Onde estão as crianças?

Onde estão as crianças?


Como anda nossa visão quanto ao espaço da criança na igreja

Se hoje o salmista voltasse os olhos para nossa “prole”, poderia exclamar: “Até a criancinha encontrou casa, abrigo, aconchego, calor, junto aos teus altares, ó Senhor dos Exércitos!” (Salmos 84.3). Seria verdade esta afirmação? Estariam as crianças sendo assim acolhidas no seio de nossas igrejas?

Como seria bom se neste artigo pudéssemos simplesmente abordar questões de espaço físico, desde o planejamento arquitetônico em seus aspectos técnicos até a composição espacial e decoração ideal para o espaço infantil na igreja. Essa abordagem seria ideal se partíssemos do pressuposto que as igrejas, de um modo geral, já tivessem a visão e valorização necessárias do trabalho entre as crianças. Como isso não é verdade, salvo algumas exceções, considero mais produtivo questionarmos o espaço que as crianças desfrutam na visão ministerial, no planejamento eclesiástico, no orçamento, investimento e até mesmo nas liturgias.

Para respondermos sobre esses questionamentos com relação ao espaço da criança na igreja, é importante avaliarmos as situações como de fato elas são. E para tanto, devo esclarecer que assim como os discípulos não foram poupados de terem seus equívocos ministeriais corrigidos publicamente, também não vou me furtar ao direito de enumerar alguns desses equivocados procedimentos para com as crianças na Casa de Deus. E vale ressaltar que o objetivo não é acusar as lideranças, mas diagnosticar o problema e, à luz da Palavra de Deus e do bom senso, corrigirmos esses erros, e como resultado ouvirmos das crianças o versículo 10 do Salmo já citado: “Vale mais um dia nos teus átrios do que em outra parte mil”.

Questão relevante

Num primeiro momento dessa nossa caminhada com a bandeira do questionamento hasteada – “Onde estão as crianças?” – poderíamos ser interpelados pelo primeiro grupo de pessoas que eu chamaria de adultos importantes e ocupados. Estes, a exemplo dos discípulos de Jesus, nos diriam: “Em meio a tantos assuntos importantes, que relevância há em se questionar o espaço da criança na igreja? Sabemos que os templos estão cheios delas, e isto é o bastante”.

Essa postura pode parecer inocente e justificável, mas Jesus indignou-se por causa dela. Adultos assim, com tamanho desinteresse para com as crianças, também faziam parte do colegiado de Jesus, a ponto de tentarem impedir que as crianças chegassem perto Dele para igualmente usufruir de suas bênçãos (Mateus 19.13). Na verdade, isso revela a tendência que muitos de nós adultos temos, de menosprezar o que é pequeno, frágil, dependente e singelo. Embora a criança seja uma fonte de grandes potenciais, ela se apresenta com essas características, e então achamos custoso compartilharmos o singelo mundo de interesses da criança.

Através dos discípulos, Jesus contemplou-nos o coração de valores inversos, e não deixou passar em branco. Pelo contrário, com sua indignação e atitude Ele nos deixou o exemplo da correta postura que devemos ter para com as crianças: “Então, tomando-as nos braços e impondo-lhe as mãos, as abençoava” (Marcos 10.16). Aqui vemos o adulto mais importante e ocupado da terra dispondo de tempo para colocar crianças no colo e atender-lhes suas necessidades. Isso só veio confirmar como o Messias seria bondoso e amoroso com as crianças. “Como pastor apascentará o seu rebanho, entre os seus braços recolherá os cordeirinhos...” (Isaías 40.11). Assim, Jesus nos ensina que, como os adultos, as crianças precisam ser apascentadas e de uma forma muito especial. E quando isso acontece, podemos considerar que elas finalmente estão ocupando algum lugar na escala de nossos interesses.

Criança não atrapalha!

Prossigamos nossa caminhada perguntando: “Onde estão as crianças ?” Com toda a certeza, vamos nos deparar com um segundo grupo, que gostaria de denominar: adultos ordeiros, porém, inconsequentes. Eles nos dirão: “Oh sim! As crianças são irrequietas e barulhentas. Por isso devem ter um lugar à parte para não prejudicarem o silêncio e a ordem dos cultos”.

Infelizmente, quando coloco esses argumentos, não estou conjecturando, mas relatando aquilo que ouvimos de alguns adultos. É lastimável que haja pessoas olhando as crianças somente por esse prisma e subestimando a importância de sua participação nas atividades da igreja. E aqui não me refiro à Escola Dominical, onde realmente há necessidade de separarmos as crianças por faixas etárias para uma maior produtividade no trabalho e consequente aprendizagem.

Conhecemos casos de crianças e adolescentes que tiveram suas condutas mal influenciadas e até desviadas quando se encontravam pelas periferias dos templos enquanto seus pais estavam desapercebidos em suas reuniões. Essa falta de entendimento e vigilância é o mesmo que escancarar a porta e deixar as crianças à mercê do ladrão que veio para matar, roubar e destruir.

Como vemos, é urgente que coloquemos de lado esta ideia de que “criança atrapalha”. Se olharmos para o Antigo Testamento, veremos que as crianças estavam presentes em vários tipos de convocações e reuniões. Em Josué 8.35 lemos: “Palavra nenhuma houve, de tudo que Moisés ordenara, que Josué não lesse para toda a congregação de Israel e para as mulheres, e os meninos, e os estrangeiros, que andavam no meio deles.” Confira outros textos, como 2 Crônicas 20.13 e Neemias 12.43.

Jesus também se coloca ao lado das crianças e contra essa postura de intolerância à hiperatividade dos pequenos. Acompanhemo-lo através dos textos bíblicos e chegaremos a essa conclusão.

Onde estava Jesus aos 12 anos de idade? Num lugar “à parte”, como desejam alguns adultos? Certamente não; Ele se encontrava “no meio”. “Três dias depois o acharam no templo, assentado no meio dos mestres ouvindo-os e interrogando-os” (Lucas 2.46).

O tempo passou, Jesus cresceu e, no auge do seu ministério, vemo-lo reafirmando essa posição: “E Jesus chamando uma criança colocou-a no meio deles. E disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mateus 18.2-3).

Assim como os discípulos, os mestres judaicos também foram admoestados por Jesus, ao se incomodarem com o jeito autêntico e barulhento das crianças expressarem sua fé no Messias: “...Respondeu-lhes Jesus: Sim; nunca lestes: Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor?” (Mateus 21.16).

Com essas atitudes, vemos Jesus mais uma vez nos legando a visão de que criança deve estar no centro de nossos interesses, e na prática isto significa integrá-la nas atividades litúrgicas da igreja. Se conseguirmos interiorizar essas verdades, haverá sempre um lugar para elas.

Crianças, igreja de hoje

Precisamos ainda nos referir a um terceiro grupo ao qual poderíamos chamar de adultos econômicos e futuristas. Essas pessoas com boas intenções referem-se às crianças chamando- as “igreja do amanhã”. Todavia, isso também é um equívoco. A criança faz parte da igreja de hoje. Jesus disse que delas é o Reino dos Céus. Se elas não fizerem parte da igreja hoje, dificilmente o farão amanhã. Essa concepção é cômoda e não requer investimento de ordem alguma.

A Bíblia diz que os filhos das trevas são mais prudentes que os filhos da luz. E para nossa tristeza, constatamos isto nos milhões de dólares que a mídia investe para ganhar a atenção das crianças. Um alto investimento para desviar-lhes dos padrões morais e espirituais e infundir-lhes um consumismo desenfreado e doentio. Como podemos cruzar os braços e chamarmos as crianças de igreja do amanhã? Que tipo de colheita esperamos fazer, quando nada ou muito pouco semeamos?

A falta de investimento nas crianças começa pelos projetos de nossas edificações. Pensa-se em templos com grandes naves que reúnam muitas pessoas, e mais algumas salas para administração. Quanto deste espaço físico é destinado para salas onde funcionarão as várias classes da Escola Dominical? Em muitos casos, quando finalmente se percebe a necessidade de separar as crianças dos adultos, o lugar que lhes sobra geralmente é apertado, mal ventilado, sem as acomodações adequadas e a divisão necessária por faixas etárias.

Nesse caso, vale lembrar que em princípio as bases do nosso cristianismo não foram colocadas por ocasião de grandes reuniões festivas, mas numa pequena classe de doze alunos. Isto deveria nos fazei repensar a importância da Educação Cristã, acima de qualquer outra atividade. Igrejas que já despertaram para essa necessidade chegam a construir edifícios anexos para o desenvolvimento das atividades de educação religiosa, pensando principalmente nas crianças.

Qualificação de professores

E quanto ao investimento pedagógico e teológico? Quem são as pessoas que na maioria das vezes cuidam das crianças na igreja? Em muitos casos, não há uma preocupação com a formação espiritual e teológica dessas pessoas. Qualquer um serve. Basta ter boa vontade e paciência para lhes suportar o barulho e as peripécias.

Se considerarmos as crianças como igreja atual, e se levarmos em conta que elas estão vivendo os anos áureos de sua formação integral, com certeza iremos investir na qualificação de professores que não somente “cuidem”, mas “ensinem” a Palavra de Deus aos pequeninos, contribuindo para uma formação moral e espiritual sadia.

Financeiramente falando, a criança não é autônoma, por isto não dá retorno aos cofres da igreja. Daí a necessidade de se ter uma visão de valorização e investimento. Como parte integrante da igreja, elas têm o direito de realizarem suas atividades específicas, mesmo que isto implique em gastos. Por exemplo, quantas igrejas realizam a Escola Bíblica de Férias, com todo conteúdo e estrutura a que se tem direito? Os “econômicos” dirão “Ah! Mas isto onera em muito o orçamento da igreja”. Pode ser, mas as crianças que anualmente participam desse curso intensivo da Bíblia terão indelevelmente em suas memórias momentos prazerosos vividos na Casa de Deus, e aprendizados que as acompanharão pelo resto de suas vidas. Convenhamos, é bem mais fácil investirmos para ganharmos crianças hoje do que irmos buscar adultos lá fora amanhã.

Finalmente, gostaria de sublinhar atitudes de um grupo que felizmente não se identifica com os perfis descritos no contexto geral deste artigo. Como poderíamos chamá-los? Talvez adultos conscientes e amorosos, lideranças e igrejas que desde o projetar de seus templos, passando pelos planejamentos até seu orçamento, reconhecem e valorizam o espaço das crianças. Com isso não queremos lançar sobre a igreja o ônus total da educação cristã das crianças. Todavia, quando essa “comunidade de fé” representa uma extensão da família, reforçando e reiterando o ensino que se processa no lar, torna-se, sem dúvida, uma fonte de ajuda inigualável na educação cristã dos filhos.

Jesus, o advogado das crianças

“Qualquer que receber uma destas crianças em meu nome a mim me recebe; e qualquer que a mim me recebe não recebe a mim, mas ao que me enviou. (...) Portanto, aquele que vos der de beber um copo de água, em meu nome, porque sois de Cristo, em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão” (Marcos 9.37,41).

Aquilo que deveria parecer óbvio para os adultos com relação às crianças precisou tornar-se “Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente”, a fim de garantir-lhes a integridade moral, física e o suprimento de suas necessidades.

De igual forma, se fizermos um estudo do ministério de Jesus e as crianças, vamos perceber que várias vezes Ele advogou esta causa. E se estes episódios foram registrados nas Sagradas Escrituras, é porque o Espírito Santo sabia a necessidade que a igreja teria, através dos séculos, de ser admoestada e orientada a fim de garantir o espaço e o direito das crianças no Reino de Deus.

Afinal, as crianças, quando amadas e integradas no seio da igreja, serão para sempre filhos desta família transcendental. Que os poetas atuais possam exclamar: “Até a criança encontrou casa, junto aos teus altares, ó Senhor dos Exércitos...”

por Sonara S. Pereira

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