Transferência de unção acontece hoje em dia?

Transferência de unção acontece hoje em dia?

Há narrativas bíblicas que parecem sugerir que há transferência de unção entre homens de Deus (Números 11.17 e Deuteronômio 34.9). Esse fenômeno realmente existe e pode acontecer hoje?

Uma subversão sem limites que se desenvolve em boa parte do meio evangélico está relacionada à interpretação do texto bíblico. Que há certas coisas difíceis de entendimento no texto bíblico é um fato preconizado por Pedro e que possibilita margem aos incautos para criarem as mais jocosas interpretações (2 Pedro 3.16). Entretanto, um homem de Deus comprometido com as verdades escriturísticas irá agir como Esdras, aplicando seu coração para entender, cumprir e ensinar bem a Palavra do Senhor (Esdras 7.10). Para isso se faz necessário conhecimento da hermenêutica bíblica, que forma a parte da teologia exegética que trata da reta inteligência e interpretação das Sagradas Letras, o caminho mais seguro para se evitar concepções próprias e não forçar o texto a dizer aquilo que ele não está dizendo. 

A transferência de unção é uma temática prolatada em muitos movimentos cristãos, defendida com uso de textos bíblicos, porém fora dos seus contextos e sem uma interpretação saudável. Não há nas páginas do Novo Testamento qualquer ênfase textual nem de Cristo ou de Paulo de que a unção e os dons podem ser transferidos. Os “apologistas” nomeiam aproximadamente sete tipos da transferência de unção. Vejamos algumas: transferência de unção para ministério no caso de Elias e Eliseu (2 Reis 2.9-15); transferência partilhada, no caso de Moisés (Números 11.16, 17); transferência de unção modificada, no caso de Moisés e Josué (Deuteronômio 34.9); e transferência de unção no efeito cascata, de Paulo para Timóteo, de Timóteo para homens fiéis, seguindo para os idôneos, e assim vai (2 Timóteo 2.2).

Buscando uma diáfana pelo texto bíblico no afã de se consubstanciar os argumentos em defesa da transferência de unção, o primeiro texto apresentado por seus proponentes é o de Gênesis 12.3, ratificando que a benção dada a Abraão foi transmitida para os que procuram viver em Deus. Assim, os tais passam a ter uma herança espiritual. Essa concretização foi falada por Pedro (Atos 3.25). Os textos de Números 27.18, 23 e Deuteronômio 34.9 dariam sustentação histórica e bíblica para o fenômeno da transferência de unção, afirmando que Moisés transferiu sua autoridade e espírito de liderança a Josué por meio da imposição de mãos. Ora, em momento algum as passagens mencionadas acima estão corroborando o ensino sobre a transferência de unção, o que já se prova que as regras relacionadas ao texto não foram respeitadas. No caso de Gênesis 12.3, é que da linhagem de Abrão iria vir Cristo, que cumpriria os propósitos divinos, dando salvação a todos os homens. Assim, os que aceitassem a Cristo, sendo novas criaturas, iriam fazer parte do grande projeto de Deus. 

Em Números 27.18, 23, não houve transferência de unção pela imposição de mãos. Na verdade, pelo tempo que já vinha servindo Moisés, Josué manifestou-se como um homem com características carismáticas, habilidades espirituais, que se podia provar na prática (Números 11.28, 29; 14.30, 38); nele já havia o Espírito (Números 11.17; 24.2). Desse modo, como foi fiel no pouco, agora seria colocado no muito. A imposição de mãos como ato simbólico só confirmava o que Deus já havia ordenado, além de ser um ato público que declarava perante todos que o tal estaria qualificado para aquela missão.

Por fim, na passagem de 2 Reis 2.9-15 não há nada que assegure o ensino da transferência de unção, quando Eliseu diz: “Peço-te que haja poção dobrada de teu espírito sobre mim”. A referida passagem vem sendo mal interpretada e usada como se tal pedido estivesse dando ênfase para que Eliseu recebesse em dobro o Espírito que estava sobre Elias. A regra é clara: a Bíblia interpreta a própria Bíblia. Lendo Deuteronômio 21.15-17, tem-se a expressão “porção dobrada” tratando-se daquilo que o primogênito recebia de seu pai como herança. Eliseu se considerava filho de profeta, pois fora chamado para assumir esse lugar de Elias (1 Reis 19.19-21). O próprio Elias deixa claro que não poderia fazer transferência de poder ou de unção, mas somente Deus. No caso de ser-lhe concedido por Deus presenciar sua subida ao céu, ele receberia a dita porção dobrada (2 Reis 2.10).

Na parábola das Dez Virgens ensinada por Jesus, as virgens prudentes disseram às loucas para que fossem comprar azeite, pois não poderiam conceder do que elas possuíam (Mateus 25.8, 9). O Espírito Santo é um dom gratuito e cada pessoa deve buscar seu próprio fornecimento.

por Osiel Gomes

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