocupar-se com a natureza do entendimento e não com o interesse de encontrar a verdade no texto sagrado. Nesse caso, seu distanciamento da hermenêutica bíblica é colossal. Historicamente, antes da chegada do Iluminismo, a hermenêutica bíblica se pautava em princípios de intepretação, procurando atingir a compreensão do texto sagrado. Logo com a chegada do método histórico-crítico, ela passa a ser metodológica, o que, por meio de uma análise racional, dirigia-se na busca do processo histórico da formação dos textos bíblicos. Agora, na pós-modernidade, se assevera que não se pode chegar ao sentido original do texto bíblico, restando apenas vários sentidos no texto. Pode-se então fazer a extração desses sentidos, os quais ainda dependerão das circunstâncias em que se vive.

O que se pode fazer agora com as verdades divinas é tão somente considerá-las como um ideal a ser buscado, mas sem a certeza de que se poderá encontrar. Tudo isso gera um tipo de convicção de que o texto apresenta diversos sentidos, porém a certeza absoluta da verdade será sempre bem distante.

Enfim, a pós-modernidade mata o autor do texto original e sua intenção primeira, posto que não existe mais a possibilidade de se chegar a um só sentido, mas somente a vários. Assim, aquele pretendido pelo autor é descartado, inclusive sua intenção. Em outras palavras, é como se a pós-modernidade trouxesse de volta a alegorese de Filo de Alexandria, que dava ênfase a diversos sentidos para um texto bíblico, indo além do literal.

Querido pastor e irmão em Cristo, pelos pontos supracitados, concluímos que a pós-modernidade traz mais problemas do que oportunidades e, particularmente, respeitando os caros colegas teólogos e hermeneutas, creio ser impossível um diálogo de uma hermenêutica pentecostal com a hermenêutica da pós-modernidade. Alguém poderá dizer que também a fé entrou em choque com a modernidade, mas com um diferencial, pois, segundo Loren Wilkinson, a ciência moderna – e até mesmo a própria modernidade – tem raízes cristãs, conforme muitos pensadores têm indicado em anos recentes (ELMER, 2012, p.152), ao passo que a pós-modernidade despreza qualquer crença em alguma verdade absoluta. No mais, a hermenêutica pós-moderna, ao contrário da pentecostal, que tem seu fundamento plenamente na Palavra de Deus, bebeu e bebe nas influências de Michel Foucault, Jaques Derrida e Jean-François Lyotard, que, para mim, são cisternas rotas e nuvens que não contêm águas (Jeremias 2.13; 2 Pedro 2.17).

A hermenêutica pós-moderna não dá crédito à noção de que há um sentido absoluto para o texto bíblico, quer seja ele determinado por qualquer autoridade eclesial, quer por uma comunidade acadêmica ou por um simples estudioso dedicado da Bíblia. Tudo é visto com extrema desconfiança. Assim, pergunto: quais as oportunidades que podemos usufruir desse tipo de hermenêutica?

Referências bibliográficas

CARVALHO, César Moisés. Pentecostalismo e pós-modernidade: quando a experiência sobrepõe-se à Teologia. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.

DOCKERY, David S. Hermenêutica contemporânea à luz da Igreja Primitiva. São Paulo: Editora Vida, 2005.

ELMER Dyck. Hermenêutica: uma abordagem multidisciplinar das leituras bíblicas. São Paulo: Shedd Publicações, 2012.

MCGRATH, Alister E. Teologia: Sistemática, histórica e filosófica. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.

MENZIES, Robert P. Pentecostes: Essa história é a nossa história. Rio de Janeiro: CPAD, 2016.

OLIVEIRA, David Mesquita de; TERRA, Kenner R. C. Experiência e Hermenêutica Pentecostal: Reflexões e propostas para a construção de uma identidade teológica. Rio de Janeiro, 2018.

SIQUEIRA, Gutierres Fernandes. Revestidos de Poder: uma introdução à Teologia Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2018.

SIQUEIRA, Gutierres Fernandes. O Espírito e a Palavra: fundamentos, características e contribuições da Hermenêutica Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2019.

por Osiel Gomes da Silva

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