O apateísmo e a paixão pelo Reino

O apateísmo e a paixão pelo Reino

Ao longo da história da humanidade, sempre surgiram visões de mundo e manifestações de incredulidade em relação à existência de um Criador. Um dos movimentos culturais mais estridentes nesse sentido foi o neoateísmo, liderado pelo biólogo inglês Richard Dawkins e outros pensadores como Sam Harris, Daniel Dennett e Christopher Hitchens.

Adotando uma abordagem ativista e beligerante, o novo ateísmo popularizou-se na virada do milênio, com a publicação de livros, conferências e ações de marketing com a finalidade de atacar frontalmente a religião, especialmente a religião cristã. Além do livro de Dawkins Deus, um delírio, recordo da campanha publicitária que circulou em vários ônibus de Londres e em outras cidades do mundo contendo o slogan: “Provavelmente Deus não existe. Parem de se preocupar e aproveitem a vida”.

Apesar da repercussão, o neoteísmo perdeu fôlego e relevância nos últimos anos. Suas pretensões  parecem não fazer mais sentido na cultura contemporânea e cada vez mais as pessoas estão desinteressadas em discutir sobre a existência de Deus nos termos propostos pelo novo ateísmo. Na onda dos novos interesses sociais e culturais advindos da pós-modernidade, a grande maioria dos apoiadores de Dawkins se cansou dos debates tediosos e repetitivos, deslocando seus interesses e desejos para temas como justiça social, ideologia, sexualidade e o politicamente correto, assuntos desprezados pelo novo ateísmo. Agora, esse tipo de ateísmo combativo é mais uma figura icônica satirizada do que uma visão de mundo consistente para a vida das pessoas.

Todavia, no lugar do neoateísmo surge um novo tipo de ateísmo que desafia a igreja e os cristãos: o “apateísmo”. O termo é uma junção das palavras “apatia” e “teísmo/ateísmo”, e representa uma postura de desinteresse e desprezo em relação à crença ou descrença em Deus (ou deuses). Embora tenha raízes no ateísmo prático (viver como se Deus não existisse) e no deísmo (a ideia de que Deus não se envolve com o mundo e com a humanidade), o apateísmo não é um tipo de crença ou uma visão de mundo, mas uma atitude de vida. 

O apateísmo também não se confunde com o agnosticismo. Enquanto o agnóstico acredita não ser possível saber se Deus existe ou não, o apateísta não quer e não se importa em discutir sobre esse tema ou acerca do mundo espiritual. Tais assuntos são indiferentes para a sua vida.

Essa nova atitude para com as questões religiosas e espirituais parece explicar o motivo do declínio da frequência à igreja em várias partes do mundo. De acordo com o Public Religion Research Institute, tem havido um crescente “aumento dos não afiliados” à igreja na América do Norte. “Muitas pessoas não descreem especificamente no sobrenatural ou em Deus: elas simplesmente não se importam e não querem falar ou pensar sobre isso”(1). Nos Estados Unidos, o apateísmo é especialmente prevalente entre os jovens.

Estes dados encontram ressonância com os apontamentos da psicóloga Jean Twenge em seu livro iGen. Ao falar sobre o perfil da “Geração Z” (os nascidos entre 1995 e 2010), a autora mostra que esta nova geração é mais insegura, isolada, individualista e indefinida (em relação à sexualidade). Quanto à religião, eles são menos religiosos pública e privadamente. Além da desconfiança nas instituições religiosas, “um número crescente de jovens está se desligando totalmente da religião, tanto em casa quanto em seus corações”(2), principalmente por entender que a fé tem pouca importância em suas vidas.

Pelo fato de ser uma atitude de vida, manifesto pela apatia religiosa e espiritual, o apateísmo pode aparecer até mesmo naqueles que afirmam pertencer a alguma fé. Um estudo recente da Lifeway Research(3) descobriu que a apatia dentro da igreja foi citada como o desafio mais comum enfrentado pelos pastores hoje. Realizada em 2021, a pesquisa apontou que 75% dos pastores pesquisados listaram “apatia ou falta de compromisso das pessoas” quando solicitados a identificar aquela “dinâmica das pessoas” que consideram desafiadora em seu ministério. 

De  fato,  a  apatia  pode  manifestar-se na vida daquele que se diz cristão. Embora se declare crente, ele deixa de frequentar a igreja e de ter comunhão com os irmãos. Embora seja membro da igreja, não se preocupa em aplicar os princípios morais e espirituais das Sagradas Escrituras em sua prática de vida pessoal, familiar e profissional, como resultado não das fragilidades humanas, mas pela falta de compromisso e desinteresse em viver como um seguidor de Cristo.

Neste horizonte, é possível dizer que, nos últimos tempos, uma das maiores ameaças ao testemunho cristão não é o ateísmo, o neoateísmo ou agnosticismo, mas o apateísmo. A igreja é mais desafiada pelo desinteresse dos descrentes, do que pelos seus argumentos; mais ameaçada pela indiferença espiritual dos cristãos do que pelos ataques frontais à fé cristã.

Seja como for, ao enfrentar esse desafio, a comunidade cristã há de repensar a maneira como defende a fé. A igreja é instada a recordar que os obstáculos colocados no caminho que conduz a Cristo e o abismo cultural que separa as pessoas do evangelho mudam com o decorrer do tempo. Cada época tem seus desafios e empecilhos próprios, e isso exige consequentemente a adaptação da apologética, para que possa responder de forma efetiva às demandas do seu contexto social.

Em nossos dias, a apologética que se vale somente de argumentos lógicos e evidências materiais é incapaz de responder às perguntas e atender aos anseios das novas gerações, submersas em uma cultura frágil, alienada e ansiosa, onde as questões intelectuais se encontram em segundo plano. O escritor Josh McDowell, um dos mais renomados apologistas cristãos das décadas de 80 e 90, que usava uma metodologia tradicional para a defesa da fé cristã, percebeu a necessidade de uma nova abordagem apologética. Em seu livro Razões para crer, depois de apresentar um panorama da juventude da atualidade, ele escreve que “os jovens cristãos de hoje precisam mais do que uma postura estritamente modernista, que apele para o intelecto. E precisam muito mais do que o ponto de vista pós-moderno, que rejeita a verdade e exalta a experiência pessoal”.(4) Eles precisam de algo que dê sentido relacional para a vida.

Isso não significa, obviamente, desprezar os argumentos e as evidências que comprovam a veracidade das Escrituras, mas ter  em mente que as questões volitivas e existenciais ocupam lugar de destaque na mentalidade contemporânea. O problema da apatia e do desinteresse em relação à religião envolve falta de vontade, a partir da compreensão de que a existência de Deus é irrelevante para a sua vida em particular e para a sociedade em geral. Uma apologética sábia precisa reagir e responder (1 Pedro 3.15) de forma adequada aos questionamentos do tempo presente, evidenciando, além da racionalidade da fé cristã, as suas contribuições para a sociedade, a coerência de suas doutrinas fundamentais e o sentido que proporciona à vida humana.

Em relação aos cristãos atingidos pela apatia, não há outra alternativa a não ser a busca pelo vigor espiritual, compromisso e retorno ao primeiro amor. É preciso lembrar que a palavra “apatia” advém do grego apátheia e significa essencialmente ausência de paixão. Uma vez que a pessoa apática se encontra em estado de impassibilidade e insensibilidade espiritual, a confrontação ao apateísmo não se resolve com mais informações, mas, sim, com quebrantamento e reavivamento provocado pela Palavra de Deus e pelo Seu Espírito, que faz a pessoa voltar ao primeiro amor (Apocalipse 2.4-5). Somente o resgate do amor por Cristo e a paixão pelo Seu Reino são capazes de afastar a apatia espiritual.

Notas

(1) Disponível em: https://www.thepublicdiscourse.com/ 2018/08/21919.

(2) TWENGE, Jean M. iGen: Por que as crianças superconectadas de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e completamente despreparadas para a vida adulta. São Paulo: nVersos, 2018, p. 149.

(3) Disponível em: https://www.christianpost.com/news/the-rise-of-apatheism-and-what-it-means-for-christians.html.

(4) MACDOWELL, Josh. Razões para crer: apresentando argumentos a favor da fé cristã. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 33.

Por Valmir Nascimento.

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