Durante os anos em que Jesus desenvolveu seu ministério terreno, algo se fez constante e marcante na vida de todos: milagres. Por onde o Filho de Deus passava, milagres aconteciam, tocando o coração e a mente de todos que os presenciavam. Esses eventos instigavam o povo a desejar conhecer mais acerca do que estava acontecendo naqueles dias. A cada vida que era alcançada por um milagre, um grupo de pessoas se reunia curioso em busca de melhor compreensão acerca do acontecia. Os quatro evangelhos são repletos desses episódios: a transformação de água em vinho (João 2.1-11); o acalmar da tempestade (Marcos 4.37-41); as multiplicações de pães (Lucas 9.12-17 e Mateus 15.32-38); o andar por sobre as águas (João 6.19-21); a ressurreição da filha de Jairo (Mateus 9.18-25), do filho da viúva de Naim (Lucas 7.11-15) e de Lázaro (João 11.1-44); a cura de leprosos (Mateus 8.1-4; Marcos 1.40-42; Lucas 5.12-13); a cura da mulher do fluxo de sangue (Lucas 8.43-48); a libertação de endemoniados (Mateus 8.24-34; Mateus 9.32-33; Lucas 11.14); a cura de cegos (Mateus 9.27-31; Marcos 8.22-26); e muitos outros. Essa pequena lista já nos permite uma perfeita noção do quanto esses episódios foram importantes no avanço da mensagem de salvação, trazendo aos olhares das pessoas uma nÃtida percepção de que estavam presenciando algo totalmente transformador e sobrenatural.
Na sequência, ao longo do texto neotestamentário, também é
notável a presença de milagres apontando para a ocorrência dos dons de poder.
Em Atos, encontramos diversas referências: cura de coxos (Atos 3.1-6, 14.8-10);
restauração da visão de Saulo (Atos 9.17-18); ressureição de Dorcas (Atos
9.36-41) etc. Podemos entender os dons de poder como capacitações especiais em
situações em que há a necessidade de uma ação sobrenatural do EspÃrito Santo na
vida dos crentes. Mediante os dons de poder, podemos ver a manifestação divina
na vida dos crentes de forma impressionante sobre o mundo fÃsico. Essa ação não
é para a glória humana, mas, sim, para que o nome de Deus seja glorificado através
das vidas que protagonizam os episódios milagrosos.
A BÃblia Sagrada nos revela que “...há diversidade de dons, mas
o EspÃrito é o mesmo. [...] e a outro, pelo mesmo EspÃrito, a fé; e a outro
pelo mesmo EspÃrito, os dons de curar; e a outro, a operação de maravilhas;
[...] Mas um só e o mesmo EspÃrito opera todas essas coisas, repartindo particularmente
a cada um como quer” (1 CorÃntios 12.4,9-11). Diante dessa magnÃfica verdade, vamos
conhecer um pouco melhor acerca dos dons que manifestam o poder de Deus: o dom
da fé, os dons de curar e o dom de operação de maravilhas.
O dom da fé
Em Hebreus, lemos que “a fé é o firme fundamento das coisas
que se esperam e a prova das coisas que se não veem” (Hebreus 11.1). A fé
implica uma postura de absoluta confiança no – e dependência do – Senhor,
levando-nos a uma vida onde todas as nossas concepções e ações estarão sendo
direcionadas por Deus.
A fé como dom (1 CorÃntios 12.9) distingue-se da fé salvÃfica
(Romanos 10.17; Efésios 2.8), da fé observada como fruto do EspÃrito (Gálatas 5.22),
da fé apontada no corpo das doutrinas bÃblicas (Gálatas 1.23) e da fé como aspecto
da vida cristã (2 CorÃntios 13.5). É uma fé especial usada em um momento especÃfico
(Atos 3.4-7). O dom da fé pode ser percebido como uma capacidade concedida ao
cristão pelo EspÃrito Santo para que realize ações que vão além da esfera
natural, com o objetivo de edificação da Igreja.
O dom da fé é envolto por uma forte convicção no poder e na misericórdia
divinos com a finalidade de, em um momento especÃfico e em uma determinada causa,
possibilitar algo sobrenatural em um processo com caracterÃsticas bem particulares.
Exemplos desse dom podem ser observados em determinadas curas de enfermidades,
em resoluções maravilhosas de situações naturais e emergenciais, em amparo e suporte
em momentos de grande perseguição, dentre tantas outras possibilidades. É uma
das formas do EspÃrito Santo amparar o cristão em momentos especÃficos. De forma
muito nÃtida, é a fé que sustentou os que sofreram perseguições e enfrentaram
grandes desafios, permanecendo fiéis até o fim, confiando em Deus de forma
notável, conforme narrado em Hebreus 11.
O dom da fé deve ser entendido como algo que ajudará toda a Igreja,
mas que também pode ser considerado um dom especial para uma necessidade em particular.
Pode ser visto como a “fé que move montanhas” trazendo manifestações extraordinárias
do poder de Deus (Mateus 17.20), mas também pode se apresentar como um “cuidado
confortante” para com um crente que passa por um momento difÃcil. No memorável livro
Heróis da Fé, Orlando Boyer relata alguns desses testemunhos onde o dom
de fé foi colocado em ação. Um exemplo impressionante é o de George Müller, “o
apóstolo da fé” (1805-1898): certa vez, após uma noite de oração pedindo ao Senhor
mantimentos para os orfanatos que estavam sem provisões, ao amanhecer, chegaram
as doações que alimentaram 2 mil órfãos por um mês!
Os dons de curar
Os dons de curar são manifestações sobrenaturais do EspÃrito
Santo à disposição da Igreja para que a humanidade perceba em Deus o poder de
curar os enfermos e sarar as feridas dos que sofrem. Mencionado no plural, “os
dons de curar” fazem referência à concessão segundo a vontade divina, no tempo
certo e quando se faz necessária a ação milagrosa.
Segundo o pastor e teólogo Antonio Gilberto, os “dons de
curas” são operados de diversas formas diferentes: através da Palavra, através
de outro dom, através de uma palavra de ordem, um olhar, o impor as mãos, entre
outras possibilidades. São manifestações de poder para a cura de doenças do
corpo, da alma e do espÃrito, para crentes e descrentes.
Cada cura necessita de um dom distinto, especial. Esse dom
não é dado especificamente ao que ministra, mas por meio dela para a que está
enferma. É Deus quem cura o doente e não a pessoa que ora impondo as mãos. É em
nome de Jesus que o milagre acontece, a Ele seja dada a glória (Atos 4.30). Ao lermos
os evangelhos, podemos perceber como o amor de Jesus pelas almas se manifestava
de forma belÃssima nos relatos de cura. O milagre tão almejado pelo enfermo era
uma das formas usadas por Jesus para, primeiramente, tocar-lhes o coração
demonstrando o seu cuidado e piedade e, posteriormente, abrir-lhes os olhos em
uma prévia aplicação prática da nova vida que lhes era anunciada. A cura, mais
do que um fim em si mesma, era um convite a uma nova vida.
Como cristãos, os exemplos deixados pelo Mestre nos inspiram
a buscarmos os dons de curas para abençoarmos as vidas com o alÃvio de seus
sofrimentos fÃsicos bem como da alma e do espÃrito. Enfim, essa busca deverá
também ser uma expressão do quanto estamos dispostos a viver inspirados nos
exemplos deixados por Jesus Cristo. Os dons de curar são necessários em um
tempo de crescente incredulidade, onde a medicina tem avançado e a ciência, de
forma pretensiosa, insinua ter resposta cartesiana para os mais diversos fenômenos.
Esses avanços contemporâneos não podem responder às perguntas mais essenciais do
ser humano nem saciar as necessidades mais básicas de sua existência.
Observemos também que nem todos os enfermos foram curados.
Dois casos interessantes no Novo Testamento são os de Timóteo (1 Timóteo 5.23) e
Trófimo (2 Timóteo 4.20) que são alvos da preocupação e menção do apóstolo Paulo.
Há casos em que a enfermidade continua presente na vida do cristão em um
exercÃcio de compreensão da vontade soberana do Senhor.
Esse fenômeno também marcou a história de Gunnar Vingren, um
dos pioneiros da Assembleia de Deus no Brasil. Embora tenha sido usado de forma
intensa pelo Senhor orando pelos enfermos e presenciando inúmeras curas
divinas, o pioneiro sofreu por anos de uma insistente enfermidade que lhe
causava fraquezas, dores e febres. As orações de Gunnar pedindo a cura de sua
doença eram constantes, mas o milagre não acontecia. No entanto, o pioneiro
jamais sentiu-se desamparado. Segundo seu filho Ivar, “até o fim ele cria que
Deus ia fazer a obra e curá-lo. Mas os caminhos de Deus eram diferentes. O
servo fiel havia terminado a sua obra terrena”. A vontade do Senhor é soberana.
Amém!
Operação de maravilhas
Operação de maravilhas é um dom que altera a ordem natural, tornando
o impossÃvel em possÃvel e o improvável em real. São ações que vão muito além
da capacidade humana, encontrando apenas no poder de Deus a explicação para as suas
ocorrências. A expressão “operação de maravilhas” indica o plural “obras poderosas”,
apontando para uma ampla variedade de milagres na forma de sinais poderosos e extraordinários
(Atos 5.12-15; 19.11-12).
A operação de maravilhas era uma constante no ministério terreno
de Jesus. Desde o acalmar da tempestade, à ordem severa a uma figueira, à libertação
de endemoniados e à ressureição de mortos, o Mestre teve uma trajetória marcada
por eventos extraordinários que provocaram nas pessoas uma impressão favorável
ao avanço das boas novas de salvação: afinal, para Deus nada é impossÃvel (Lucas
1.37).
As multiplicações de pães e peixes são exemplos desse dom (Mateus
14.15-21; 15.32-38). Nos dois eventos, milhares de pessoas foram saciadas como fruto
do milagre sobre aquelas poucas unidades de alimento. A operação de maravilhas permitiu
que aquelas pessoas vissem na prática o poder de Deus sendo derramado sobre elas
em um ato abençoador. Algo aparentemente cotidiano, como a alimentação, foi amplificado
pela graça e pela compaixão divinas. Não só o corpo fÃsico foi nutrido, mas também
houve uma imersão na aplicação prática do que o Mestre havia ensinado no
perÃodo que antecedeu o milagre. A fé foi colocada em ação, o Deus que ama
alimentou e saciou a fome, milhares de olhares contemplaram o cuidado divino
sobre as suas vidas.
O dom de operação de maravilhas pode ser entendido como a
operação de milagres extraordinários e surpreendentes para, conforme Antonio
Gilberto, despertar e converter descrentes, céticos, oponentes e crentes
enfraquecidos (Atos 8.6-13; 19.11; Josué 10.12-14). O que era improvável
torna-se uma realidade impressionante que passa a despertar a atenção de todos.
No livro de Atos, encontramos uma Igreja que viveu amplamente a manifestação do
dom de operação de maravilhas, apontando para uma história que continua a ser escrita
até os dias atuais.
Os dias atuais são fortemente marcados pelo ceticismo, consumismo,
individualismo, narcisismo, perseguição religiosa e fragilidade dos valores
humanos. Alguns apontam esse tempo como a “era da desesperança”, levando ao
descrédito quanto a um futuro melhor. Cada vez mais a ansiedade e a depressão, entre
tantos outros transtornos e sentimentos, vão ganhando espaço em vidas que perdem
o encanto pela caminhada.
Diante dessa realidade, nós precisamos de um fortalecimento
de Deus para anunciar o evangelho de forma firme, ousada e decisiva. O desafio é
grande e a busca pelos dons deve ser uma constante na vida dos crentes, em uma
ação voltada para o anúncio da salvação e a promoção do Reino de Deus.
Distorções no uso dos dons
A manifestação desses dons em nossa caminhada deve ser envolvida
em uma grande dependência da vontade divina e em um profundo desejo de levar as
bênçãos de Deus à vida das pessoas. As curas e as operações de maravilhas devem
fazer parte de uma ação movida pelo amor pelas almas e pela intencionalidade de
anunciar o evangelho.
O EspÃrito Santo distribui os dons a cada crente, porém não para
benefÃcio do próprio indivÃduo ou interesses particulares. Conforme Stanley
Horton, o dom é dado por meio de cada um para o bem comum (1 CorÃntios 12.7),
ou seja, para o bem do corpo local como um todo. Dessa forma, os dons contribuem
para a Igreja atual assim como também contribuÃram nos tempos do livro de Atos.
No entanto, observamos distorções no uso dos dons de curar e
de operação de maravilhas. Muitos usam expressões como “determinar” e
“decretar” a cura dos enfermos baseando suas falas em uma pretensa autoridade sobre
Deus e não na fé. Mas, quem é o homem para que determine algo a Deus? O cristão
não tem autoridade para impor algo a Deus, mas, sim, deve sempre viver sob a
dependência da vontade divina.
Nossas orações devem ser frutos de uma atitude movida por amor
às almas e ao desejo de que a bênção do Senhor alcance cada vida. Como cristãos,
devemos orar buscando a cura dos enfermos (Tiago 5.14-15), impondo-lhes as mãos
para que sejam curados (Marcos 16.18) cientes da nossa dependência da soberana
vontade de Deus (1 João 5.14).
Também é preciso um cuidado para não cairmos na armadilha da
glamourização do homem que se nutre da fama em volta da aplicação do dom. No caso
dos dons de cura, muitos buscam uma autopromoção, como se tivessem em si o poder
sobrenatural, um engano. Os dons são manifestações do poder do EspÃrito Santo
que operam de formas diversas para a cura das enfermidades, ou seja, é concedida
por Deus à pessoa que irá ministrá-la (Atos 4.30).
Considerações finais
Os dons de poder, assim como os demais, são distribuÃdos pelo
EspÃrito Santo em Sua soberania (1 CorÃntios 12.11-18). Os cristãos podem
almejar e pedir os dons (1 CorÃntios 12.31; 14.39), porém é o EspÃrito quem os
dá segundo a Sua vontade, a fim de que a Igreja possa cumprir o seu papel e anunciar
a salvação, cumprindo a Grande Comissão (Mateus 28.19-20). Fiquemos com as palavras
de Paulo em sua Carta aos CorÃntios: “A minha palavra e a minha pregação não
consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração do
EspÃrito e do poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos
homens, mas no poder de Deus” (1 CorÃntios 2.4-5). Os dons espirituais são imprescindÃveis
tanto à Igreja como a cada membro em particular. É importante que os busquemos com
zelo e disciplina para vivermos os propósitos de Deus em nossas vidas.
Quando somos usados pelo EspÃrito Santo através dos dons, podemos
compreender com clareza que cada crente no Senhor tem algo a contribuir em sua Igreja.
Lawrence Richards afirma que nossas vidas precisam estar dispostas a serem usadas
por Deus para o bem dos demais. Ao vivermos essa realidade, o EspÃrito operará
através de nós e os outros serão abençoados. Amém.
REFERÊNCIAS
BOYER, Orlando. Heróis da Fé: vinte homens extraordinários
que incendiaram o mundo. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.
GILBERTO, Antonio. BÃblia com comentários de Antonio
Gilberto. Rio de Janeiro: CPAD, 2021.
GILBERTO, Antonio (Ed.). Teologia Sistemática Pentecostal.
Rio de Janeiro: CPAD, 2008.
HORTON, Stanley. I e II CorÃntios: os problemas da Igreja e
suas soluções. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
SOARES, Esequias (Org.). Declaração de Fé das Assembleias de
Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.
RICHARDS, Lawrence. Comentário Histórico-Cultural do Novo
Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.
VINGREN, Ivar. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de
Janeiro: CPAD, 1991.
por Marcos Anderson Tedesco
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