João Jonas, o Apóstolo dos Sertões

João Jonas, o Apóstolo dos Sertões

Ele foi um dos mais notáveis evangelistas dos sertões brasileiros

João Jonas, como seu nome ficou conhecido no Brasil, nasceu na cidade de Budapeste, capital da Hungria, Europa Central, em 1886, e se tornaria um notável missionário que foi um dos pioneiros da Assembleia de Deus no Maranhão, Piauí e Tocantins.

Jonas serviu no exército húngaro na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), fato que o fez desenvolver um problema emocional decorrente de dois episódios: o primeiro, sua fuga aterrorizado de uma das sangrentas batalhas que vivenciou como soldado; e segundo, quando resolveu desertar e foi capturado com outros soldados, sendo todos amarrados e jogados ao mar para morrer, exceto Jonas, que foi poupado sob o argumento: “Vamos deixar este aí vivo, ele ainda é novo”. Ele nunca esqueceu desses dois episódios, de maneira que, segundo seu principal biógrafo, o pastor Rayfran Batista da Silva, líder da Assembleia de Deus em Santa Inês (MA), “pelo resto de sua vida, ele procurou sempre lugares em que se sentisse mais longe da possibilidade de tais problemas virem a se repetir” (SILVA, Rayfran Batista da. João Jonas: O Apóstolo dos Sertões. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2013, p. 24).

Outro fato que despertou esse seu trauma foi quando, já no Brasil, durante o período da Segunda Guerra Mundial, o governo Getúlio Vargas começou a perseguir, já a partir de 1938, estrangeiros que fossem vistos como apoiadores das nações do Eixo contra os Aliados. Para se ter uma ideia, Vargas construiu em 1942 campos de concentração no Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul que receberam 3 mil alemães, italianos e japoneses que moravam no país, um fato quase esquecido hoje em dia. Após a guerra, 90% deles foram soltos e continuaram a morar no país, enquanto os demais foram extraditados. Nesse período de perseguição, Jonas, que havia servido como soldado húngaro ao lado do exército alemão na Primeira Guerra, vivia com medo, escondido no interior maranhense.

A vinda ao Brasil se deveu a turbulências em sua vida na Europa. Após a Primeira Guerra, Jonas descobriu que sua esposa o havia traído, estando grávida de outro homem. E como se não bastasse isso, seu país passava por uma turbulência política, econômica e de segurança nacional que se estenderia até o final do século 20. Em 1919, o líder político judeu-húngaro Béla Kun (1886-1938)  liderou uma revolução comunista  no país, tomando o poder e fundando a República Soviética Húngara, que durou cerca de 4 meses e meio, caindo após forças militares, lideradas pelo almirante Miklós Horthy (1868-1957), retomarem o poder. Miklós assumiria o poder em 1920, a convite do parlamento, ficando no poder até 1944, quando o exército nazista resolveu tomar totalmente  o controle do país. Com o fim da guerra, os comunistas retomaram o poder na Hungria e Miklós, que serviu como testemunha no Tribunal de Nuremberg, foi exilado em Portugal. Em 1956, houve uma tentativa de revolução para derrubar o regime comunista, mas a revolta foi esmagada, até que o regime totalitário finalmente caiu no final dos anos de 1980.

Em junho de 1920, quando Jonas ainda estava na Hungria, foi assinado o Tratado de Trianon, criado pelos países vencedores da Primeira Guerra para “refazer a paz”. Esse tratado foi pesado para seu país, que perdeu 71% de seu território e 66% da sua população para outros países, como Romênia, Croácia, Eslováquia e Áustria. Os húngaros passaram a sofrer discriminação e a perder terras. Muitos deles, preocupados com a segurança, migraram para outros países. Nesse contexto e como já vivia também dificuldades de ordem conjugal, Jonas, que tinha duas fazendas na Hungria e um comércio em Berlim, resolveu dar à sua esposa e aos seus dois filhos uma de suas fazendas e o valor da venda do comércio na Alemanha; e dos poucos recursos que lhe sobraram das rendas do seu comércio e a venda da sua segunda fazenda, empreendeu uma viagem para a América Latina, onde pensava reconstruir sua vida.

Naquela época, Jonas professava a fé ortodoxa grega; porém, quando estava na Argentina, começou a ler a Bíblia e se maravilhou com a história da Igreja Primitiva no livro de Atos dos Apóstolos, desejando muito conhecer uma igreja em seus dias que fosse como aquela. Então, em 1932, depois de passar por alguns países da América Latina, chegou ao Brasil. Sua primeira estada foi em Manaus, dirigindo-se em seguida ao Pará, onde, na cidade de Santa Isabel do Pará, entrou em um culto na Assembleia de Deus local, então liderada pelo pastor Julião Silva. Ali, Deus usou três irmãos no dom de variedade de línguas, com os três entregando uma mensagem divina em perfeito alemão para Jonas, língua que ele conhecia muito bem. Imediatamente, entregou a sua vida a Jesus. Depois de passar um tempo ali, foi congregar na AD no Amazonas, onde foi batizado nas águas pelo pastor José Floriano Cordeiro. Também no Amazonas foi batizado no Espírito Santo.

Um fato curioso é que, como havia muitas línguas na região dos Balcãs, onde Jonas vivera, ele sabia falar 10 idiomas, de maneira que, ao ser batizado no Espírito Santo, os crentes tiveram dificuldade em identificar que ele havia sido batizado, pois pensavam que estava falando em uma das línguas que conhecia.

Pouco tempo depois, sentindo a chamada para pregar o Evangelho, Jonas foi autorizado com carta de recomendação pelo pastor José Bezerra Cavalcante, líder da AD em Manaus, a levar a mensagem de Cristo ao estado do Maranhão. Ele viajou de Manaus a Belém de canoa e dali a São Luís a pé. Era o ano de 1933.

Quando Jonas chegou no Maranhão, havia apenas dois pastores e 12 congregações da AD em todo o estado, e com a igreja na capital São Luís contando com apenas 60 membros. Conforme carta do missionário Nels Nelson datada daquela época e  republicada décadas depois na obra Despertamento Apostólico no Brasil (CPAD, 1987), aquele estado era um dos maiores desafios missionários nos anos de 1930. Como se não bastasse isso, não havia nenhuma promessa de ajuda financeira para Jonas e a população maranhense ainda enfrentava naqueles dias uma epidemia de hanseníase. Irmão Jonas sabia de tudo isso, mas foi para lá, pois se sentiu chamado por Deus para levar o Evangelho àquele lugar. Conta-se que sua oração era: “Deus, me dá almas para eu ganhar para Ti ou então tira a minha alma”.

No primeiro ano de trabalho no Maranhão, na Vila de Pedro II, atual município de Dom Pedro, irmão Jonas ganhou 40 vidas para Cristo. Em seguida, alcançou os municípios de Codó, Caxias, Colinas e Barra do Corda. Dentre os que ganhou para Jesus naquele início estavam jovens que seriam treinados por ele para serem obreiros e depois se tornariam grandes nomes na história das Assembleias de Deus no Brasil, como Alcebíades Vasconcelos, que lideraria as ADs em Belém, São Luís, Rio de Janeiro e Manaus, bem com a CGADB (1987-1988); Otoniel Alves Alencar, que liderou as ADs em Boa Vista, Manaus e Macapá; e Francisco de Assis Gomes (pai do pastor Geziel Gomes), que liderou as ADs em Pedreiras (MA) e Ilha do Governador (RJ).

Com a transferência do pastor Januário Norberto Soares de Pedreiras para São Luís ainda nos anos 30, a responsabilidade do irmão João Jonas aumentaria: ele assumiria agora a direção de 15 igrejas em 12 municípios diferentes do estado, com mais de 600 quilômetros entre os pontos extremos. Conta Emílio Conde que toda essa distância que o pastor Jonas percorria era “no lombo de burro, quando não a pé” (História das Assembleias de Deus no Brasil, CPAD, 2000, p. 86). Além disso, “as perseguições eram esporádicas”, como quando uma vez que “os inimigos do Evangelho quiseram matar o pastor João Jonas e alguns dos seus auxiliares. Houve mesmo ocasiões em que o pastor foi impedido pelos crentes de dirigir o culto, a fim de lhe evitarem a morte, pois os ímpios o queriam trucidar, mas Deus sempre deu vitória aos seus servos” (Ibid, p. 86). Em 1934, foi fundada a Convenção das ADs no Maranhão (hoje CEADEMA), com a primeira assembleia sendo realizada em Coroatá e com o primeiro ato convencional sendo a consagração do irmão João Jonas ao pastorado. Até então ele era apenas um evangelista autorizado.

O município maranhense de São Pedro dos Crentes era conhecido antes apenas como São Pedro. A mudança do nome se deu após a chegada de João Jonas. É que ele ganhou quase toda a população ali para Jesus, então resolveram mudar o nome do município para “São Pedro dos Crentes”. No Maranhão, pastor Jonas evangelizou ou ajudou a evangelizar 50 cidades, sendo o fundador das Assembleias de Deus na maioria delas. E o pioneiro não trabalhou apenas no Maranhão, mas também no Piauí, na Bahia e na região que hoje compreende o estado de Tocantins, também ganhando nesses lugares muitas vidas para Cristo e fundando igrejas locais.

Um dado marcante do ministério do pastor João Jonas é que todos que conviveram com ele testificam que ele manifestou em sua vida todos os nove dons do Espírito registrados em 1 Coríntios 12. Muitos são os milagres divinos operados através de sua vida que até hoje estão registrados na memória dos assembleianos maranhenses. Além disso, quando orava em um culto para Jesus batizar com Espírito Santo, pelo menos uma pessoa – quando não todas que estavam ali buscando a promessa divina– recebiam o batismo no Espírito, como ocorreu em duas igrejas batistas onde pregou, fazendo com que todos os membros dessas duas igrejas migrassem para a AD. O irmão João Jonas faleceu em 1965, com o legado de milhares de vidas ganhas para Cristo e igrejas fundadas em dezenas de municípios em quatro estados de nosso país, além de ter influenciado o ministério de pastores como Alcebíades Pereira de Vasconcelos, Otoniel Alves de Alencar e Estevam Ângelo de Souza. Não deixou bens materiais, apenas uma Bíblia e uma burra, que mandou vender para aplicar o dinheiro na obra de Deus.

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