O cristão tem de cultivar um espírito pacífico e promover a paz entre seus semelhantes
De acordo com as Bem-Ave nt u r a n ç a s do Sermão do Monte, o Senhor Jesus deseja que todo cristão atue como um pacificador, tanto na comunidade quanto na igreja (Mt 5.9). Jesus destacou a importância de não procurarmos por conflitos ou sermos a causa deles. Pelo contrário, devemos buscar ativamente a paz e nos esforçar para manter uma convivência pacífica com as pessoas ao nosso redor.
A Bí blia nos diz que o homem por si só não tem a paz (cf.
Is 26.3). Enquanto o homem não alcançar a paz com Deus, não terá paz consigo mesmo
e tampouco com o seu próximo. As Escrituras também ensinam que o nosso Deus é
“o Deus de Paz” (Rm 16.20; 2Ts 3.16; Hb 13.20). O Senhor Jesus é o “Príncipe da
Paz” (Is 9.6), que fez a paz conosco, nos reconciliando consigo mesmo (2Co
5.19-21; cf. Ef 2.11-22).
Trazer a paz é prerrogativa do caráter inefável de Deus. Ser
um pacificador, no sentido das Bem-Aven-turanças do Sermão do Monte, não diz
respeito apenas ao término da hostilidade entre as nações, mas primeiramente à
reconciliação entre o homem e Deus. Como afirma John Stott: “Não é nem um pouco
surpreendente, então, que a bênção particular associada aos pacificado-res seja
a de que ‘serão chamados filhos de Deus’. Eles buscam fazer o que seu Pai fez,
amando as pessoas a quem Ele ama. Deus ama a reconciliação e está agora
fazendo, por meio de Seus filhos, o mesmo que fez por meio de Seu Filho: reconciliando-nos
com ele”.¹
Uma definição etimológica
No Antigo Testamento – A palavra hebraica םוֹלָׁש, šhālôm, “paz”, carrega o
significado fundamental de bem-estar, prosperidade ou integridade, bem como a
ausência de hostilidade. EsSe vocábulo é a antítese de dano (הָעָר, ra’ah; cf. 1Sm 20:7; Jr
29:11; 38:4) e É sinônimo daquilo que é bom (בוֹט,
tov; Dt 23:6; Ed 9:12; Jr 33:9).
No Novo Testamento – O vocábulo grego ειρηνη, eirênê, tinha
primeiro o sentido de uma vida ordenada e próspera. Mais tarde, o conceito foi ampliado
para a paz interior e pessoal. Porém, o uso de eirēnē no Novo Testamento (90 ocorrências)
não reflete a cultura dos gregos. Ao contrário, a “pa z” no Novo Testa mento é definida
e enriquecida pelo šhālôm do Antigo Testamento. Em todos os usos teológicos do
termo, “paz” é algo enraizado no relacionamento com Deus e testemunha a
restauração dos seres humanos à harmonia interior e aos relacionamentos harmoniosos
com os outros. Nossas vidas, outrora perdidas no pecado, são restauradas e nos tornamos
em Cristo o que Deus originalmente pretendia que fôssemos. Em relação a isso, o
Dr. Donald Carson diz que: “As boas-novas de Jesus Cristo são a maior mensagem
de paz, e o cristão que dá testemunho e fala de sua fé é, basicamente, um
arauto da paz, um pacificador”.2
Paz baseada no perdão de Deus
O conceito de paz é muito mais amplo do que imaginamos. Já vimos
que é bem mais que mero cessar de hostilidades ou ausência de guerra; é antes
uma relação especial com Deus, como afirma o apóstolo Paulo: “Mas agora em Cristo
Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.
Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, tendo derrubado a
parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade...” (Ef
2.13-14). Aprendemos com o apóstolo dos gentios que Cristo, através da Sua morte
vicária na cruz, eliminou a distância que havia entre Deus e o homem por causa
do pecado. Paulo ainda afirma que Jesus é a nossa paz (Ef 2.14).
No Gólgota, o Senhor Jesus, na cruz, acabou com a revolta
que teve início do Éden, quando Adão rebelou-se contra Deus, tornando-se amante
de si mesmo, arrastando consigo toda a raça humana para a escravidão do pecado.
As Escrituras ensinam que todos os homens são pecadores, como afirma o apóstolo
Paulo: “Não há um justo sequer, não há ninguém. Todos pecaram e carecem da
glória de Deus” (Rm 3.10,25 cf. Sl 14.1-3; 53.1-3; 143.2). Nascemos pecadores e
o “salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). Quebramos a justa lei de Deus, somos
transgressores por natureza, todos os seres humanos são culpados por natureza.
Mas, na cruz, o Senhor Jesus reconciliou o homem com Deus e, por causa da cruz,
a pacificação ou a transformação de inimigos em amigos pode acontecer. Por esta
razão, o Senhor Jesus diz: “Bem-aventurados os pacificadores, por que serão chamados
filhos de Deus” (Mt 5.9). Assim como o Senhor nos perdoou dos nossos pecados (1Jo
1.7-9 cf. Mq 7.19), devemos perdoar o nosso próximo, reconciliando-nos com o
ofensor mesmo quando não temos vontade de fazê-lo, porque a Pala-vra de Deus
nos ordena (Mt 18.21).
O salvo como
pacificador
O Senhor Jesus nos chama não somente para viver a paz, mas também
para promover a paz. O obreiro da Seara do Senhor é antes de tudo um salvo em Cristo,
transformado, devendo buscar ser manso, humilde e limpo de coração. O obreiro deve
ser um pacificador (do grego, εἰρηνοποιοί),
ou seja, alguém que busca amar seus inimigos, abençoando quem fala mal dele e orando
por seus perseguidores (Mt 5.45). Um pacificador busca acalmar os conflitos e
tensões que surgem, sempre buscando uma solução pacífica. Um aspecto muito importante
da ação pacificadora encetada pelos ministros de Cristo é que o filho de Deus
procura a paz uns com os outros, na comunhão dos salvos. Muitas igrejas são
destruídas porque obreiros, líderes e membros recusam-se a assumir a sua
responsabilidade de promover e buscar constantemente a paz.
O pastor/obreiro como pacificador
Os conflitos ocorrem em todos os lugares e ambientes: na
família, no casamento, no local de trabalho e inclusive na igreja. Como diz um
teólogo que atua na mediação de conflitos, “onde há pessoas há conflitos”. A unidade
da Igreja é uma obra de Deus que temos o dever de manter. A desunião, os conflitos
e as contendas são um escândalo aos olhos do mundo e uma ameaça às igreja.
Como obrei ros do Sen hor, precisamos ser pacificadores,
lembrando o ensinamento das Escrituras: “Seja a paz de Cristo o árbitro em
vosso coração, à qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos”
(Cl 3.15). Deus nos chama para a paz e isso significa não apenas promover a paz
entre os nossos irmãos. Como diz o Dr. Alfred Poirier, “Jesus foi o exemplo
vivo do Pacificador encarnado, e nas Escrituras encontramos claramente um
chamado aos pastores para que sejam ministros da reconciliação. Assim, a
questão não é se o pastor deve ou não ser um mediador, mas sim que tipo de
mediador ele será (Mt 5.9)”.3
A história da Redenção é uma história de reconciliação, o ministério
pastoral é um ministério de pacificação (2Co 5.18-21). Cristo por essência e
Paulo por ofício são exemplos de mediadores. Logo, por que pastores e obreiros
não seriam?
Deus usa o obreiro pacificador para dissipar a ira, para ampliar
o entendimento, ensinar o arrependimento e promover o entendimento entre os irmãos.
Como pastores e obreiros, precisamos ser pacificadores, promover a
reconciliação nas relações da igreja, sempre comprometidos com a unidade da
igreja no vínculo da paz (Ef 4.3).
Às vezes, diante de conflitos, o obreiro pode até questionar
porque Deus permite que tais circunstâncias ocorressem na sua vida. O fato de
exercer o ministério não isenta a pessoa das dificuldades e até mesmo vicissitudes,
especialmente no que diz respeito aos conflitos dentro da igreja. Mesmo servindo
no ministério, chegará o momento da luta, da enfermidade, das oposições dentro
e fora; e mesmo que o obreiro não compreenda tudo bem, é preciso entender que
“todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28).
O desejo de Deus é que o obreiro encare os conflitos e
crises da vida como um treinamento ao qual o Seu servo precisa ser submetido. É
Deus afinando o Seu instrumento. Um pregador disse certa vez que “a aflição é o
cão do pastor”, isto é, não vem a nós para nos destruir, mas muitas vezes para nos
manter no caminho. O que o líder deve ter em mente é: o que posso aprender com esta
situação? 4
Pacificando os conflitos
Todos sabemos que igrejas passam por crises e desavenças. Sendo
assim, o líder pacificador precisa buscar resolver esses conflitos, o que não
poderá acontecer sem que o mesmo avalie a extensão do conflito. Nas situações
em que o líder não é parte do conflito, ele atuará como mediador entre as
partes. A experiência nos ensina que a maioria, se não a totalidade dos
conflitos da igreja, se dão por um espírito partidarista, pelo mau uso ou insubmissão
à autoridade, pelo enaltecimento de coisas secundárias acima das essenciais nos
relacionamentos e por questões meramente individuais. É neste cenário que atua
o ministro da paz, com ciência de sua necessidade e buscando a reconciliação.
Mediar conflitos nunca é fácil porque emoções muitas vezes
estão em jogo. Infelizmente, há alguns líderes que são os últimos a saber dos
conflitos que assolam a igreja. Na maioria dos casos, muita gente envolvida em conflito
procura esconder as suas contendas na esperança de receber o apoio do pastor.
Para a resolução dos conflitos, o obreiro pacificador precisa ter uma visão
adequada de como a Escritura trata os conflitos – de modo mais específico, como
a pessoa e a obra de Cristo representam a resolução de um conflito, o maior
deles, que é o pecado do homem contra Deus. O líder precisa conhecer as
proporções do conflito, Para tanto, precisa estar atento aos sintomas que apontam
a seriedade do conflito, e dentre eles destaco os seguintes:
• Grupos isolados (panelinhas) – Amigos se reunirem em grupos
é salutar, mas se isolar dos demais fragmenta o Corpo de Cristo, o que traz
divisões e conflitos. O líder jamais deve identificar-se com um ou outro grupo,
mas dar um tratamento igualitário a todos.
• Ausência – Quando as pessoas estão interessadas em mudar
de Igreja, a frequência aos cultos é irregular. Nesse caso, é bom que o líder
procure averiguar a razão da discordância. Se a resposta não for rápida, certamente
poderá haver um conflito com outras pessoas.
• Falta de comunicação – As pessoas, quando estão vivendo uma
situação de conflito na Igreja, tendem a se isolar e a deixar de se
comunicarem. O líder deve sempre procurar averiguar para buscar a resolução
para o problema.
• Desocupação – Muitas pessoas se sentem desanimadas por
congregarem por anos a fio sem sequer serem lembradas para qualquer atividade
na igreja.
Quando o líder deve interferir para pacificar
Muitas vezes o líder tem dificuldades em mediar o conflito
por não ter o respeito de ambas as partes, por isso evite a parcialidade. Se
ninugém pensar que você pende para uma das partes, as duas partes irão ver em você
alguém idôneo, que está oferecendo ajuda.
• Procure explicar às partes como o conflito divide a igreja
– Procure enfocar como um conflito entre irmãos pode afetar a vida da igreja.
Faça-lhes saber porque este conflito deve ser resolvido e que você, como pacificador,
está buscando uma solução onde todos sairão ganhando.
• Ponha limites no conflito – Deixe claro que você está à frente
da reunião. Esses limites dependem de como a situação se configura. O líder
pacificador deve procurar deixar as emoções fora da reunião sempre que
possível.
• Leve cada parte a apresentar seu ponto de vista sem atacar
a outra pessoa – O líder deve conseguir que cada parte apresente seus
argumentos como se fosse uma terceira parte observadora, deixando as emoções de
fora. Sempre que as emoções afloram, é preciso levar cada parte a
comprometer-se com a solução.
• Reflexão – Muitas vezes, diante de uma situação de crise e
divisões, a tendência do líder é ficar irado. Tiago alerta que “a ira do homem
não opera a justiça de Deus” (Tg 1.19-20), e o apóstolo Paulo assevera:
“Irai-vos, mas não pequeis” (Ef 4.26). O líder em oração deverá refletir sobre
os fatos. É nesta altura do conflito que o autocontrole agrega valor
incalculável. Já a ira piora a situação, ela estraga as coisas. Portanto, ore e
reflita.
• Confrontar o problema – Não deixe os problemas se acumularem.
Existem líderes que não buscam solucionar o problema no seu nascedouro, mas não
o fazer é criar o efeito “bola de neve” em sua congregação. É sempre mais fácil
resolver o problema em seu início do que mais tarde, quando já vai tomando forma
muito maior, cada vez maior. O líder pacificador não deve jamais subestimar a
extensão e a profundidade do problema. A medida que o problema vai surgindo, vá
diretamente à fonte, vá diretamente à pessoa envolvida no problema. Jesus
orienta que, na medida em que o problema surge, devemos falar com a pessoa
envolvida e não com outra pessoa (Mt 18.15-17). Como você, como líder, lida com
uma pessoa separatista? Lembre--se que a divisão tem destruído muitas igrejas.
Exemplo na
pacificação
Em horas de turbulência, as pessoas são guiadas pelo exemplo
do líder pacificador. O líder pacificador não poderá conclamar seu grupo ou sua
congregação para orar se ele não for um homem de oração. Ele não pode pedir que
seus liderados sejam submissos, se o mesmo não se submete aos líderes que estão
acima dele. O líder precisa ser o exemplo não para ser considerado alguém que
vive em um patamar inatingível, mas por seus exemplos ensinarem às pessoas a
como o cristão deve viver e exercer sua salinidade diante de tudo.
O obreiro pacificador precisa dizer como Gideão: “Olhai para
mim e fazei como eu fizer” (Jz 7.17). O mundo evangélico vive a crise do modelo.
Ninguém mais quer ser exemplo. É comum ouvirmos determinados pregadores
falarem: “Não olhe para mim, olhe para Jesus”. Como disse certo autor, “palavra
sem atitude é como bala de festim: faz barulho, mas não atinge ninguém”. Paulo diz:
“Sê o exemplo dos fiéis” (1Tm 4.12, ARC). Paulo destacou que o líder deve pedir
que seus liderados façam aquilo que ele próprio já fez: “Sede meus imitadores como
eu sou de Cristo” (1Co 11).
As ferramentas do pacificador
• Oração – A oração é o recurso mais poderoso que o líder dispõe.
Se alguém estiver zombando de você ou hostilizando, não enfrente as pessoas, mas
as apresente diante de Deus em oração. Ore e avance em direção aos objetivos propostos.
O Senhor o fortalecerá suficientemente para vencer os críticos através da
oração e da demonstração de amor prático, e assim você poderá concluir a obra
que Deus lhe confiou.
• Prudência – Diante da crise que se instaurou durante a construção
dos muros, Neemias aliou atitude à oração piedosa e dependente de Deus: “Mas nós
oramos ao nosso Deus e colocamos guardas de dia e de noite para proteger-nos
deles” (Ne 4.9, NTLH). Algumas pessoas tendem a minimizar a força dos
opositores. Neemias buscou a ajuda de Deus (“oramos ao nosso Deus”), mas também
agiu (“colocamos guardas de dia e de noite para proteger-nos deles”). Nós
pedimos ao Senhor que livre nossos lares de assaltos, entretanto nos levantamos
da oração e trancamos as portas e janelas. O Senhor Jesus nos mandou “vigiar e orar”,
isto é, confiar em Deus, crer em Sua providência, mas nos mantermos alertas.
• Fortalecimento – Você conhece os pontos francos do departamento
da igreja que está sob a sua responsabilidade? Você conhece as vulnerabilidades
de sua congregação? O líder sério não “fecha os olhos” para as debilidades, mas,
com coragem e humildade, procura fechar as brechas. Aprendemos com Neemias que
o verdadeiro líder, para ser bem-sucedido, precisa edificar e lutar ao mesmo tempo,
procurando levar novo alento ao povo para que continue na luta. O que mais
anima um grupo em uma situação de crise é ver a postura firme de seu líder. A
perseverança é uma virtude insubstituível. O pastor Rick Warren diz: “O líder é
o último a se entregar, o último a abandonar o barco. O líder se recusa a se
render”.29 É no momento do perigo que o líder procura manter seu grupo unido. A
pacificação não é simplesmente uma busca pela ausência de conflitos
interpessoais, mas por adequação “já e ainda não” do caráter do Deus da Paz. O
mesmo Deus da Paz aproveita o conflito, mesmo sendo consequência da Queda, como
desígnio da Redenção, o que é percebido ao longo de toda a narrativa bíblica.
Referências
1 STOTT, John e CONNELLY, Douglas, Lendo o Sermão do Monte
com John Stott, trans. Valéria Lamim Delgado Fernandes, 1a edição, Lendo a
Bíblia com John Stott (Viçosa, MG: Ultimato, 2018), p. 27.
2 CARSON, D. A. O Sermão do Monte, São Paulo: Editora Vida
Nova, 2019, p. 31
3 POIRIER, Alfred. O Pastor Pacificador, São Paulo: Edições
Vida Nova, 2011.
4 BARBOSA, Paulo André. A Alma da Liderança, [s.d.],, p. 86
5 WARREN, Rick. Liderança com Propósitos, Sâo Paulo: Editora
Vida, 2022.
por Paulo André Barbosa da Silva
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