Religiosidade, fanatismo e espiritualidade

Religiosidade, fanatismo e espiritualidade

Ritos, confissões, cânticos, assembleias, eventos, rotinas religiosas etc., são sinais externos e palpáveis que as pessoas demonstram como base para a sua fé. Em meio a esses ideais, se percebe e se vê ritos sem Deus e ritos que terminam criando deuses. Dois mundos distintos e variáveis. São essas expressões externas da fé que chamo de religiosidade, as coisas reais que dão segurança da existência daquilo em que cremos e confessamos. Por trás disso está o perigo de valorizarmos apenas dessas expressões externas da nossa fé cristã sem, no entanto, cuidar da parte interna, a espiritualidade. A religiosidade é, na verdade, a insensibilidade do homem religioso à própria Bíblia e aos ensinos de Cristo. Ela é ainda a prática somente da forma externa da religião e o esquecimento das ações da fé, que resulta do contato amoroso com Jesus e não com um “Deus” que se pode julgar dominá-lo pelos ritos e fórmulas mágicas. Ela tende a esconder ou disfarçar a realidade interna por trás de atos públicos que dão a impressão de dedicação à causa primeira de Cristo, quando na verdade não há compromisso com o Reino de Deus.

O fanatismo religioso, por Sua vez, é sempre irracional e infundado, ou fundado apenas para aqueles que o vivem. Em todos os casos, são pessoas que se alimentam de experiências pessoais emocionais, se tornando egoístas.

O fanático exalta o exótico, o extravagante, o mundo fora do comum, até mesmo fora da realidade do Cristianismo. Mas o fanático é sempre um “fogo de palha”, alguém que impressiona muito no momento, pelo seu ar de inerrância, de super “santo”, mas que, no entanto, é passageiro.

O fanatismo nos separa dos outros seres humanos, desprezando o próximo como indigno das mesmas experiências, ou taxando as experiências dos outros como puras “heresias”. Dessa forma, o fanatismo nos distancia do mundo real pelo envolvimento em atividades emocionais próprias ou de outros. Enfim, o fanatismo fica contente apenas com suas experiências emotivas, comoventes e infundadas sobre um determinado assunto, uma doutrina “nova”, doutrinas velhas revistas ou um comportamento.

Jesus reservou Suas críticas mais pesadas e suas advertências mais fortes para aqueles que somente se ocupam da religiosidade. Os fariseus ficaram na mira de Jesus, pois eram desses que somente valorizavam a forma externa da religião: “E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, a orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado” (Lucas 18.9-14).

Quanto à espiritualidade, somos desafiados por Jesus a buscá-la verdadeiramente. O texto de Êxodo 20.4-6 reconhece o perigo de substituir a fé verdadeira por atos externos. “Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor, teu Deus, sou Deus zeloso, que visi to a maldade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia em milhares aos que me amam e guardam os meus mandamentos”. Com isso não quero dizer que não devamos mostrar a nossa fé por elementos externos. Longe de mim. Fazer assim é bom e enriquece o símbolo cristão. Tendo isso em mente, podemos ter nossos atos externos de fé, quando as nossas práticas exteriores, na verdade, são reflexo daquilo que dispomos no nosso interior e do compromisso sério com Deus e Sua causa. 

O que quero advertir é que a espiritualidade tem a ver com as nossas atitudes, nossas ações decorrentes e motivos com que adoramos a Deus. A espiritualidade é participação ativa e alegre na vida em comunidade, que se baseia no compromisso pela causa do Evangelho e tende a ser solidário. A espiritualidade nos leva a sofrer junto com e por alguém, nos envolvendo com as dificuldades dos outros. Leva-nos a compreender as limitações de quem está caminhando junto com o outro; opera dentro das experiências normais e naturais da vida humana.

A natureza da espiritualidade é duradoura, embora menos espetacular. Leva a pessoa a relacionamentos humanos e compromisso de transformar o sentimento que o Evangelho de Cristo causou em nós em atitudes práticas com o próximo. Ela dispensa os significados preconceituosos de emoção.

A espiritualidade é compreendida como algo que faz o homem participar da vida. A vida atualizada, que cria possibilidades diante da finitude. A espiritualidade como amor é a tendência que conduz à união do que está separado. Esse amor é descrito como a reunião do que está separado para dar sentido à vida como atualização. Toda experiência de amor deve estar fundada originalmente numa experiência do ser doadora de sentido para Deus em nós e para o próximo. 

A espiritualidade é o amor que reúne os homens pelo bem superior, o bem do próximo, protótipo do amor de Deus pelo homem. Essa forma amorosa é colocada como mais elevada por estar mais próxima do ser do homem e do Ser-Deus. A espiritualidade é espiritualidade quando nos leva a amar a Deus, independente da forma exterior, e ao próximo, na sua forma mais real. Esse foi o imperativo da pregação de Cristo.

Eis o nosso desafio! Sem cair num vazio religioso, somos convidados por Jesus a buscar a verdadeira espiritualidade. A orar sem usar vãs repetições ou aquelas palavras mirabolantes, querendo encantar quem nos ouve orar. Somos chamados a ler a Bíblia sem nos orgulharmos da nossa capacidade de memorizar muitas passagens bíblicas e da capacidade de utilizar muitas palavras para ganhar outros em argumentos. 

O desafio também é para termos uma participação assídua na Igreja, sem aquela propaganda de nós mesmos. Somos chamados a praticar todos os atos de piedade, mas sem condenar aqueles nossos semelhantes que acompanham nosso ritmo de vida religiosa. É viver a nossa fé por termos um compromisso sério com a vontade de Deus e a pregação de Jesus, procurando fazer a Sua vontade com todo o nosso ser, sem desprezar o próximo e nem marginalizá-lo. 

Eis o desafio para a verdadeira espiritualidade. A verdadeira espiritualidade consiste no processo feito em nosso coração que se torna, no fim, na vivência da missão que nos foi dada por Cristo. 

Por Sérgio Pereira.

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