Não sejamos como os “vendedores de pombos”

Não sejamos como os “vendedores de pombos”

Sabe-se que que os quatro evangelistas deixaram espaço para relatar a purificação de Jesus no Templo de Jerusalém. Todos, com exceção de João, descreveram essa parte na última semana da vida pública de Jesus que culminou na sua morte. À sua maneira, João traz-nos informações singulares, e a mais singular de todas foi, sem dúvidas, colocar no começo do seu Evangelho a narrativa da purificação do Templo (João 2.13-25). De forma colunada aos demais Evangelhos, outros elementos no texto de João saltam aos olhos do leitor. Na verdade, eu fiz isto e o resultado foi este breve artigo.

Nas primeiras linhas, pretendi destacar ao menos três nuances singulares no texto de João e, por fim, é proposta uma breve reflexão pastoral acerca de como se deve tratar a questão suscitada por Jesus nesse emblemático momento. Deve ser dito que apenas no Evangelho de João estão discriminados os animais vendidos no santuário, a saber: “... bois, ovelhas e pombos...” (João 2.15,16). Nos Evangelhos de Mateus e Marcos, é mencionado apenas um animal, o pombo. “E entrou Jesus no templo de Deus, e expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas” (Mateus 21.12); “E vieram a Jerusalém; e Jesus, entrando no templo, começou a expulsar os que vendiam e compravam no templo; e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas” (Marcos 11.15); e no Evangelho de Lucas, apenas o comércio é nos informado: “E, entrando no templo, começou a expulsar todos os que nele vendiam e compravam” (Lucas 19.45). Sendo assim, a mira de Jesus parece estar focada mais para os vendedores de pombos. Ademais, João é o único evangelista a colocar nas mãos de Jesus um azorrague (João 2.15). Nos sinóticos, as mãos do Mestre estão livres.

Decerto, o terceiro e último detalhe de João é o de maior interesse aqui. Ao contemplar o comércio no santuário, diz-nos João que Jesus direcionou suas palavras de reprovação apenas aos vendedores de pombos, dizendo: “Tirai daqui estes...” (João 2.16). Não há nenhuma palavra aos vendedores de “bois e ovelhas”. Isso não pode ser um descuido de João! Diferente dos bois e ovelhas – que foram libertados de suas cordas ou coleiras pelo próprio Jesus –, os pombos permaneceram engaiolados, pois Jesus ordena que esta ação seja realizada pelos próprios vendedores dos pombos. 

Agora, deve ser perguntado: qual é a “implicância” de Jesus contra os vendedores de pombos no santuário? Deve ser dito, antes de tudo, qual era a finalidade última dessa ave à vida do ofertante.

Segundo a prescrição mosaica, o pombo era utilizado na prática de holocaustos propiciatórios (Levítico 1.14-17), bem como nos sacrifícios de pureza corporal e expiação (Levítico 12.8; 15.13-33), pois através dos tais o ofertante reconciliava-se com Deus, no caso os pobres, visto que o custo era bem acessível para eles se comparada à oferta de animais como bois e/ou ovelhas. Os vendedores de pombos são, portanto, os que oferecem, por meio de dinheiro, a reconciliação com Deus e mercadejam seu favor às pessoas necessitadas. 

Tudo indica que Jesus, ao dizer “Tirai daqui estes”, quisesse apresentar outro pombo; na verdade, uma pomba, a do Espírito Santo, que desceu sobre Jesus no batismo no Jordão. “E João testificou, dizendo: Eu vi o Espírito descer do céu como uma pomba e repousar sobre ele” (João 1.32). Isto assim, a pomba do Espírito encerrou o sacrifício de pombos no santuário e ainda opôs-se a esta prática. A pomba do Espírito trouxe consigo pleno favor de Deus, além da pureza interna e externa e a expiação cabal sobre o ofertante através da Sua Graça, através da aplicação do sacrifício de Cristo. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (João 1.14). Dado curioso é que Jesus não ousou ir até as gaiolas soltar as aves (“... e disse aos que vendiam pombos: Tirai daqui estes e não façais da casa de meu Pai casa de vendas”, João 2.16). Antes, deixou para os próprios vendedores fazê-lo, como se quisesse nos ensinar que a decisão de abandonar esta prática é única, pessoal e intransferível. 

O que Jesus fez – segundo o relato de Mateus e Marcos – foi derrubar as belas e confortáveis cadeiras dos “vendedores de pombos” (Mateus 21.12; Marcos 11.15).

Nós, obreiros do Senhor, assembleianos, ao contrário desses vendedores, jamais tarifaremos os atributos de Deus a fim de refratar benesses para nós mesmos, como, aliás, fez o catolicismo marcantemente na Europa medieval com o que fizeram aos camponeses europeus, e nos dias de hoje essa prática é vivida entre as igrejas neopentecostais. Conservemo-nos pentecostais genuínos, cuja marca foi sempre levar o conhecimento e envolvimento com a verdadeira pomba, a do Espírito Santo, e não qualquer outra. 

Cabe a nós, nesses dias, praticarmos o que disse o Senhor Jesus: “Tirai daqui [da Sua igreja] estes...”.

por Douglas do Carmo

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