A relação do crente com o mundo

A relação do crente com o mundo

O que é o mundo e qual o significado do termo? Derivada dela é a palavra “mundanismo”; embora não seja encontrada na Bíblia, seu conceito está presente nela, como “paixões mundanas” (Tito 2.12). Nenhum crente é favorável à prática mundana. A reprovação desse estilo de vida é ponto inquestionável. Vejamos, segundo as Escrituras, como deve ser a relação do crente com o mundo. 

Termos bíblicos 

Há quatro palavras gregas no Novo Testamento traduzidas em nossas versões da Bíblia por “mundo”. São elas , “terra, solo”, em relação ao planeta terra; oikoumenē, “mundo, a terra habitada, mundo”; aiōn, “era, idade, período de tempo, período indefinido, um período do mundo, mundo”, diz respeito basicamente ao tempo sob o qual todas as coisas existem; e kosmos, “mundo, universo”, o sentido primário é “ordem, arranjo, ornamento, adorno”. O contexto indica o sentido da expressão, que pode ser cosmológico, o gênero humano, o planeta terra e o institucional, ou seja, como todo o sistema de coisas alienado de Deus. Nesse último conceito, o Novo Testamento exorta os cristãos: “Não vivam conforme os padrões deste mundo” (Romanos 12.2); “Vocês não sabem que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo se torna inimigo de Deus” (Tiago 4.4); “Não amem o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele” (1 João 2.15). O termo mais frequente no Novo Testamento para o pecado institucional são kosmos e aiōn.

O cosmos e o aiõn indicam o domínio físico: “Vocês são a luz do mundo [kosmos]” (Mateus 5.14); “Pela fé, entendemos que o universo [aiōnas] foi formado pela palavra de Deus” (Hebreus 11.3). Mas, em Romanos 12.2, “não vivam conforme os padrões deste mundo [aiōni]”, significa que não devemos nos moldar ao estilo de vida da conjuntura do momento. O apóstolo emprega esse mesmo termo grego em “o deus deste mundo cegou o entendimento dos descrentes” (2 Coríntios 4.4). A transformação de nossa mente e de nosso interior é pelo Espírito Santo (2 Coríntios 3.18) e isso repele o modelo mundano.

Mas, Tiago e o apóstolo João optaram pelo termo kosmos para indicar a ordem da sociedade em que viviam. Ambos afirmaram que quem ama o mundo “se torna inimigo de Deus” e que “o amor do Pai não está nele”. O mundo nessas passagens é o pecado, o sistema cultural alienado de Deus e não o gênero humano, pois o Senhor Jesus os ensina a amar as pessoas (Marcos 12.30, 31). No sentido físico, o mundo é a soma de todo o universo, o céu e a terra e todas as coisas (João 1.3, 10; Atos 17.24). O ser humano é uma raça caída; isso mostra porque as Escrituras apresentam o mundo como afastado de Deus, “todos pecaram” (Romanos 3.23); “o mundo inteiro jaz no Maligno” (1 João 5.19). Mas, por ser campo de atividade satânica, o cosmos é também objeto de salvação, pois Deus o amou a ponto de enviar Jesus como Salvador do mundo, e ao mesmo tempo é o lugar dos salvos (João 3.16; 1 João 4.14).

Significado histórico-teológico

Pensar sobre o mundo tem implicações com a cultura. Essa era a ideia que “os escritores do Novo Testamento com frequência tinham em mente quando se referiam ao ‘mundo’”, como bem escreveu D. A. Carson. O mundo que os apóstolos de Jesus e os primeiros cristãos enfrentaram era norteado pelo paganismo. De acordo com o Dicionário Teológico Beacon, o paganismo é “qualquer estilo de vida, sistema de valores e conjunto de crenças que não se baseiam em Cristo e nem na Bíblia”. Os pagãos do mundo pré-cristão são identificados na Bíblia como “gentios”. Os gentios, em hebraico gôyim, “nações, gentes”, são todas as nações fora do pacto que Deus fez com Israel, são todos os povos não israelitas. Quem não é judeu e nem cristão a Bíblia considera gentio; e “pagão” é palavra posterior que passou a ser usada para identificar o gentio bíblico. Segundo a Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, de Walter Ewell, o conceito de mundanismo, nos dias dos apóstolos, consistia nos teatros, nos jogos e na devassidão; ou seja, um epítome do império romano. A devassidão fazia parte da cultura greco-romana. Devassidão é libertinagem, licenciosidade, depravação de costumes.

H. Richard Niebuhr publicou em 1951 o livro Christ & Culture (Cristo & Cultura), publicado em português em 1967, que traz uma análise precisa da relação entre fé e cultura, cristianismo e civilização. Nele, o autor apresenta cinco respostas sobre essa associação: Cristo contra a cultura, o Cristo da cultura, Cristo acima da cultura, Cristo e cultura em paradoxo e Cristo como transformador da cultura. Ele define cultura em dez páginas, da 51 a 61. Trata-se de um trabalho acadêmico que teve grande repercussão na época, com o teólogo D. A. Carson escrevendo recentemente uma releitura dessa obra.

Há diversos conceitos de cultura e isso depende muito de lugar e época. Pode-se dizer que se trata de um estilo de vida envolvendo área material, intelectual e espiritual, incluindo valores morais, religiosos e políticos. Em nossa cultura, no Brasil de 2023, o mundanismo se caracteriza de maneira mais sutil no ceticismo, no subjetivismo, no relativismo e no indiferentismo moral e religioso. É o neopaganismo, a volta do pensamento dos sofistas gregos, de que “o homem é a medida de todas as coisas”, que está ganhando espaço na sociedade dos dias atuais, aumentando a cada dia os desafios da Igreja. A medida de todas as coisas é a Palavra de Deus.

Não são poucos os teólogos e clérigos que, ao longo da história da igreja, têm radicalizado seu posicionamento sobre Cristo contra a cultura. A base dessas práticas procede basicamente de interpretações literais das Escrituras. Essa maneira de entender o mundanismo vem desde a Antiguidade e continua ainda hoje. A reação extremista de Tertuliano e dos montanistas fazia mais sentido na época do que, por exemplo, os Amish de hoje, que se isolam da vida social nas regiões em que vivem. Visitei um grupo Amish em 2013, em Lancaster, na Pensilvânia, nos Estados Unidos, e algumas igrejas. Eles procuram manter o padrão de vida do século 19, não usam energia elétrica e nem andam motorizados, ou seja, nenhum tipo de veículo. Geralmente, os membros desses grupos não servem às forças armadas. Também se recusam jurar com uma mão sobre a Bíblia nos tribunais, dizendo “Juro dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade com a ajuda de Deus”, uma prática tradicional nos Estados Unidos.

É verdade que todo o sistema deste século está contaminado juntamente com as suas instituições, e isso envolve a cultura: sistemas econômicos e políticos, filosofia, educação, ciência, arte, medicina, música, diversões. Mas nada disso é pecado em si mesmo. A avaliação deve ser feita tendo em vista seus propósitos, como isso é vivido na prática e o estilo de vida dessas pessoas, se glorifica a Deus ou não. Em todas as áreas existem maus e bons representantes, crentes e descrentes, piedosos e ímpios. No pluralismo cultural, se busca o que é essencialmente cristão como expressão de fé.

O verbo “amar” em 1 João 2.15 e o substantivo “amor”, que o após tolo João emprega nessa passagem, significam mais do que afeto por alguma coisa; implica escolha. É a decisão de querer com fervor. A exortação é não amar o mundo “nem as coisas do mundo”. João não apresenta um catálogo e nem uma lista exaustiva do que há no mundo alienado de Deus, mas destaca três aspectos essenciais de mundanismo: “Os desejos da carne, os desejos dos olhos e a soberba da vida” (1 João 2.16).

Nosso desafio hoje

Os apóstolos desbravaram o mundo pagão com a mensagem de Boas Novas de salvação e, depois deles, a Igreja deu continuidade à pregação do evangelho, “despaganizando” o mundo. Hoje, o paganismo está de volta com o aumento do humanismo secular declarado, do relativismo ético, do hedonismo e do materialismo. Muitas nações ocidentais são mais pagãs do que cristãs.

Nós estamos no mundo, mas não somos do mundo (João 17.14-16); assim como Jesus estava no mundo, mas não era do mundo. “Ora, o mundo passa, bem como os seus desejos; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1 João 2.17). O mundo que passa é o sistema iníquo norteado por princípios que Deus condena. O apóstolo está falando em termos morais e não físicos. Mas, esse ensino tem também aplicação escatológica, na vida pessoal e de nações. A história mostra o destino desses povos que se levantaram contra Deus e contra o Seu povo.

Os valores de um estilo de vida afastado de Deus, muito em voga, servem de base para as instituições nacionais e internacionais apoiarem princípios que a Bíblia abomina. O pensamento da sociedade nunca foi alinhado com o propósito da Palavra de Deus, por isso o modus vivendi do mundo nunca foi padrão para a Igreja. A verdade pode resistir a esses ataques (2 Coríntios 10.3-5). É com ela que venceremos em nome de Jesus.

por Esequias Soares

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