Num sentido e eloquente desenho, alguém representou, através de poucas linhas, o Monte Moriah. O traçado quase infantil mostra, de um lado, um homem com vestes orientais subindo e, do outro lado, um cordeiro fazendo o mesmo. O artista fez questão de mostrar a simultaneidade do ato. Dessa forma, a subida de Abraão e a provisão do cordeiro seguem juntos para o desafio do alto, embora cada um deles ignore a presença do outro. O encontro dar-se-á no momento exato, apenas conhecido por Aquele que, de outra e superior perspectiva, também contempla o monte da provação.
O profeta Habacuque, em sua sede de justiça diante de tantas
atrocidades acontecidas em seus dias, clamou aos céus um “até quando” que
parece ecoar ainda no tempo atual. O até quando profético revela a indignação
de toda a alma que não pode se calar diante dos crimes de sangue, dos ataques
morais, do desvirtuamento da pureza das crianças, da dissolução dos valores, da
desenfreada cobiça que desrespeita todo e qualquer princípio moral e,
sobretudo, do esforço repetido em negar a validade e a força da Palavra de
Deus. Até quando? - pergunta o profeta, e sua voz é um eco, emanado no reverso
da História, da nossa própria voz.
Na língua hebraica, a pequena palavra é ‘ad’, e pode ser
traduzida por ‘até’ e, por extensão, por ‘até quando’. Será encontrada algumas vezes,
em sua expressão plena ou no sentido que carrega. Por exemplo, ao prometer a
terra a Abraão, o Senhor antecipou ao ancião que sua descendência seria escrava
no Egito antes de possuir a promessa. Estariam ali por muitos anos, pois a
‘medida das atrocidades dos amorreus ainda não havia se cumprido’. Infere-se,
portanto, que a posse apenas se daria quando tal limite tivesse sido atingido. Até
lá, o povo aguardaria, pois o Deus que distribuiu a Terra aos povos não
cometeria a injustiça de passar a outros proprietários a mínima porção dela,
sem que esses primeiros beneficiários justificassem a perda de sua possessão. O
termo amorreu, no sentido aqui empregado, refere-se a todos os povos que
habitaram a terra primeiramente destinada a Canaã, neto de Noé.
A justiça de Deus cumpre-se na doação, tanto quanto na ordem
de remoção e destruição dos povos de Canaã, decisão não respeitada por Israel.
Os que restaram de tais povos, tornados verdadeiros ‘espinhos nos olhos’ dos
israelitas, foram aos poucos assimilados pelos novos ocupantes, até seu desaparecimento,
tendo deixado, infelizmente, a influência das práticas e crenças do paganismo cananeu.
A falta de ação pronta no momento certo fez perpetuar exatamente aquilo que o
Senhor abominou e que levou à destruição canaanita.
É preciso lembrar que o ‘ad’ não reflete ações condicionais.
Pode parecer, num primeiro momento, mas o ‘até que’ não envolve a suposição do
que ocorrerá, mas a certeza, apenas suspensa pelo fio do tempo, no aguardo de
uma ação, resolução ou medida.
O rei Nabucodonosor conheceu a pequenina palavra no momento de
um delírio de soberba e vaidade. “Não é essa a grande Babilônia que eu
edifiquei para a casa real, com o meu grandioso poder e para glória da minha
majestade?” (Dn 4.30). A partir daí, num átimo, o homem passou de rei glorioso
a besta-fera do campo, – até que – conheceu que o Altíssimo tem poder sobre o
reino dos homens e a quem quer constitui sobre ele. Até que o conhecimento
viesse, que se iluminasse a mente do monarca, coisas terríveis lhe sobrevieram.
O pronunciamento daquilo que ocorreria, dado de forma sobrenatural, não
expressava uma possibilidade ou condição, mas era decreto de Deus. O término da
punição, contudo, estava cronometrado, de forma equivalente e simultânea, ao
entendimento do homem. Aqui, diferentemente da questão dos amorreus, o que se aguardava
era um nível de compreensão profunda da soberania divina.
Para reis ou para pessoas humildes do povo o ‘até que’ se manifesta.
Uma mulher viúva, temerosa de que seus filhos fossem transformados em escravos
para quitar as dívidas deixadas pelo marido, experimentou o mínimo e poderoso
vocábulo enquanto derramava azeite de uma pequena botija, fazendo o líquido
precioso fluir para vasilhas e vasilhas que seriam o futuro financeiro de sua
casa, até que acabaram os recipientes. A dádiva do azeite ocorreu enquanto a
necessidade expressa em vasilhas permaneceu. Até lá, fluiu; findos os potes,
findo o milagre da multiplicação.
A expressão de Habacuque talvez apenas ganhe força maior na resposta
do Senhor aos seus fiéis, mártires do período da grande tribulação, um vento
ainda futuro, mas já profetizado. “Até quando”, clamam eles, aguardando o agir de
Deus numa resposta às dores sofridas por amor ao Evangelho. E a resposta vem
como a necessidade de esperar até que se cumpra o número dos fiéis. A justiça
virá, a resposta ocorrerá, isso é certo e não está sujeito a condição alguma. O
tempo, porém, está mensurado segundo o completar da taça da ira, após a última
gota de um justo bebida pela terra, já tão encharcada e rouca em seu clamor,
desde os dias de Abel. Ainda que as primeiras testemunhas do Senhor já estejam,
no momento citado no Apocalipse, gozando do consolo celestial, após aguardar a
ressurreição dos mortos, é necessário que esse outro grupo bendito, egresso dos
terríveis dias da angústia de Jacó, aguarde o completar de seu número.
A meditação hoje aqui proposta quer dar voz ao clamor de
todos os que ainda aguardam com fé a libertação dos 59 reféns restantes, em
poder do Hamas. Talvez uma parte deles esteja morta, mas Israel precisa saber e
contabilizar suas perdas, além de consolar as famílias. Os sequestrados
precisam retornar, como já explanamos em outra ocasião, vivos ou mortos. Mas
fica a pergunta, nada original, uma cópia indisfarçável do clamor profético:
até quando, Senhor? Qual a medida de iniquidade ainda não satisfeita, que
entendimento ainda não alcançamos, que necessidades ainda não suprimos ou, que
número ainda está oculto aos nossos olhos até que o consolo cheque a Israel?
Até quando?
A promessa está claramente registrada pelo mesmo Habacuque, sobre
os dias de justiça que virão. Mas fica uma preocupação e um cuidado. Quando o
rei da Babilônia viveu o estabelecimento do decreto celestial, o texto declara
que, estando a palavra ainda na boca do rei, uma voz caiu desde os céus, dizendo-lhe:
“Já passou de ti o reino”. O detalhe reside em que a voz não foi dita, emanada,
expressa, mas em que a voz, literalmente, caiu (no original hebraico). Ora, voz
é som, ar passado por cordas vocais, produzindo ruído. O som é propagado em
forma de ondas e, portanto, não possui massa. Não possuindo massa, não possui
peso. Como pode, então, a voz cair (niphal)? Ao que parece, enquanto o ‘ad’ de
Deus aguarda a medida certa para acontecer, a palavra proferida, inquestionável
e irrevogável materializa-se. O som ganha substância outra, a palavra adquire
estrutura, a voz reveste-se de peso e, no tempo devido, não soa mais, mas cai. Ai
dos homens quando a voz cair sobre as terras do Oriente Médio! E que haja
recompensa para aqueles que ainda exortam, como Daniel fez ao rei: “aceita o
meu conselho e põe termo, pela justiça, em teus pecados e em tuas iniquidades, usando
de misericórdia para com os pobres; e talvez se prolongue a tua tranquilidade”.
por Sara Alice Cavalcanti
Compartilhe este artigo. Obrigado.
Postar um comentário
Seu comentário é muito importante