Os dons ministeriais

Os dons ministeriais


Os dons ministeriais habilitam o crente a servir em ministérios específicos

Disse o apóstolo Paulo aos irmãos de Corinto: “Irmãos, não quero que vocês estejam desinformados a respeito dos dons espirituais” (1 Coríntios12.1, NAA). Ou: “Agora, irmãos, quanto à sua pergunta sobre os dons espirituais, não quero que continuem confusos” (NVT). Ou: “Irmãos, quanto aos dons espirituais, não quero que vocês sejam ignorantes” (NVI). Ora, a “ignorância” combatida pelo apóstolo acerca dos “dons espirituais” na igreja de Cristo se acentua terrivelmente quando muitos obreiros não sabe distinguir os chamados “dons ministeriais” dos “dons espirituais”, sendo estabelecida verdadeira confusão que causa graves prejuízos espirituais à edificação do Corpo de Cristo, Sua Igreja.

Etimologicamente falando, no contexto bíblico, “dom” ministerial ou espiritual é um “presente oferecido”, uma “dádiva”, uma “graça que se recebe”. No caso da igreja, o apóstolo revela que “quando ele [Cristo] subiu às alturas [...] concedeu dons aos homens” (Efésios 4.8), deixando subentendida a razão da concessão dos dons espirituais e ministeriais aos humanos que fazem a obra do Reino de Deus: sem a capacitação do Espírito de Deus, é impossível a realização de Sua obra na Terra. Afinal, “ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’, a não ser pelo Espírito Santo” (1 Coríntios 12.3, NVI). Essa verdade é amparada, por exemplo, pelo que é dito acerca da construção do Tabernáculo, cujo modelo Deus deu a Moisés com a seguinte recomendação: “Diga a todos os homens capazes, aos quais dei habilidade, que façam vestes para a consagração de Arão, para que me sirva como sacerdote” (Êxodo 28.3, NVI). “Eu escolhi a Bezalel, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o enchi do Espírito de Deus, dando-lhes destreza, habilidade e plena capacidade artística para desenhar e executar trabalhos em ouro, prata e bronze...” (Êxodo 31.2-4, NVI). Outro exemplo: na organização do louvor no culto a Deus promovido por Davi, os cantores e instrumentistas tinham que ter capacidade técnica para utilizar os instrumentos e vozes conjuntamente com a profecia (“...para o ministério de profetizar ao som de harpas, liras e címbalos. [...] que, por sua vez, profetizavam sob a supervisão do rei. [...] que profetizava ao som da harpa para agradecer e louvar ao Senhor” (1 Crônicas 25.1-3, NVI). Portanto, em síntese, em razão da impossibilidade espiritual dos humanos realizarem a obra de Deus sem a capacitação divina, Ele lhes dá Seus “dons” espirituais e ministeriais, que são instrumentos para edificação e solidificação da Igreja.

O ministro e os dons ministeriais

De início, convém rememorar o significado de “ministro” no contexto bíblico. Segundo os estudiosos, na língua original das escrituras gregas cristãs, a palavra “ministro” era diákonos. Embora haja diversas ideias sobre a origem desta palavra, o significado é bem conhecido. Basicamente, significa “servo”. Nos Evangelhos, diákonos e palavras relacionadas muitas vezes são usadas com referência aos que serviam os recostados para uma refeição. Com tal visão, todas as vezes que nos avaliamos como ministros do evangelho, devemos estar convencidos de que somos apenas servos daqueles que Deus colocou sob nossos cuidados espirituais (1 Pedro 4.10,11).

O próprio Cristo ensinou a todos que fazem a obra de Deus a se distanciar do pensamento de grandeza e de excelência: “Mas vocês não serão chamados ‘mestre’, porque um só é Mestre de vocês, e todos vocês são irmãos” (Mateus 23.8, NAA). E acrescentou: “Tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mateus 20.28, NAA). Portanto, ser ministro do evangelho é ser servo. Nessa perspectiva, o apóstolo Paulo disse aos irmãos de Corinto, comparando suas atividades apostólicas com as de outros apóstolos, que era mais ministro servo) de Cristo que eles. Veja em 2 Coríntios 11.23-30 que situações ele apontou como sendo aquelas nas quais ele se destacava mais.

Estabeleceu o Senhor por Sua infinita sabedoria que Seu Reino estabelecido entre os seres humanos fosse operacionalizado por estes seres frágeis, cheios de defeitos e sujeitos às tentações e quedas como a ocorrida no Éden. Interessante é o salmista afirmar: “Pois ele conhece a nossa estrutura e sabe que somos pó” (Salmos 103.14, NAA). Por sua onipotência, Deus poderia ter entregado essas tarefas a seres celestiais, dotados de características absolutamente diferentes dos humanos, algumas das quais os tornam superiores. Porém, o Senhor entregou-nos as Suas santas tarefas, as quais não podem ser executadas apenas pelo nosso querer e vontade, pois precisamos ser por Ele capacitados (1 Coríntios 15.10).

Assim sendo, ser “ministro de Cristo” não resulta de escolha pessoal de qualquer interessado em fazer a obra de Deus nem mesmo por qualquer dos salvos por Jesus, pois é Deus quem escolhe, vocaciona e capacita através de Seus dons ministeriais, resultantes da onisciência divina. Não é o escolhido que se escolhe e se capacita para o exercício do ministério. Foi o que o Senhor disse a respeito de Paulo (Atos 9.15,16).

A sobrenaturalidade da vocação ou a chamada do humano para a obra divina é algo que vem do coração de Deus, sem qualquer participação do vocacionado, independente da sua opinião ou escolha como, por exemplo, nos casos de Jeremias e Paulo. Em Jeremias 1.5 e Gálatas 1.15,16, descobrimos que a vocação ministerial obedece a dois momentos espirituais distintos: 1) o momento da escolha (“Antes de formá-lo no ventre materno... antes de você nascer”; e 2) o momento da revelação (“quando Deus... achou por bem revelar seu Filho em mim”). O maravilhoso, porém, foi o apóstolo dizer que sua escolha e sua capacitação para o exercício do ministério apostólico decorriam unicamente “pela sua graça”. Ou seja, eu não me escolhi, não me capacitei, não me disponibilizei, porém foi a insondável graça de Deus que realizou tudo isso na minha vida; e ele acrescenta que a ação da graça divina em seu ministério fez-lhe superar em trabalho outros obreiros (1 Coríntios 15.9,10). Como afirma Paulo, “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Romanos 5.20). Pela graça de Deus somos salvos (Efésios 2.8) e pela graça de Deus fazemos a Sua obra, tendo a graça como parâmetro espiritual (“Mas pela graça de Deus sou o que sou” (1 Coríntios 15.10) e de suficiência espiritual (“A minha graça te basta”(2 Coríntios 12.9).

Segundo os estudiosos, outra palavra grega para ministros ou servos é υπερετης (huperetes), que significa “auxiliar, alguém que presta serviços a outra pessoa; ministro, ajudante, assistente, súdito, servo ou remador inferior, de terceira categoria”. Em 1 Coríntios 9.19-23, Paulo se expressou acerca do seu ministério conforme o significado aqui transcrito dessa palavra. Ele disse também que “assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus” (1 Coríntios 4.1, ARA); ou: “Portanto, devemos ser considerados simples servos de Cristo, encarregados de explicar os mistérios de Deus” (NVT). Aqui está a essência da necessidade dos ministros de Cristo terem que abundar nos dons ministeriais, pois as ovelhas por eles assistidas esperam com muita razão que o despenseiro tire da sua despensa os “mistérios de Deus”.

Distinção bíblica entre dons ministeriais e espirituais

Todos os salvos têm a responsabilidade de anunciar as novas do evangelho, cumprindo a Grande Comissão dada por Jesus ao se despedir dos Seus discípulos quando ascendeu aos céus (Marcos 16.15; 1Pe 2.9). Todavia, o próprio Cristo escolheu, dentre Seus discípulos, apenas doze para apóstolos. Os doze tinham que desempenhar tarefas específicas as quais exigiram capacitação e qualificações também específicas (Mateus 10.1).

Na visão do apóstolo Paulo, a Igreja é um corpo composto de muitos membros, os quais precisam interagir entre si para que haja harmonia e integração para a saúde corporal (1 Coríntios 12.2). Dentro dessa visão, todos possuem funções específicas, o que exige obrigatoriamente capacitação individual para o desempenho eficaz de suas atividades no corpo (1 Coríntios 12.15-21). Assim sendo, é bastante nítida a distinção entre os dons ministeriais e os espirituais, pois estes não são concedidos pelo Espírito acompanhados de ministérios. Por exemplo: o apóstolo Paulo diz que “pelo Espírito, a um é dada [...] a outro, profecia” (1 Coríntios 12.8,10, NVI), acrescentando, porém, que “ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres” (Efésios 4.11, NVI). Nestes textos, resta clara a visão da ação do Espírito na igreja ao usar alguém para transmitir uma palavra profética ocasionalmente (dom espiritual) enquanto outros são designados para o ministério de profeta, como aconteceu na igreja em Antioquia (Atos 13.1). Ou seja, tanto o profeta quanto o mestre, por exemplo, são ministérios individuais concedidos por Cristo à igreja “com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” (Efésios 4.12,13, NVI).

Entretanto, a ignorância de muitos em relação aos dons ministeriais e espirituais estabelece o pensamento de que só é profecia se a palavra pronunciada for preditiva, reveladora de algum evento futuro e desconhecido. Nesse caso, a manifestação é sempre do dom espiritual de profecia. Contudo, a palavra profética proferida através do ministério de profeta, que tem a utilidade de edificar, consolar e exortar a igreja (1 Coríntios 14.3), tem uma distinção bastante clara. Vejamos: “A notícia a respeito deles chegou aos ouvidos da igreja que estava em Jerusalém; e enviaram Barnabé até Antioquia. Quando ele chegou e viu à graça de Deus, ficou muito alegre. E exortava todos a que, com firmeza de coração, permanecessem no Senhor” (Atos 11.22,23, NAA); e “naqueles dias, alguns profetas foram de Jerusalém para Antioquia. E, apresentando-se um deles, chamado Ágabo, dava a entender, pelo Espírito, que haveria uma grande fome em todo o mundo. Essa fome veio nos dias do imperador Cláudio” (vv. 27,28). Ou seja, Barnabé, pelo ministério de profeta, “exortava todos a que, com firmeza de coração, permanecessem no Senhor”, enquanto irmão Ágabo “dava a entender, pelo Espírito, que haveria uma grande fome em todo o mundo”. Essa edificação, exortação e consolação provêm da Palavra de Deus, que é a fonte autêntica da profecia (Atos 15.32; 1 Coríntios 14.37).

Por outro lado, o dom espiritual de profecia na igreja, por não utilizar a Palavra eterna de Deus como base, está sujeito a sofrer influência humana na predição proferida, pelo que está sujeito à aferição espiritual pelos que ouvem a mensagem profética, o que o torna vulnerável e obriga os ouvintes a serem cautelosos quanto à mensagem ouvida por não ser rara a confusão: “Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem” (1 Coríntios 14.29, NAA). Veja também 1 João 4.1. A advertência do Senhor pelo profeta Ezequiel é atualíssima: “Filho do homem, profetize contra os profetas de Israel. A esses que profetizam o que lhes vem do coração, diga que ouçam a palavra do Senhor. Assim diz o Senhor Deus: ‘Ai dos profetas insensatos, que seguem o seu próprio espírito sem nada terem visto!’” (Ezequiel 13.2,3, NAA).

Paulo deu testemunho de que seu discípulo Timóteo era “ministro de Deus no evangelho de Cristo, para fortalecer e animá-los na fé” (1 Tessalonicenses 3.2, NAA). Ou seja, ele possuía dons ministeriais específicos pelos quais a igreja era fortalecida e animada na fé, como ocorreu com Barnabé em Antioquia, que “exortava todos a que, com firmeza de coração, permanecessem no Senhor”. Como está fazendo falta à igreja atual ministros com tal dom ministerial!

Os dons ministeriais

Os dons ministeriais são também denominados “dons de serviço” e “dons de liderança” (“para o desempenho do seu serviço” (Efésios 4.12, NAA)), os quais obrigatoriamente trazem consigo um ministério a ser exercido na e em favor da igreja pelo escolhido e dado a ela pelo Senhor. Paulo indica que eles resultam da obra redentora de Cristo, incluindo Sua humilhação e exaltação acima de todas as coisas criadas (Efésios 4.10). A lista clássica dos dons ministeriais é a registrada por Paulo em Efésios, na qual menciona apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres (Efésios 4.11), complementada pelo contido na sua Carta aos Romanos, na qual diz que “temos diferentes dons, de acordo com a graça que nos foi dada. Se alguém tem o dom de profetizar, use-o na proporção da sua fé. Se o seu dom é servir, sirva; se é ensinar, ensine; se é dar ânimo, que assim faça; se é contribuir, que contribua generosamente; se é exercer liderança, que a exerça com zelo; se é mostrar misericórdia, que o faça com alegria” (Romanos12.6-8. NAA).

Há uma grande informação do apóstolo quanto aos dons ministeriais, quando diz que Cristo “concedeu uns para...”. Ou seja, ele se refere diretamente às pessoas escolhidas e não aos dons ou à capacidade outorgados a cada uma delas. Tal entendimento é apoiado em suas outras manifestações acerca do tema (Colossenses 4.17; 1 Timóteo 4.14; 2 Timóteo 1.6). Então, Cristo dá a Seu escolhido o dom ministerial e o dá como Sua dádiva à Igreja.

Com tal consciência, o ministro tem que honrar a vocação celestial a si outorgada e tudo fazer para que o exercício de seu ministério na igreja resulte em glorificação a Cristo, nunca servindo de exaltação a si mesmo (Romanos 11.13). O ministro precisa ter profunda consciência quanto ao ministério que recebeu de Cristo, o qual, se exercido com glória, esta será toda do titular do ministério, Cristo. Não é sem razão que Paulo sempre demonstrou saber suas vocações ministeriais (2 Timóteo 1.11,12).

Paulo não fala em “apostolado, profecia, evangelismo, pastorado e ensino”, mas fala em “apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres”. E antes disso, ele escreveu que Cristo “concedeu dons aos homens” (Efésios 4.8). Aqui vale lembrar que a palavra dom significa “dádiva” ou “doação”. Logo, o ensino paulino deixa bem claro que os ministros portadores dos dons, eles próprios, as suas pessoas físicas, são e devem sempre ser dádivas de Cristo à Sua Igreja. Tendo sido Cristo exaltado após ressurreto, dá pessoas especialmente chamadas e vocacionadas para os ministérios de apóstolo, pastor, profeta, evangelista e mestre, com um santo propósito na concessão desses ministérios (Efésios 4.12,13). Portanto, os dons ministeriais não são dados para atender a desejos e anelos ou ao próprio interesse pessoal de quem os recebe, mas são dados por Cristo no interesse da Igreja, para edificação do Corpo de Cristo.

Os demais membros da igreja que não foram escolhidos para funções ministeriais não deixam de contribuir para o crescimento e edificação do Corpo de Cristo, pois o Espírito Santo também os qualifica pelos dons espirituais (1 Coríntios 12.4-7). Para melhor compreensão, o apóstolo usa a figura do corpo, o qual não é formado apenas por um membro, mas por vários, com todos interagindo harmoniosamente (1 Coríntios 12.8). Para solucionar um problema na Igreja Primitiva, tal entendimento foi posto em prática antes mesmo do ensino paulino (Atos 6.2-4).

É importante ressaltar que, no mesmo ensino sobre os dons espirituais em 1 Coríntios, o apóstolo Paulo, ao tratar sobre a distinção entre dons ministeriais e espirituais, indica a existência de uma certa graduação entre eles que, se corretamente observada, elimina qualquer risco de disputa pessoal no exercício, pois o princípio é bastante claro: “Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas essas coisas, distribuindo-as a cada um, individualmente, conforme ele quer” (1 Coríntios 12.11, NAA). Disse o apóstolo: “A uns Deus estabeleceu na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois, os que têm dons de curar, ou de ajudar, ou de administrar, ou de falar em variedade de línguas. Será que são todos apóstolos? Será que são todos profetas? Será que são todos mestres? São todos operadores de milagres? Todos têm dons de curar? Todos falam em línguas? Todos têm o dom de interpretar essas línguas?” (1 Coríntios 12.28-30, NAA).

“Ele mesmo deu uns para...”

Em Efésios, Paulo aponta a existência de cinco ministérios, embora alguns estudiosos falem de quatro, por entender que pastores e mestres constituem um único. Veremos os cinco, por ser mais seguro.

1) Apóstolo – A palavra “apóstolo” significa “aquele que é enviado”, “mensageiro”, “embaixador” ou “missionário”. Na Bíblia, essa palavra é aplicada a Jesus, como enviado do Pai; aos doze discípulos, como enviados pelo Filho, que eram consideradas como “apóstolos de Jesus”; a Paulo, Barnabé e a outros, como enviados pelo Espírito Santo, através da igreja, os quais eram tidos como representantes de igrejas locais e designados como “apóstolos da Igreja”. Embora seja um termo eminentemente neotestamentário, no Antigo Testamento encontramos alguns paralelos, através dos profetas usados por Deus para missões equivalentes, como, por exemplo, o que foi enviado por Deus para profetizar ao rei Jeroboão (1 Reis 13.1,2).

a) Jesus como “apóstolo” enviado pelo Pai – Falando de si mesmo, assim se manifestou Jesus: “Então como vocês dizem que aquele que o Pai santificou e enviou ao mundo está blasfemando, só porque declarei que sou Filho de Deus?” (João 10.36, NAA). Hebreus qualifica Cristo como “apóstolo e sumo sacerdote da nossa confissão” (Hebreus 3.1; c/c João 8.29). Como “apóstolo” do Pai, Jesus tornou-se padrão para os demais, ao “aniquilar-se” ao ponto de se submeter irrestritamente à vontade dAquele que O enviou, tendo como única meta não apenas cumprir, mas fazer, o que envolve a renúncia de direitos pessoais inalienáveis e personalíssimos, como, por exemplo, não comer embora estivesse faminto (João 4.31-34). Ele afirmou: “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (João 6.38, NAA).

Portanto, a submissão de Jesus à vontade do Pai não era simples empenho para desincumbir-se de uma tarefa que lhe fora imposta, mas o interesse supremo e o desejo ardente de promover a glória dAquele que O comissionou e vocacionou (João 7.18). Aos que duvidavam da autoridade de Seu apostolado divino, disse Ele: “Mas eu tenho maior testemunho que o de João; porque as obras que o Pai me confiou para que eu as realizasse, essas que eu faço testemunham a meu respeito de que o Pai me enviou. O Pai, que me enviou, esse mesmo é que tem dado testemunho de mim” (João 5.36,37, NAA).

b) Os doze escolhidos e enviados por Jesus – Com a consciência de que o apostolado que recebeu teria começo, meio e fim, logo no início Jesus escolheu, dentre os Seus discípulos, doze homens, a quem instruiu, treinou e preparou para continuarem a implantação da Sua Igreja na Terra e a consolidarem, cumprindo a meta estabelecida pelo Pai. “E Jesus lhes disse outra vez: Que a paz esteja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês” (João 20.21, NAA). Ele havia concluído com sucesso as exclusivas tarefas do Seu apostolado terreno, as quais não poderiam ser executadas por alguém que não fosse Ele. Todavia, anunciar Sua morte e ressurreição e os resultados espirituais delas decorrentes, a serem usufruídos pelos que viessem a crer na Sua Palavra, seria tarefa daqueles por Ele escolhidos pelo padrão estabelecido pelo Pai: “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês”.

Os critérios de seleção de Seus apóstolos seguiram os mesmos que o Pai empregou ao escolhê-lO, como registra Marcos: “Depois, Jesus subiu ao monte e chamou os que ele quis, e vieram para junto dele. Então designou doze, aos quais chamou de apóstolos, para estarem com ele e para os enviar a pregar e a exercer a autoridade de expulsar demônios” (Marcos 3.13-15). Nas expressões (1) “chamou os que ele quis” e (2) “vieram para junto dele (...) para estarem com ele” estão todos os requisitos indispensáveis para alguém ser chamado apóstolo de Jesus. Quanto ao primeiro, veja como Paulo se identificava: “Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus” (Romanos 1.1, NAA); “chamado pela vontade de Deus para ser apóstolo de Cristo Jesus.” (1 Coríntios 1.1, NAA); “apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus” (2 Coríntios 1.1, NAA); “apóstolo, não da parte de pessoas, nem por meio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos” (Gálatas 1.1, NAA). Em relação ao segundo requisito, a convivência com Cristo na fase de treinamento serviu de reconhecimento da escolha deles ao apostolado (Atos 4.13).

Na lista de dons ministeriais, a maioria dos intérpretes acredita que Paulo aplica a palavra “apóstolos” em seu sentido mais estrito. Isso quer dizer que ele parece ter em mente os apóstolos que foram os equivalentes neotestamentário dos profetas; ou seja, os apóstolos de Jesus que serviram como agentes da revelação de Deus e produziram a Escritura do Novo Testamento. A Bíblia diz que esses apóstolos foram escolhidos por Jesus para lançarem os fundamentos da Igreja: “...edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular” (Efésios 2.20, NAA). Isso explica por que os apóstolos são mencionados em primeiro lugar na lista dos dons ministeriais. Sem dúvida, ocuparam um ministério fundamental e singular.

c) Apóstolos enviados pelo Espírito através da igreja – A cidade dos primeiros missionários era Antioquia da Síria (Atos 13.1). O evangelho chegou a ela como resultado da perseguição desencadeada contra a Igreja em Jerusalém após a morte de Estevão (Atos 11.19-21). Quando o colegiado apostólico em Jerusalém tomou conhecimento do alvissareiro acontecimento, enviou Barnabé a Antioquia (Atos 11.22). Incontinenti, “Barnabé foi a Tarso procurar Saulo. Quando o encontrou, levou-o para Antioquia. Ali permaneceram com a igreja um ano inteiro, ensinando a muitas pessoas. Foi em Antioquia que os discípulos foram chamados de cristãos pela primeira vez. Durante esse tempo, alguns profetas viajaram de Jerusalém a Antioquia” (Atos 11.25-27, NVT).

O Espírito Santo mudou o centro espiritual do mundo, de Jerusalém para Antioquia da Síria, pois a obra que Ele estava por fazer não poderia ser impedida por questões particulares e humanas que ainda questionavam salvação versus circuncisão versus graça de Deus. É quando, em uma reunião de oração naquela igreja, aconteceu o imprevisível: “Certo dia, enquanto adoravam o Senhor e jejuavam, o Espírito Santo disse: Separem Barnabé e Saulo para realizarem o trabalho para o qual os chamei” (Atos 13.2, NVT). Sem consultar nem pedir autorização à igreja-mãe em Jerusalém, “depois de mais jejuns e orações, impuseram as mãos sobre eles e os enviaram em sua missão. Enviados pelo Espírito Santo, eles desceram ao porto de Selêucia, de onde navegaram para a ilha de Chipre” (Atos 13.3,4. NVT). A partir de então, passou a existir o grupo dos apóstolos “enviados pelo Espírito Santo”, através da igreja, com Barnabé e Saulo sendo conhecidos como “apóstolos” (Atos 14.3,4,13).

Havia também outros servos de Deus que foram tidos como apóstolos, embora não tivessem ligação com o colegiado formado pelos doze originais, como, por exemplo, Adrônico e Júnia (Romanos 16.7), e “Tiago, irmão do Senhor” (Gálatas 1.19). O credenciamento para o apostolado dos aqui mencionados se dava pelas obras realizadas por eles, as quais se assemelhavam às realizadas por Jesus como apóstolo. O próprio Paulo, que está incluído no grupo dos “enviados pelo Espírito Santo”, falou que as manifestações e operações do Espírito no seu ministério credenciavam seu apostolado (2 Coríntios 12.12).

2) Profetas – A Igreja Primitiva reconhecia a existência do ministério de profeta, distinto do dom de profecia, como vemos em Atos 11.27 e 13.1. O Espírito também usava-os pelo dom de profecia (Atos 11.28; At 21.11). Conforme já exposto, o dom ministerial de profeta tem como escopo a realização de um trabalho sistemático, em conjunto com a operação dos demais dons ministeriais, que produz a consolidação e edificação da igreja (Efésios 4.12), enquanto que, pelo dom de profecia, o Espírito costuma predizer, revelar ou mostrar algo ainda por acontecer e desconhecido dos destinatários do anúncio profético. Atos 11.28 e 21.11 confirmam o aqui afirmado. No segundo exemplo (Atos 21.11), que registra o mensageiro prevendo a prisão de Paulo caso insistisse em viajar a Jerusalém na ocasião, é dito que o evangelista Filipe “tinha quatro filhas solteiras que profetizavam” (Atos 21.9. NVT), o que não impediu que o Espírito usasse Ágabo.

O ministério de profeta no Antigo Testamento tinha peculiaridades que o fazem semelhante ao do Novo Testamento, como acontecia quando o profeta Jeremias ditava a mensagem e Baruque a redigia (Jeremias 45), ou quando fazia grandes deslocamentos para entregar mensagens de Deus até outros povos, reis e autoridades, convocando ao arrependimento e à conversão a Deus. Também temos profetas consolando, fortalecendo e aconselhando a igreja, como Judas e Silas (Atos 15.32).

3) Evangelistas – Etimologicamente falando, “evangelizador” é aquele que evangeliza, que difunde ou ensina o evangelho. É uma atividade a ser desempenhada por todos os salvos, cumprindo a determinação geral de Jesus Cristo (Marcos 16.15). Não obstante, o apóstolo Paulo informa que, dentre todos os evangelizadores, o Senhor escolhe alguns para lhes outorgar o ministério de “evangelista”, com o qual contribuem para o Corpo de Cristo (Efésios 4.12). O vocábulo “evangelista” é encontrado na Bíblia apenas em três situações específicas e distintas: Atos 21.8, em referência a Filipe; Efésios 4.11, na lista dos dons ministeriais; e 2 Timóteo 4.5, em referência a Timóteo. A curiosidade quanto esse ministério é que o evangelista Filipe fora escolhido pela igreja em Jerusalém para diácono (Atos 6.5), porém, tendo sido disperso e chegado em Samaria, foi revelada sua verdadeira vocação ministerial, que era de evangelista (Atos 8.5), confirmada pela ação do Espírito na vida dele (Atos 8.26,27).

A força motriz e impulsionadora do ministério do evangelista é uma ardente paixão pelas almas e um desejo profundo de ganhá-las para Cristo, como, aliás, testemunhou o próprio Paulo acerca de sua visão de “evangelista” ou “pregador” (1 Coríntios 1.17; 9.16). Portanto, o ministério de “evangelista” é uma verdadeira dádiva divina à Igreja, pois através dele o Reino de Deus se expande, almas são alcançadas e os céus povoados, sendo Jesus Cristo o modelo e padrão a ser observado por todos os que detém consigo a vocação ministerial de evangelista, sendo Paulo também um exemplo a ser imitado.

A Bíblia diz que, em um dia de sábado, como de costume, Jesus foi à sinagoga para o culto semanal. Lá estando, “levantou-se para ler. Então lhe deram o livro do profeta Isaías. E, abrindo o livro, achou o lugar onde está escrito” (Lucas 4.16,17, NAA). O texto por Ele lido era uma mensagem proferida pelo profeta Isaías, a qual, segundo Sua interpretação, falava exatamente acerca de Seu ministério de evangelista que estava sendo iniciado naquele momento. Então, absolutamente consciente, proclamou: “Hoje se cumpriu a Escritura que vocês acabam de ouvir” (Lucas 4.21, NAA). De igual forma, Paulo sempre manifestou certeza de que havia sido escolhido para o labor de pregar o evangelho, independente de reconhecimento humano, remuneração ou recompensas financeiras, ao ponto de considerar uma glória ministerial não receber da igreja de Corinto qualquer valor para sua manutenção (1 Coríntios 9.18), o que lhe serviu de testemunho aos obreiros de Éfeso, quando deles se despediu (Atos 20.33).

Para os evangelistas Cristo e Paulo, o valor de uma alma é único. Aliás, o Senhor determinou a Moisés que o valor recolhido de cada pessoa para o Tabernáculo fosse um só, independente das condições financeiras dos cultuantes (Êxodo 30.13-15). Na parábola da ovelha perdida, Jesus demonstra o valor único de uma alma (Lucas 15.4,5), e O encontramos tanto saciando a fome de mais de 5 mil homens quanto pregando a uma única mulher samaritana, ou ainda parando a caminhada da multidão que lhe seguia para dialogar pessoalmente com Zaqueu. Paulo, no exercício do ministério de evangelista que possuía (1 Timóteo 1.11; 1 Coríntios 1.17), pregava à multidão (Atos 14.11) ou a uma única alma (Atos 13.7).

A coragem é uma marca distintiva do ministério do evangelista. O apóstolo Paulo concita com o evangelista Timóteo para ele “avivar a chama do dom que Deus lhe deu quando impus minhas mãos sobre você” (2 Timóteo 1.6, NVT). É imaginável que o jovem estivesse sofrendo amargamente com a notícia da prisão de seu mentor e sua possível morte. Ao apóstolo não restou alternativa senão a de encorajar Timóteo (2 Timóteo 1.7,8; 4.5). Ele  lembrou-lhe que o tema central do evangelho pregado por ambos era “que Jesus Cristo, descendente do rei Davi, ressuscitou dos mortos”, e, porque Cristo ressuscitou, morrer pela pregação da Palavra era de menor importância. Portanto, a marca maior do dom ministerial de evangelista é a consciência e a coragem plena de enfrentar os desafios intrínsecos ao cumprimento do dom concedido a esse chamado.

4) Pastores – De todas as funções eclesiásticas da Igreja do Senhor, a de pastor é a mais conhecida e, infelizmente, cobiçada. Os que a cobiçam geralmente levam em consideração alguns aspectos materiais e circunstâncias que cercam a função, sem, contudo, atentar para o ensino bíblico acerca do tema, que aponta para a existência de regras divinas disciplinadoras do pastorado, dentre as quais a principal: é Deus quem dá pastor às Suas ovelhas, segundo Suas regras, prescrições e critérios que não levam em conta os desejos, as aspirações e as características do por Ele escolhido (Efésios 4.11; Jr 3.15).

Em toda a Bíblia, de Gênesis a Apocalipse, o conjunto das pessoas que servem a Deus é figurativamente tratado como sendo e pertencendo ao seu rebanho, cuja visão tem um significativo valor espiritual (Números 27.15-17). O salmista afirma que “foi ele quem nos fez, e dele somos; somos o seu povo e rebanho do seu pastoreio” (Salmos 100.3, NAA). Em outras passagens bíblicas, no Antigo Testamento e muito mais no Novo Testamento, há um vastíssimo emprego da ovelha, suas características, limitações e hábitos como figura de linguagem utilizada para o povo de Deus (Salmos 44.11; Isaías 53.6.7; Ezequiel 34.6,11; Mateus 10.6,16; 26.31). Então, é impossível alguém ser ovelha de Cristo fora de Seu rebanho e viver sem pastor, por ser este indispensável à guarda, proteção e orientação do rebanho, tendo o próprio Deus assim estabelecido. Jesus declarou acerca de si mesmo: “Eu sou o bom pastor”, dando em seguida a razão de assim se qualificar: “O bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (João 10.11). Com tal afirmação, nenhum outro humano poderá usurpar para si a qualificação de “bom pastor”, já que ninguém morre fisicamente como Ele morreu para salvar um pecador, pelo que todos atuais pastores nada mais são que condutores das ovelhas de Jesus.

Interessante destacar o grau de interação entre o “Bom Pastor” e Suas ovelhas, qualidade ímpar inalcançada pelos pastores humanos, materializado pelo íntimo conhecimento nutrido pelo relacionamento pessoal íntimo entre Ele e a ovelha: “As ovelhas ouvem a sua voz, ele chama as suas próprias ovelhas pelo nome e as conduz para fora” (João 10.3, NAA). Independentemente da quantidade delas, são chamadas individualmente “pelo nome”. Considerando os atuais tamanhos dos rebanhos das ovelhas do Senhor entregues aos cuidados dos pastores humanos, é evidente a impossibilidade de eles conhecerem nominalmente cada uma delas. Entretanto, o “Bom Pastor” as conhece nominal e individualmente, por Seu poder infinito, que lhe dá a capacidade única de também dar nome a cada uma das incontáveis estrelas (Salmos 147.4). Por tudo que realiza e faz em favor de Suas ovelhas, Cristo recebeu do apóstolo Pedro o título de “Supremo Pastor”, aquele que é superior a todos os demais pastores e aferirá a conduta de todos os demais, conferindo prêmio aos que forem aprovados (1 Pedro 5.4).

O único pastor completo, que não recebe qualquer reparo no desempenho do pastorado, é Jesus, o “Bom Pastor”. Todos os demais, por Ele escolhidos para desempenhar tão honrada e elevada posição de cuidador das ovelhas por Ele compradas por Seu próprio sangue, carecem de capacitação e preparo espiritual, sem os quais é impossível agradá-lO. A começar pela escolha. Ninguém se escolhe ou é escolhido pelo desejo pessoal, pois é Ele, exclusivamente Ele, que escolhe a quem quer, independente até da manifestação de vontade do escolhido (Marcos 3.13). Creio que se Jesus convocasse os apóstolos e submetesse a eles a restituição do apóstolo Pedro ao ministério apostólico, certamente que muitos votariam contrários à readmissão. Entretanto, como a escolha de alguém para a santa atividade de pastor não depende da opinião e concordância de quem quer que seja, inclusive das ovelhas que serão pastoreadas pelo escolhido, simplesmente falou com Pedro e o restaurou ao pastoreio de Suas ovelhas (João 21.15).

A confirmação do apóstolo Pedro somente se deu após todo um duríssimo processo de preparo, que incluiu a sua disponibilização pessoal à ação diabólica poderosa, pela qual torna compreensível ouvir Pedro negar que conhecia Cristo (João 18.25-27), embora Jesus o tenha advertido acerca da ação do Diabo para lhe destruir (Lucas 22.31,32). Pela experiência sofrida, Pedro, reabilitado, pode recomendar acerca do exercício do ministério pastoral: “Aos presbíteros que há entre vocês, eu, presbítero como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e, ainda, coparticipante da glória que há de ser revelada, peço que pastoreiem o rebanho de Deus que há entre vocês, não por obrigação, mas espontaneamente, como Deus quer; não por ganância, mas de boa vontade; não como dominadores dos que lhes foram confiados, mas sendo exemplos para o rebanho” (1 Pedro 5.1-3, NAA).

De todos os requisitos espirituais a serem preenchidos pelo escolhido de Cristo para portar um dom ministerial, um é destacado por Pedro no texto acima transcrito: “sendo exemplos para o rebanho”. Sim, porque as ovelhas observam atentamente o comportamento daquele que as guia e conduz. Neste quesito, Paulo foi abundante no ensino, ao dizer às ovelhas sob seus cuidados: “Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado” (1 Coríntios 9.27). A situação é ainda agravada pela recomendação das ovelhas a imitarem seus pastores (Hebreus 13.7).

5) Mestres – Embora um grande grupo de estudiosos da Bíblia entenda que o dom ministerial de mestre é operado com o de pastor, o que se fosse verdade seria maravilhoso, na realidade são distintos, possuindo cada um deles suas próprias características, ao ponto de em três referências bíblicas aparecerem isolados (Romanos 12.7; 1 Coríntios 12.28; Efésios 4.11). Logo, convém reconhecer a existência do ministério de mestre.

É inquestionável que nas Sagradas Escrituras há temas eivados em mistérios; aliás, o próprio Pedro disse que “nelas há certas coisas difíceis de entender”, cuja compreensão não é facilmente alcançada. Quando Filipe perguntou ao eunuco se ele estava entendendo o que estava lendo nas Escrituras, sua resposta foi bem objetiva: “Como poderei entender, se ninguém me explicar?” (Atos 8.30,31, NAA). Exatamente por conta das “coisas difíceis de entender” é que o Espírito Santo disponibiliza à Igreja o dom de “mestre”. Nos dias de Jesus, havia o “mestre”, “rabi” ou “doutor da lei”, profundo conhecedor da Lei e responsável pela explicação e interpretação das Escrituras de então, como Nicodemos (João 3.10) e Gamaliel (Atos 5.34).

Escrevendo a Timóteo, Paulo entendeu que o dom de ensinar na igreja tem fundamental importância no desenvolvimento do Reino de Deus (2 Timóteo 2.2). Ele também entendia que o evangelho de Cristo era figurativamente uma grande semeadura, na qual “um planta e outro rega”, donde pregar aos perdidos a mensagem divina é a plantação, enquanto que o ensino é o ato de regar, até porque o que é plantado, se não for regado, morre. Por outro lado, o Senhor deu à Sua Igreja duas tarefas distintas, a saber: a de pregar o evangelho a toda a criatura e a de fazer discípulos, a qual é cumprida quando é ensinada a Palavra ao convertido; ou seja, é plantar e regar. Como ensinador, Paulo era incansável e não perdia nenhuma oportunidade, como, por exemplo, em Trôade, onde “alargou a prática até à meia-noite”; e depois que resolveu o acidente com Êutico, “ainda lhes falou largamente até à alvorada” (Atos 20.7,11).

Na igreja de Antioquia, se sobressaiam os dons ministeriais de “profetas e doutores” (Atos 13.1), ambos convivendo pacificamente e contribuindo para o desenvolvimento do Reino de Deus, sem invasão nem disputas humanas. Neste aspecto, Pedro dá um exemplo lindo e profundo ao reconhecer que Paulo possuía uma capacidade de ministrar certos temas bíblicos que ele, com toda sua experiência de ter convivido pessoalmente com Cristo, não possuía, sem que se sentisse, com isso, inferiorizado (2 Pedro 3.15,16). Outro santo exemplo a considerar sobre a atuação do dom de ensinar na igreja é a atuação ministerial de Apolo (Atos 18.24,25). Embora fosse ele “varão eloquente e poderoso nas Escrituras”, não era detentor de todo conhecimento das Escrituras, pois conhecia “somente o batismo de João”. Recorde-se que sua capacidade de expor a Palavra era tamanha que, na igreja de Corinto, foi formado o grupo de Apolo (1 Coríntios 3.4). Porém, apesar de todo seu profundo conhecimento e capacidade de expor a Palavra, era humilde, pois aceitou ser instruído “mais pontualmente” sobre o “caminho de Deus” por um casal, Priscila e Áquila (Atos 18.26). Paulo chegou a pedir-lhe que fosse ministrar em Corinto, o que não aceitou (1 Coríntios 16.12).

Se em muitos lugares há hoje a ausência de bons ensinadores, é porque uma exigência bíblica básica aplicável ao dom de ensinar na igreja não tem sido atendida atualmente: “Se é ensinar, haja dedicação ao ensino” (Romanos 12.7). Como “examinar as escrituras” é uma atividade enfadonha e cansativa, muitos ministros que acessam os púlpitos das igrejas não ensinam o povo de Deus como convém à sã doutrina, havendo muitos “analfabetos” espirituais nas igrejas, contrariando a recomendação bíblica (Oseias 6.3). Lembremos: “O meu povo foi destruído porque lhe faltou o conhecimento” (Oseias 4.6). De quem é a culpa e a responsabilidade pela tragédia da falta de conhecimento de Deus por grande parte do Seu povo? Com certeza, do Espírito Santo não é, pois Ele disponibiliza para a Sua Igreja o dom de ensinar.

por Abiezer Apolinário da Silva

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