Quando o espírito de Babilônia reside em Jerusalém

Quando o espírito de Babilônia reside em Jerusalém


As coordenadas 31º47’N35º13’E fazem-nos encontrar a cidade de Jerusalém, descrita pelo profeta Isaías (52.1) como ‘cidade santa’, ou ‘ir haqodesh’, termo que também pode ser traduzido por ‘cidade do santuário’ ou ‘cidade da santidade’. Seu nome mais comum, no entanto, tem suas origens no idioma assírio. Nas cartas de Tell-el-Amarna ela aparece como ‘Ur-as-li-im-um’ ou Urusalim, ‘cidade da paz’. No hebraico, o nome ‘yerushalayim’ é uma forma anômala para a língua, pois o idioma dos hebreus não possui a possibilidade de duas vogais aparecerem em seguida. Para resolver o impasse foi introduzido o ‘y’ entre as letras. A inserção não soluciona o problema do entendimento do termo, uma vez que a finalização ‘ayim’ diz respeito à ideia de duplicação (como em ‘mizrayim’, Egito). A conclusão mais aceita é a de que a forma original seria ‘yerushalem’ ou ‘salem’ (Salmos 76.2). Assim, temos a junção de ‘shalem’, ou seja, ‘paz’, com a primeira parte, que significa ‘possessão’ ou ‘fundamento’. Jerusalém é, portanto, mais do que uma cidade, o fundamento da paz, a possessão da paz (Esdras 5.14). O idioma grego traduziu o nome como ‘hierosolyma’ (Mateus 2.1), ou seja, ‘salém sagrada’ (‘hieros’ é o termo grego para ‘santo’), o que nos faz retornar à maneira como o profeta Isaías se referiu a ela e conserva seu sentido mais profundo.

O tempo e o distanciamento dos propósitos de Deus fizeram com que Paulo estabelecesse uma distinção entre a Jerusalém terrena e “a Jerusalém lá de cima” (Gálatas 4.26). João corrobora referindo-se à “nova Jerusalém” (Apocalipse 21.2). Longe da perfeição e da santidade, a Jerusalém possível de ser encontrada por qualquer viajante, segundo as coordenadas acima referidas, permanece distante daquela que é irrepreensível e eterna, a Jerusalém Celestial. Acredito que a geografia celeste também pretendeu manter bem clara a diferença entre a cidade de Jerusalém e a cidade de Babilônia. Situada às margens do rio Eufrates, mantendo-se 82 km ao sul de Bagdá, ao sul do Iraque, a antiga cidade emprestou seu nome, no passado, a todo o território ao redor, permanecendo como capital das terras de Sinear (Gênesis 10.10), terra dos Caldeus (Jeremias 24.5) ou terra dos filhos da Babilônia. Bem regada, próspera, tendo sido, bem provavelmente, o lugar do antigo Eden, a região viveu não apenas a ascensão do engenho humano em suas mais variadas formas, mas deu lugar à multiplicação do pecado e de toda a forma de abominação diante de Deus. Embora seus edifícios antigos tenham sido desgastados ou destruídos com o passar das estações, o espírito de babilônia espalhou-se e encontrou no processo de ‘mistura’ uma das formas mais habilidosas para o crescimento do paganismo. É o paganismo com aparência de santidade, é a influência do mal com discurso de mensagem bíblica, é a mescla perversa que dificulta ao incauto a percepção do engano. Na geografia espiritual, Babilônia habita em vários lugares e lança suas raízes mesmo em campo santo. Daí ser atual repetir as palavras de alerta “sai dela, povo meu, para não serdes participantes dos seus pecados” (Apocalipse 18.4).

Ezequiel sofreu a dor de ver um ídolo ser colocado à entrada do templo para ser adorado. Homens ofereciam incenso, mulheres choravam por Tamuz e alguns até mesmo “havendo sacrificado seus filhos aos seus ídolos, vinham ao meu santuário no mesmo dia, disse Deus” (Ezequiel 23.38,39). O horror das práticas não era percebido, pois a sedução do engano procura convencer com discursos de sabedoria, que atendem aos mais profundos e egoístas desejos humanos, a ponto de achar que, ofendendo ao Criador, na verdade, O estão exaltando. Tais discursos são falsos, procuram levar o povo de Deus a contemporizar com o mal, a conciliar pontos de vista diversos, a deixar seus sólidos fundamentos, perdendo o lugar glorioso de fazer parte do fundamento da verdadeira paz celestial. Samuel advertiu: “se com todo o vosso coração vos converterdes ao Senhor, tirai dentre vós os deuses estranhos e os astarotes e preparai o vosso coração ao Senhor, e servi a ele só, e vos livrará” (1 Samuel 7.3). Deus tem poder para nos livrar dos enganos. Talvez um dos mais terríveis enganos propagados pelo espírito de Babilônia é a sensação de liberdade de que gozam os seus cativos – tão presos estão que não percebem as cadeias que os acorrentam. Decididamente, nem todos desejarão retornar de Babilônia, para dor do amoroso Espírito de Deus, mas, para todos os que desejarem, há caminho de saída.

Um dos aspectos do espírito de Babilônia e que é quase um elemento identificador de sua presença em um povo é o uso que faz dos símbolos. Numa relação de correspondência inversa, quanto mais afastados da verdadeira fé, maiores e mais explícitos os símbolos físicos dessa fé, como se a externalidade simbólica pudesse compensar a espiritualidade inexistente ou enfraquecida. Babilônia não tem apenas rituais secretos, altos erguidos, adivinhações, adoração ao sol, à lua, às estrelas, mas também é rica em humanismo, antropocentrismo, hedonismo, regados a discursos de conciliação entre posturas inconciliáveis, inclusão e aceitação do mal e tentativas de relativização de toda e qualquer certeza. Além disso, toma os conceitos que rejeitou, transforma em representações e os reintroduz, diminuídos e enfraquecidos de sua essência. Para encobrir o progressivo esvaziamento da fé genuína, esbanja em simbologias cada vez mais propagadas.

Identificar Jerusalém não é tarefa difícil. Seus muros, a bela torre da cidadela de Davi, seus portões ancestrais, tudo facilita ao peregrino a certeza de estar na Cidade Santa. O cheiro dos pães assados com um misto de especiarias típicas do Oriente Médio ajuda a perceber que deixamos nossos lugares de origem. Vendedores expõem o colorido de suas mercadorias. Há som nas ruas, de pessoas de todas as nações, vestidas das mais variadas formas, alegres por pisarem as pedras do calçamento e, junto ao Kotel (Muro das Lamentações) são ouvidos sons de orações e canções em hebraico. Sobre o Moriah, a mesquita Al-Aksa e o Domo da Rocha confirmam a peleja que há muito acompanha o local onde estamos.

Igualmente, a expressão terrestre da Jerusalém celestial é inconfundível ao peregrino atento: o som é celestial, as vestes são santas, o agir é digno, o fazer é zeloso, o pão partido alimenta a alma e fortalece o espírito. As pessoas que ali transitam procuram viver de tal forma que sua vida seja uma espécie de treinamento para a vida futura na Cidade Eterna. Os fundamentos permanecem e a paz alcança a todos os que a buscam.

O espírito de Babilônia, contudo, procura transtornar a vocação de algumas cidades, enganando-as de forma cruel. Ele vem de forma sutil e implanta a relativização da Palavra de Deus, muda o foco da adoração, centrando-a no homem e em suas necessidades e desejos, alimenta o pecado, reduz a importância de práticas detestáveis e muda o curso dos homens desde a mais tenra idade. Tudo é bom, tudo é santo, tudo é aceitável – Jerusalém é em qualquer lugar.

Se você chegou a uma cidade assim, acautele-se! Símbolos de cruz não significam uma vida aos pés da cruz; música chamada gospel não necessariamente traduz-se em louvor a Deus; pregação da Palavra não é sinônimo de psicologia grupal ou de incentivos à inteligência emocional. Além disso, não carecemos de vestes sacerdotais, togas, estolas, colarinhos, pingentes, tatuagens ou quaisquer objetos que propaguem nossa fé – a verdadeira fé está manifesta numa vida plena de comunhão com Deus, que cresce à luz da Palavra Viva e que é dirigida e orientada pelo Espírito Santo. A manifestação externa de nossa fé está nos frutos espirituais que produzimos, na Palavra que pregamos, nas ações que praticamos e nos sinais sobrenaturais que nos acompanham, pelo poder de Deus e para a glória dEle.

Mesmo que você tenha chegado aos portões da cidade, fuja! Talvez a cidade esteja em festa – são famosas as festas de Babilônia, o sabor de suas comidas e o colorido de seus ornamentos – fuja! Melhor o pão dos céus do que as comidas típicas oferecidas em datas previamente dedicadas aos ídolos. Babilônia é hábil em seus argumentos, mas o Espírito Santo é poderoso em convencer do pecado, da justiça e do juízo de Deus. Ele é melhor guia – o Único poderoso a nos conduzir à Cidade de coordenadas excelsas a que fomos amorosamente chamados a pertencer.

por Sara Alice Cavalcanti

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