Os métodos histórico-gramatical, histórico crítico e pós-moderno e o labor teológico pentecostal
Indiscutivelmente, a interpretação bíblica é essencial à elaboração teológica e imprescindível à fé cristã. Por exemplo, a fundamentação da teologia sistemática, da teologia bíblica, da teologia prática e das demais áreas teológicas depende diretamente de como o texto bíblico é interpretado; e não somente isso, mas uma mensagem pregada ou um estudo bíblico ministrado à igreja também estão associados ao entendimento bíblico que passa, inevitavelmente, pela interpretação do texto bíblico.
Nesse quesito, há um ponto de divergência entre pentecostais
e não-pentecostais, com estes se opondo principalmente no tocante à atualidade
das manifestações do Espírito. Há também certas divergências internas entre as várias
denominações pentecostais ou que se consideram pentecostais. A posição
pentecostal sobre o falar línguas não é uniforme, havendo divergência entre pentecostais
clássicos e neopentecostais, além do que as crenças e as práticas dos
neopentecostais se distanciam ainda mais das dos pentecostais. São duas as
marcas distintivas do pentecostalismo clássico, do qual a Assembleia de Deus é
herdeira: o batismo no Espírito Santo como capacitação para o serviço e algo
distinto da conversão, tratando-se de uma experiência subsequente à salvação; e
a identificação do falar em línguas como evidência física inicial do batismo no
Espírito Santo.
Este artigo objetiva apresentar a relação da Hermenêutica
Pentecostal1 com alguns dos principais métodos interpretativos da
Bíblia Sagrada, e isso será feito sob quatro aspectos: 1) definição de
conceitos; 2) uma verdade inabalável; 3) demonstração da realidade; e 4) apresentação
de soluções práticas. Antes disso, ressalta-se que há muita discussão em torno do
método de interpretação bíblica, o que impõe a urgente necessidade de uma prática
interpretativa fidedigna e equilibrada.
Conforme o pastor Claudionor de Andrade expõe, “em seu
excelente livro Cristianismo em Crise, Hank Hanegraaff, utilizando a palavra
ligths, em inglês, mostra como se deve interpretar as Sagradas
Escrituras. Fugindo do extremismo da interpretação alegórica de Orígenes, e não
se detendo naqueles que tudo procuram interpretar de forma literal, mostra-nos
Hanegraaff que a Bíblia tem de ser interpretada com muito equilíbrio e
precisão. Fazendo um acróstico da palavra ligths, traduzida por ‘luzes’
em português, dá-nos ele uma perfeita síntese da verdadeira hermenêutica: L- Interpretação
Literal; I - Iluminação Espiritual; G - Princípios Gramaticais; H Contexto
Histórico; T- Ensino Teológico; S - Simetria Bíblica” (ANDRADE, 2018, p.45).
Com a exposição acima, é possível avançar para uma análise dos
três aspectos que este artigo se propõe a discorrer.
Definição de conceitos
Aqui será feita uma breve explanação dos seguintes métodos de
interpretação bíblica: 1) histórico-gramatical; 2) histórico-crítico; e 3)
hermenêutica pós-moderna.
Método Histórico-Gramatical – Em linhas gerais, o
método histórico-gramatical como o conhecemos resulta diretamente do labor dos protagonistas
da Reforma Protestante ocorrida no século XVI, que, contrapondo-se ao método alegórico,
propuseram uma interpretação literal, em que a intenção do autor deve ser
respeitada, bem como a evolução da revelação. Além disso, destaca-se que o seu uso
depende do contexto histórico e do aspecto gramatical, advindo daí a
nomenclatura “histórico-gramatical”, fazendo com que o texto sagrado tenha um
único sentido, e não quantos o leitor desejar.2
Método Histórico-Crítico – De uso próprio do liberalismo
teológico, e envolvendo as chamadas “Alta Crítica” e “Baixa Crítica”, este
método surgiu no período do Iluminismo, em que a razão e a análise crítica são
suficientes para a compreensão do mundo e suas complexidades. Neste método, a ênfase
é dada à crítica do texto em detrimento da intenção do autor, ou seja, suas
bases firmam-se sobre a crítica nos seguintes aspectos: 1) critica das fontes;
2) crítica da forma; e 3) crítica da redação. Nesse sentido, esse método pressupõe
que a Bíblia possui erros e contradições e, por isso, para os que adotam este
método, ela não é efetivamente a inerrante Palavra de Deus.3
Hermenêutica Pós-Moderna – Embora haja quem não se
agrade do termo pós-modernidade como referência aos tempos atuais, a grande
maioria opta por chamar assim este período caracterizado pela descrença em uma verdade
absoluta. A pós-modernidade possui aquilo que pode ser chamado de “fenômenos pós-modernos”
e que é bem representado pelas seguintes marcas: pluralização, privatização,
relativismo, globalização e secularização. Cada uma dessas marcas desafiam a Igreja
de Cristo em diferentes áreas, inclusive – e principalmente – quanto à
interpretação bíblica.
Ao escrever sobre a hermenêutica emergente deste tempo,
Kevin J. Vanhoozer explica: “Permite o florescimento de uma centena de ideologias,
contanto que não se tome nenhuma delas muito a sério. Por que não ler a Bíblia
de forma a apoiar seu estilo de vida preferido? A leitura de todos os outros
também é apenas uma projeção de preconceitos. Tudo é relativo à identidade do
leitor. Alguns leem a Bíblia a partir da perspectiva marxista; outros, da
capitalista; alguns a leem com o viés heterossexual, outros a partir da
perspectiva homossexual; ainda outros a leem como calvinistas; outros, como arminianos.
Os pós-modernistas concedem permissão a todos eles para lerem a Escritura de acordo
com sua predição” (VANHOO-ZER, 2016, p. 26).
Nota-se que a Hermenêutica Pós-Moderna se propõe a condescender
com todas as visões existentes. Afinal de contas, de acordo com os conceitos filosóficos
deste período, não há quem possa julgar-se detentor da verdade, pois tudo é
relativo. Seguindo na esteira deste tempo, caracterizado pela complexidade e pela
ausência de objetividade, os pilares da interpretação bíblica a que se propõe
encontram-se estabelecidos sobre essas bases, ao que se conclui ser perigosa; e
não somente isso, mas também nociva à saúde da igreja.
Uma verdade inabalável
O objetivo deste artigo passa pela reflexão em torno da
existência e definição da Hermenêutica Pentecostal, o que será tratado no
próximo tópico. No entanto, impõe-se a necessidade de destacar que tanto a interpretação
bíblica como o entendimento dos pentecostais a respeito da Escritura passam por
bases que são inegociáveis, tais como: 1) sua autoridade divina; 2) sua
inspiração divina; e 3) sua inerrância.4
Aqui é preciso dar um enfoque especial no fato de que a
Hermenêutica Pentecostal se fundamenta principalmente no fato de que, conforme
as palavras de GEISLER (2019, p. 218), a Bíblia se autoproclama Palavra de
Deus, reivindicando para si a autoridade divina.5 Portanto, para
essa tradição protestante, a Bíblia é a inerrante e infalível Palavra de Deus,
conforme se lê na Declaração de Fé das Assembleias de Deus no Brasil: “Nossa
declaração de fé é esta: cremos, professamos e ensinamos que a Bíblia Sagrada é
a Palavra de Deus, única revelação escrita de Deus dada pelo Espírito Santo, escrita
para a humanidade e que o Senhor Jesus Cristo chamou as Escrituras Sagradas de a
“Palavra de Deus”, que os livros da Bíblia foram produzidos sob inspiração divina:
“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil” (2 Timóteo 3.16 - ARA).
Isso significa que toda a Escritura foi respirada ou soprada por Deus, o que a
distingue de qualquer outra literatura, manifestando, assim, o seu caráter sui generis”
(Declaração de Fé. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, p. 25).
Com esse importante destaque, é possível avançar no sentido
de tratar sobre a Hermenêutica Pentecostal em si, bem como sua complexa relação
com os métodos interpretativos, apresentados anteriormente.
A realidade
A esta altura, dois lados a respeito de um mesmo assunto
deverão ser destacados, sendo eles: 1) o “mundo” ideal e 2) o “mundo” real.
Esses dois lados serão analisados separadamente com vistas a clarear esse
importante assunto.
O ideal a alcançar – Por várias razões, o Pentecostalismo
é parte da herança conquistada pela Reforma Protestante, mui especialmente
porque assemelha-se em aspectos centrais da fé cristã, como a centralidade da
Bíblia como fonte de revelação divina e de Cristo como único intermediador
entre os homens e Deus. Desse modo, as igrejas de tradição pentecostal
naturalmente adotam – e são desafiadas a adotar pelos seus oponentes – o método
interpretativo da Escritura promovido pelos reformadores, ou seja, o “histórico-gramatical”.
Robert Menzies faz a seguinte declaração: “Os pentecostais são
evangélicos no sentido de que afirmamos a autoridade da Bíblia. Proclamamos que
a salvação é encontrada somente em Jesus (Atos 4.12) e enfatizamos a
importância de partilharmos o evangelho com os outros. Em muitos aspectos a maioria
dos pentecostais lê a Bíblia de forma semelhante aos nossos irmãos evangélicos.
Os pentecostais e os evangélicos ressaltam a importância da intenção do autor
bíblico e procuram entender a passagem à luz de seu contexto histórico e literário”
(MENZIES, 2020, p. 21).
Portanto, indistintamente, todo cristão pentecostal clássico
lê e interpreta a Bíblia – ou pelo menos deve lê-la e interpretá-la – levando em
conta os recursos oferecidos por este método interpretativo da Escritura. Diante
disso, os pentecostais clássicos concordam com o fato de que o método histórico-gramatical,
como escreveram RITSCHL e HAILER (2012, p. 210), opõe-se frontalmente ao “sentido
múltiplo da Escritura”, posicionando-se a favor do sentido único do texto
bíblico.6 Diante disso, duas grandes e importantes verdades devem ser
destacadas e consideradas: 1) o ideal estabelecido por uma interpretação
bíblica que seja fiel à interpretação do autor deve ser perseguido na tradição pentecostal
de forma constante; 2) na prática, trata-se de um grande desafio que deve ser
enfrentado com humildade, reverência, dedicação e dependência do Espírito
Santo. Nesse caso, os pentecostais devem conhecer o alvo a ser alcançado e
reconhecer que ainda há muito a ser feito para que este método de interpretação
bíblica seja conhecido, compreendido e usado por todos os crentes desta tradição
protestante indistintamente.
O real vivido – Se do ponto de vista da tradição pentecostal
o método interpretativo da Bíblia é o histórico-gramatical, na vida prática dos
pentecostais há uma forma bem peculiar por meio do qual o crente lê a
Escritura.
As igrejas de tradição pentecostal não negam a inerrância da
Palavra de Deus, assim como não duvidam de seu caráter espiritual, e nem
tampouco atribuem vários sentidos ao mesmo texto bíblico. Contudo, é preciso reconhecer
que há um modo prático e específico por meio do qual os crentes pentecostais leem
a Escritura. Conforme as palavras de Robert Menzies, “os pentecostais não hesitam
em relacionar o evangelho a toda a gama da necessidade humana, seja espiritual,
física, seja material” (ibid. 2017, p. 253). Na prática, isso quer dizer que, ao
ler a Bíblia, o crente pentecostal – por sua experiência pessoal com o Espírito
Santo – atribui ao texto um aspecto prático, levando em consideração a ação do Espírito
Santo no momento em que a leitura bíblica é feita, assim como o contexto a que
encontra-se submetido, aplicando o texto lido à realidade por ele vivida.
Deste modo, nem a necessidade de um critério sério pré-estabelecido
de interpretação bíblica pode ser rejeitado ou negligenciado (nesse caso, o
histórico--gramatical) nem a realidade prática de interpretação vivida pelos
pentecostais pode ser negada, e isso impõe a necessidade de uma profunda reflexão,
com vistas à clareza e à firmeza no caminho da interpretação do texto sagrado.
Acerca disso, o pastor e teólogo César Moisés Carvalho escreve
em seu livro Pentecostalismo e Pós-Modernidade, publicado pela Casa
Publicadora das Assembleias de Deus: “Portanto, que fique claro que a ideia
aqui, é de bom alvitre novamente enfatizar, nada tem a ver com rejeição das doutrinas
mestras da religião cristã, mas apenas encontrar uma abordagem para fundamentar
nossa experiência do Espírito em uma leitura da Bíblia que não se pretenda absoluta
e esgotável, como se os seus mistérios insondáveis pudessem ser exauridos com um
método hermenêutico racionalista ou qualquer outro, pois apesar de crermos que os
textos da Bíblia tenham apenas um sentido, os pentecostais não ousamos afirmar que
a nossa forma de lê-la seja autossuficiente e a única que pode estar certa”
(CARVALHO, 2017, p. 254).
O próximo tópico se encarregará em propor ações que
possivelmente servirão de meios pelos quais o tão necessário equilíbrio poderá
ser alcançado.
Possíveis soluções práticas
Depois de uma breve apresentação dos métodos histórico-gramatical,
histórico-crítico e pós-moderno, este artigo pôde reavaliar também como a
tradição pentecostal lida com este assunto, bem como a forma com que os crentes
pentecostais costumam ler a Bíblia e buscam compreender o sentido daquilo que leem.
A esta altura, é preciso apontar meios pelos quais nem a tradição e nem a experiência
pentecostal sejam desprezadas.
Com base no que Francis Schaeffer escreveu sobre este tempo (pós-modernidade),
no qual “o conceito de verdade está dividido”,7 destaca-se a urgente
necessidade de uma atenção especial ao perigo que cerca algumas práticas interpretativas
comuns a alguns pentecostais, principalmente se consideradas as características
da pós-modernidade e o perfil interpretativo da Bíblia adotado por alguns
exatamente à luz dessas características. Por exemplo, o crente pentecostal que lê
um texto sagrado à luz de sua própria experiência, sem considerar o real
sentido do texto, corre sério risco de incorrer no grave erro de tornar a
verdade bíblica relativa. Por isso, em primeiro lugar, é preciso que, no ato de
ler e interpretar a Bíblia, ele deixe de lado o relativismo, o desprezo e a descrença
na existência de verdades absolutas, caso contrário isso causará,
inevitavelmente, danos irreparáveis à sua fé, que resultarão em prejuízo à
saúde espiritual da igreja, coletivamente.
Por outro lado, se ao ler e interpretar a Escritura os crentes
pentecostais devem dobrar a atenção e ter cuidado especial quanto à influência
de fenômenos da pós-modernidade em nossa leitura do texto bíblico, também é impossível
fingir que esses fenômenos existem e que precisam ser enfrentados, e de certa
forma utilizados como oportunidades para que a Palavra de Deus seja compartilhada,
como é o caso da valorização que a pós-modernidade dá às experiências, ao
relacionamento comunitário e ao ceticismo em relação às utopias racionalistas modernas.
Ravi Zacharias perguntou “Como transmitirmos o evangelho a uma geração que ouve
com os olhos e pensa com os sentimentos?”; e em seguida, respondeu: “O pós-modernismo
talvez seja um dos padrões de pensamento mais oportunos já apresentados a nós para
a propagação do evangelho, uma vez que, em certo sentido, ele preparou o terreno.
Todas as disciplinas perderam sua ‘autoridade final’. As esperanças que a modernidade
ressaltou – o triunfo da ‘Razão’ e da ‘Ciência’, que muitos acreditaram que traria
a utopia – falharam em quase todos os aspectos. Mesmo com todos os nossos benefícios
materiais, ainda existe uma fome espiritual... Por mais que o pós-modernismo
tenha confundido a linguagem e as definições, há um anseio que a própria atitude
indiferente pós-modernista não diminui... há na mente pós-moderna uma busca tremenda
por comunidade... devemos estar atentos à intervenção soberana de Deus na história”
(CARSON, 2015, p. 29,30)
Indiscutivelmente, a pós-modernidade é uma grande
oportunidade para que cada cristão cumpra sua missão de compartilhar o amor de
Deus revelado em Cristo. Isso só será possível caso haja dedicação em identificar
as tendências desta geração, tais como a fome espiritual, demonstrada pelas
muitas e diversas buscas por sentido da existência, assim como o anseio pelo
relacionamento comunitário.8 A Bíblia tem respostas não somente a
estes dois anseios deste tempo, mas a todos os demais que os caracteriza.
Sendo assim, a Igreja de Cristo deve ser orientada sobre este
tema, advertida sobre os perigos que o envolvem e ensinada sobre a prática da
interpretação bíblica.
Uma resposta necessária
O princípio inabalável e inegociável deve ser sempre o que ANDRADE
(2008, p. 25) afirmou, ao escrever que “a comunidade de fé pentecostal, formada
principalmente pelas Assembleias de Deus, sempre acreditou ser a Bíblia a inspirada,
inerrante, infalível e completa Palavra de Deus”. Sendo assim, o critério a ser
usado para identificar se determinado método é saudável ou não à igreja é
analisar se o mesmo parte deste princípio imprescindível exposto anteriormente.9
Isso quer dizer que toda hermenêutica pentecostal, se não for fundamentada no princípio
da inerrância, da inspiração, da infalibilidade e da natureza divina da
Escritura, não é hermenêutica bíblica, mas deve ser descartada imediatamente.
Uma direção
Diante de tudo o que foi pontuado neste artigo, constitui-se
necessário apresentar direções pelas quais haja clareza em dois sentidos: 1) remediação
de erros; 2) prevenção de possíveis desvios. Fica evidente que a grande necessidade
da igreja no quesito interpretação do texto bíblico é o equilíbrio. Esse
equilíbrio só será possível mediante o envolvimento e a dedicação daqueles que
foram chamados para treinar a igreja a fim de que esta cumpra o seu verdadeiro
propósito. Em Efésios 4.11,12, o apóstolo Paulo apresenta o grupo responsável
pelo aperfeiçoamento dos crentes, conforme se lê: “E ele mesmo deu uns para apóstolos,
e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e
doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para
edificação do corpo de Cristo”.
Todos esses dons ministeriais listados por Paulo têm relação
direta com a exposição da Escritura, e os que os exercem são responsáveis pelo preparo
do crente nos mais variados aspectos da vida cristã, e naturalmente que todos
eles dependem de como se lê e entende a Bíblia Sagrada. Desse modo, parte do
trabalho dos que exercem esses dons devem ocupar-se com a conscientização, a orientação
e o treinamento dos crentes para uma correta interpretação da Bíblia. Este é,
sem dúvida, o primeiro passo na direção do objetivo de estabelecer o equilíbrio
entre o método histórico-gramatical – recomendado e usado oficialmente pelos
pentecostais – e a prática comum de interpretação bíblica feita pelos pentecostais
a partir da experiência pessoal e individual com o Espírito Santo, considerando
também tanto o contexto como a necessidade da pessoa enquanto lê a Bíblia.
De uma forma bem prática, o que se propõe aqui é que a liderança
cristã pentecostal empenhe-se em realizar encontros, conferências e utilizar-se
de suas próprias reuniões de estudos bíblicos como meios pelos quais os crentes
acessem e aprendam a respeito da Hermenêutica Bíblica, sobre os principais
métodos interpretativos da Bíblia, quais devem ser excluídos e quais devem ser utilizados,
sempre com os devidos cuidados, e isso – indubitavelmente – resolverá muitos
problemas e evitarão muitos outros. Por certo, isso produzirá bons frutos aos crentes
individualmente, assim como à igreja coletivamente.
Conclusão
Pelo que expomos aqui neste artigo, é possível notar a complexidade
e a importância do tema da Hermenêutica. A complexidade do assunto é ainda mais
acentuada em certos círculos pentecostais – especialmente no exterior – que têm
sido marcados por debates sobre a distância entre o método interpretativo esposado
por esta tradição protestante (nesse caso, o histórico-gramatical) e aquilo que
realmente se pratica na vida diária de certos crentes pentecostais que leem e interpretam
a Bíblia com base na experiência que têm com o Espírito Santo e a partir de
suas respectivas experiências.
Este debate acentua-se ainda mais à medida que soma-se à realidade
supracitada os perigos do método histórico-crítico, que conforme visto, nega
bases inegociáveis da fé cristã,10 bem como a hermenêutica
pós-moderna, que traz consigo “armadilhas” que podem produzir frutos danosos à fé
e à saúde espiritual da igreja. Sendo assim, sempre que houver a proposta de um
método de interpretação bíblica e nele não se respeitar os princípios da
inerrância, da infalibilidade e do caráter divino que inspirou a Escritura, o mesmo
deve ser descartado. Além disso, é preciso enfatizar também que a
pós-modernidade não pode ser tratada como o ponto de partida para a interpretação
bíblica. Entretanto, o intérprete bíblico, que deve buscar sempre a compreensão
do texto sagrado em seu real sentido, deve buscar igualmente uma aplicação relevante
às pessoas que vivem neste tempo; ou seja, a pós-modernidade não deve ditar a
interpretação da Bíblia, mas os que aplicam o verdadeiro sentido da Palavra de
Deus devem fazê-lo de maneira a tocar o coração de seus ouvintes neste tempo.
Que o Deus da Bíblia auxilie sua igreja nesta importante e
desafiadora tarefa.
Referências bibliográficas
1 Em linhas gerais, Hermenêutica é a arte de interpretar a Bíblia
Sagrada. Nesse caso, ao usar o termo Hermenêutica Pentecostal, este artigo
refere-se à forma com que os crentes de tradição pentecostal – especialmente os
das Assembleias de Deus – leem e interpretam a Escritura.
2 Jacó Armínio afirmou: “Na interpretação dos significados
das palavras, deve haver um esforço diligente, tanto para fazer com que o
sentido esteja de acordo com a regra ou ‘a forma das palavras genuínas’ como
para adequá-lo ao escopo ou à intenção do autor nessa passagem. Com esse
objetivo, além de um conceito claro das palavras, é útil uma comparação com
outras passagens das Escrituras, se similares, como também uma diligente
investigação a respeito do seu contexto. Nesse esforço, a ocasião {das
palavras} e o seu fim, a conexão das coisas precedentes e posteriores, e as
circunstâncias de pessoas, épocas e lugares serão observadas” (ARMÍNIO, 2015,
p. 26)
3 J. Barton Payne expõe: “A alta crítica é a arte de encarar
a literatura pelo que ela é, avaliando-a igualmente por esse mesmo prisma. Tal
crítica torna-se negativa e é geralmente descrita como ‘método
histórico-crítico’ no momento em que se julga no direito de avaliar de modo
racional aquilo que diz a Escritura sobre sua composição e historicidade. Esse
método pressupõe necessariamente que as declarações que a Bíblia faz sobre si
mesma não são inerrantes. Por isso, desqualifica a si mesma como crítica científica
verdadeira, uma vez que rejeita ver o objeto analisado de acordo com o caráter
(divino) que lhe é próprio. Seguem-se então exemplos de crítica válida e
inválida juntamente com uma avaliação das tentativas atuais de críticos
negativos que procuram introduzir no meio evangélico ideias que subordinam a
autoridade de Cristo e da Escritura ao julgamento humano” (GEISLER, 2003, p.
105).
4 Para uma compreensão sobre cada um destes aspectos
fundamentais do entendimento pentecostal sobre a Escritura e de sua natureza,
leia o que consta na Teologia Sistemática de Stanley M. Horton (HORTON, Stanley
M. Teologia Sistemática, Uma Perspectiva Pentecostal. Rio de Janeiro:
CPAD, 2019, p. 65-123.
5 Norman Geisler expõe que a Bíblia declara-se a Palavra de
Deus, citando diferentes passagens bíblicas para fundamentar seu argumento,
tais como: Mateus 15.6; Romanos 3.2; 1 Pedro 1.23; 4.12; Mateus 5.17,18; João
10.35; 2 Timóteo 3.16,17 (GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. Rio de
Janeiro: CPAD, 2019, p. 218).
6 RITSCHL, Dietrich & HAILER, Martin. Fundamentos da
Teologia Cristã. São Leopoldo: Sinodal, 2012, p. 210.
7 Em seu excelente livro Verdade Absoluta, publicado
pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus, a escritora norte-americana
Nancy Pearcey comentou o que Shaeffer escreveu: “... o conceito de verdade está
dividido – processo que ele ilustra com a imagem de um edifício de dois
pavimentos. No pavimento de baixo estão a ciência e a razão, consideradas a
verdade pública, atinentes a todo o mundo. Em contrapartida, há o pavimento de
cima, da experiência não-cognitiva, que é o lócus do significado pessoal. Este é
o reino da verdade particular, onde ouvimos as pessoas dizerem: ‘Isso é verdade
para você, mas não é para mim’.” (PEARCEY, 2017, p. 23).
8 João Batista Libanio afirma: “Entra nesse exercício outro
aspecto muito valorizado pela Pós-Modernidade. Se, de um lado, ela exacerba o
individualismo, doutro, tem-se mostrado desejosa e sequiosa de encontros
comunitários.” (TRANSFETTI e GONÇALVES, 2003, p. 167).
9 Gordon D. Fee e Douglas Stuart declaram: “Um texto não
pode significar o que nunca significou. Ou, pensando em tal fato de um lado
positivo, o significado verdadeiro do texto bíblico para nós é o que Deus
originalmente pretendeu que significasse quando o texto foi falado/escrito pela
primeira vez”. (FEE, 2017, p. 39). FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes
o que Lês?. São Paulo, Vida Nova, 2017. p. 39.
10 Nota do Editor: Não obstante os inegáveis problemas do
método histórico-crítico, os quais foram sintética e corretamente apontados
pelo articulista, é importante frisar que, dentro da chamada “Baixa Crítica”,
no que tange à área de crítica redacional, há certas ferramentas (não todas,
mas algumas) que se mostram proveitosas à hermenêutica bíblica séria (isto é,
que respeita o texto sagrado como a infalível, inerrante e divina Palavra de
Deus), sendo adotadas por vários teólogos conservadores, tais como os pentecostais
Stanley Horton, William Menzies, Anthony D. Palma, Donald Johns, Robert Menzies
e Roger Stronstad, e os não-pentecostais I. Howard Marshall, Ralph P. Martin,
Robert H. Gundry, D. A. Carson e Grant Osborne, dentre outros.
BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, Claudionor de. Teologia Sistemática Pentecostal.
Rio de Janeiro: CPAD, 2008, p. 45.
ARMÍNIO, Jacó. As Obras de Armínio – Volume 2. Rio de
Janeiro: CPAD, 2015, p. 26.
GEISLER, Norman. A Inerrância da Bíblia. São Paulo:
Editora Vida, 2003, p. 105.
VANHOOZER, Kevin J. Teologia Primeira: Deus, Escritura e
Hermenêutica. São Paulo: Shedd Publicações, 2016, p. 26
HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática: Uma Perspectiva
Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2019, p. 65-123.
GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. Rio de
Janeiro: CPAD, 2019, p. 218.
RITSCHL, Dietrich & HAILER, Martin. Fundamentos da
Teologia Cristã. São Leopoldo: Sinodal, 2012, p. 210.
CARVALHO, César Moisés. Pentecostalismo e Pós-Modernidade.
Rio de Janeiro: CPAD, 2017, p. 254.
PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta. Rio de Janeiro:
CPAD, 2017, p. 23.
TRANSFETTI, José & GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes. Teologia
na Pós-Modernidade. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 167.
FEE, Gordon
D. & STUART, Douglas. Entendes o que Lês? São Paulo:
Vida Nova, 2017. p. 39.
por Elias Torralbo
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