O que significa a expressão “levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens”?

O que significa a expressão “levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens”?

Qual o correto significado dessa expressão registrada pelo apóstolo Paulo em Efésios 4.8?

Efésios 4.8 é uma citação do Salmo 68.18, que “descreve a marcha triunfal de Deus na história de Israel, culminando com o estabelecimento do seu governo em Jerusalém [e] também prefigura a ascensão de Cristo para o céu, onde reina como cabeça da igreja, e para conduzir muita gente ao reino de Deus” (STAMPS). A expressão é usada no Antigo Testamento também para descrever a vitória dos reis sobre seus inimigos e o resgate de cativos (Juízes 5.12). O texto de Efésios 4.8 fala, portanto, do triunfo de Cristo na cruz e da concessão de dons aos homens depois de Sua ascensão ao céu (Efésios 4.11). A questão é: qual o significado da expressão “levou cativo o cativeiro”? 

No meio pentecostal brasileiro, o entendimento majoritário é de que Paulo estava se referindo ao “transporte” do Paraíso, das “partes mais baixas da terra” (4.9) para o “alto”, ou seja, para o céu (4.8). Há muito nossos principais pregadores e ensinadores nos falam dessa obra de Cristo depois de Sua morte, sob o entendimento de que “Nos tempos do Antigo Testamento, Paraíso e Hades ficavam na mesma região; eram separados por um abismo intransponível (Lucas 16.19-31). Quando Jesus morreu, desceu em espírito a essa região e transportou de lá os salvos para o terceiro céu [...] Mateus 16.18, Lucas 23.43, Efésios 4.8,9 e 2 Coríntios 12.1-4” (Teologia Sistemática Pentecostal, CPAD).

O saudoso pastor Antônio Gilberto ensina que “nos tempos do Antigo Testamento, iam todos após a morte – justos e injustos – [para o Hades]. O lugar dos justos era de felicidade, prazer e segurança. Era chamado ‘Seio de Abraão’ e ‘Paraíso’. Já o lugar dos ímpios era (e é) medonho, ignífero, cheio de dores e sofrimento”. Ainda, conforme Antônio Gilberto, “Jesus, antes de morrer por nós, prometeu aos Seus que ‘as portas do inferno [Hades] não prevalecerão contra ela [a Igreja]’ (Mateus 16.18). Isso mostra que os fiéis de Deus, a partir dos dias de Jesus, não mais desceriam ao Hades, isto é, à divisão reservada ali para os justos. [...] A mudança ocorreu entre a morte e a ressurreição do Senhor, pois Ele disse ao ladrão arrependido: ‘Hoje estarás comigo no Paraíso’ (Lucas 23.43). Paulo diz a respeito do assunto: ‘Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens. Ora, isto – ele subiu – que é, senão que também, antes, tinha descido às partes mais baixas da terra?’ (Efésios 4.8-9). Entende-se, pois, que Jesus, ao ressuscitar, levou para o Céu os crentes do Antigo Testamento que estavam no ‘seio de Abraão’, conforme prometera em Mateus 16.18.”

Embora vários outros teólogos pentecostais tenham o mesmo entendimento, reconhecidos exegetas rejeitam a ideia de Cristo ter descido ao inferno, e que o Paraíso tenha, em algum tempo estado sob a terra. Por isso, veem um sentido diferente para Efésios 4.8. Para esses, “cativeiro” seriam os inimigos de Cristo, por Ele vencidos na cruz: o pecado, o Diabo e a morte. Quanto a ter “descido às partes mais baixas da terra” (4.9), consideram se tratar da humilhação de Cristo, Sua encarnação ou, simplesmente, Sua descida à sepultura. Com algumas variações de entendimento, é como pensam, por exemplo, Matthew Henry, Louis Berkhof, Wayne Grudem, Norman Geisler, J. Rodman Willians e D. A. Carson. Mas é a primeira opinião aqui esposada que reflete o pensamento de antigos patriarcas da Igreja, como afirmam J. Wesley Adams e Donald C. Stamps, e que confere com a versão conhecida do Credo dos Apóstolos, que afirma que Jesus Cristo “foi crucificado, morto, e sepultado, e desceu ao Hades”. Expressão semelhante está presente no Credo de Atanásio (século IV a.C.).

Referências

ARRINGTON, French L; STRONSTAD, Roger. Comentário Bíblico Pentecostal. Novo Testamento. Volume 2, Rio de Janeiro: CPAD, 2009.

ASSEMBLEIA DE DEUS. Declaração de Fé das Assembleias de Deus. CPAD, 2017. 

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BÍBLIA. Português. Bíblia com Comentários de Antonio Gilberto. Antigo e Novo Testamento. CPAD, 2021.

Bíblia de Estudo Pentecostal. Antigo e Novo Testamento. Comentários de Donald Stamps. CPAD, 1995.

CARSON. D. A. Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2009.

Comentário do Novo Testamento. Aplicação Pessoal. Vol. 2. Rio de Janeiro: CPAD, 2009.

GEISLSER, Norman. Teologia Sistemática. Introdução à Teologia. Vol. 2, CPAD, 2017.

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2010.

HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento. Atos a Apocalipse. CPAD, 2008.

HORTON, Stanley. (ed.). Teologia Sistemática. Uma Perspectiva Pentecostal. CPAD, 1996.

KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia. Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2017, p. 397.

PRICE, Ross. et al. Comentário Bíblico Beacon. Vol. 9. Rio de Janeiro: CPAD, 2020.

RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p.262.

GILBERTO, Antonio (ed.). Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2009.

WILLIAMS, J. Rodman. Teologia Sistemática. Uma Perspectiva Pentecostal. Editora Vida, 2011.

por Silas Queiroz

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