Pastor e jurista Valmir Nascimento Milomem fala sobre como o cristão deve lidar com a hostilidade aos valores cristãos nas instituições universitárias, como tornar a Escola Bíblica Dominical mais atraente aos jovens e adolescentes, e os desafios éticos frente à Inteligência Artificial
O entrevistado desta edição da revista Ensinador Cristão é Valmir Nascimento Milomem, pastor-auxiliar da Assembleia de Deus em Cuiabá (MT), mestre em Teologia, pós-graduado em Direito, doutorando em Filosofia Política e Social, presidente do Conselho de Educação e Cultura da Assembleia de Deus em Cuiabá, conselheiro e 3º vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), palestrante e conferencista, autor das obras “Entre a Fé e a Política” e “O Cristão e a Universidade”, ambas publicadas pela CPAD, dentre outros títulos, e comentarista de Lições Bíblicas Jovens da CPAD. Nesta conversa franca, ele fala sobre os ataques que os valores cristãos têm sofrido nas instituições de ensino no Brasil e exterior, sobre o advento da Inteligência Artificial e seus desafios, do papel da Escola Dominical de incutir o ensino bíblico nas mentes e corações, e sobre questões envolvendo a fé e a política.
O senhor tem trabalhado já há alguns anos com o tema da
fé cristã em meio ao ambiente acadêmico, inclusive com um livro publicado pela
CPAD sobre esse assunto (“O Cristão e a Universidade”). Como o senhor
avalia essa atual situação de hostilidade aos valores cristãos que muitas vezes
se manifesta nas universidades do Brasil, e não só aqui? E como, em linhas
gerais, o cristão pode enfrentar positivamente esse ambiente, colhendo frutos
para a sua vida e também sendo relevante nesse contexto?
Realmente, tenho me dedicado a este tema há alguns anos,
graças à minha experiência universitária e à minha atuação no evangelismo
estudantil, que resultou no livro “O Cristão e a Universidade”, pela
CPAD. Em primeiro lugar, é importante lembrar que a universidade é uma
instituição essencial na sociedade, desempenhando um papel central na formação
educacional, profissional e cultural. É oportuno lembrar que as primeiras
universidades europeias surgiram a partir da tradição cristã. No entanto, ao
longo dos anos, o processo de secularização e a mentalidade racionalista
levaram ao enfraquecimento da educação clássica, que buscava a verdade e o
desenvolvimento de virtudes humanas, substituindo-a por um estilo de ensino
relativista e com viés ideológico. Isso gerou diversos desafios aos cristãos
que frequentam a universidade. A hostilidade em relação à fé cristã nesses
ambientes ocorre principalmente porque muitas disciplinas contemporâneas,
especialmente nas ciências humanas e sociais, estão comprometidas com uma visão
política progressista que busca desconstruir os valores fundamentais do
Ocidente, legados pelo Cristianismo. No entanto, em vez de abandonar a
universidade, devemos, como cristãos, ser o sal da terra e a luz do mundo nesse
ambiente. Assim como Daniel enfrentou o ensino pagão do Império Babilônico e
permaneceu fiel a Deus, o cristão pode ingressar na faculdade, buscar uma boa
formação e usá-la para a glória de Deus. No entanto, isso requer preparo
bíblico, teológico e espiritual, destacando a importância de a igreja se
preocupar cada vez mais com esse tema.
Outros temas caros ao irmão são a Cosmovisão Cristã e os
desafios da Pós-modernidade, principalmente entre os jovens. Ora, sabemos que a
Escola Dominical, quando bem aproveitada, funciona como uma notável ferramenta
para sedimentar o ensino bíblico nos corações. Logo, diante dos desafios do
nosso tempo, quais são, a seu ver, as melhores formas de atrair ainda mais os
nossos jovens para a Escola Dominical e torná-la ainda mais relevante para a
vida deles?
Tenho enfatizado nas Conferências de Escola Dominical a
importância de adotarmos uma visão abrangente da fé cristã e sua relação com a
sociedade, especialmente para comunicarmos efetivamente a Palavra de Deus às
novas gerações. Caso contrário, nosso ensino será irrelevante, pois os nossos
jovens estão imersos em uma cultura midiática que apela a todos os seus
sentidos e desejos. A EBD dinâmica possui um enorme potencial para discipular
não somente as mentes, mas os corações dos jovens cristãos, a fim de enfrentarem
as questões desse tempo (1 Pedro 3.15). Para tanto, considero crucial que o
educador dessa faixa etária compreenda as características das gerações Y e Z,
seus traços de comportamento, expectativas e as motivações que os movem. Para
atraí-los, em primeiro lugar, o ensino precisa ser integral, ou seja, abordando
tanto os aspectos públicos quanto privados, mostrando o sentido da fé para a
vida em geral. Em segundo lugar, devemos usar sabiamente as novas tecnologias a
serviço do ensino. Terceiro, devemos empregar estratégias de comunhão e
pertencimento, pois o jovem se sente atraído por aquilo do qual ele se sente
parte e para o qual se sente útil.
Um dos títulos de sua lavra lançados pela CPAD é “Entre
a Fé e a Política”. Quais os princípios bíblicos fundamentais que devem
nortear o cristão em relação a esse tema, tão abordado pelos evangélicos nos
últimos anos, mas muitas vezes de forma distorcida? E como a Escola Dominical
pode ser um instrumento de conscientização correta desses princípios?
A Bíblia não é um manual de teoria política, mas, como o
livro revelado de Deus, ela oferece princípios para todos os aspectos da vida
humana, incluindo a política. Antes de tudo, é necessário desmistificar as
visões distorcidas desse termo e entender que a política nada mais é do que a
administração da vida em comunidade, pois Deus nos criou como seres gregários,
sociais. Eu destacaria os seguintes princípios: primeiro, todo poder emana de
Deus, por isso o apóstolo Paulo diz para nos sujeitarmos às autoridades (Romanos
13.1); segundo, “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Marcos
12.7) implica entender que estado e igreja possuem funções distintas, mas não
antagônicas. A igreja não pode querer assumir o papel de estado e vice-versa.
Terceiro, a política é necessária e importante, mas ela não é a razão da
esperança do cristão, pois só temos um salvador: Jesus. Como agência de ensino
da Palavra de Deus, a EBD tem o papel primordial de conscientizar a igreja a
respeito deste tema, demonstrando a necessidade da participação cívica dos
crentes. Isso envolve demonstrar não somente o exercício sábio do voto, mas
também outras formas de participação na sociedade, como o envolvimento com
questões do bairro e da escola. Por meio da Escola Bíblica Dominical, a igreja
pode compreender que tanto uma postura apolítica de afastamento quanto um
envolvimento excessivo e dependente da política governamental representam
riscos ao testemunho cristão. É fundamental equilibrar uma postura bíblica de
envolvimento cívico com uma firme convicção de que nosso verdadeiro Salvador é
Jesus Cristo.
Quais os desafios éticos que se levantam para o cristão
diante da ascensão da Inteligência Artificial?
Inegavelmente, a Inteligência Artificial (IA) é uma
realidade em nossos dias, levantando para os cristãos algumas questões
cruciais. Não há dúvidas de que a sua capacidade de processamento e de soluções
rápidas poderá contribuir em muitas tarefas cotidianas. No entanto, também
existem diversos riscos que devemos considerar. Por essa razão, é realmente
tarefa dos cristãos se envolverem proativamente com temas desta natureza, para
compreender e orientar outros sobre as implicações desses novos algoritmos que simulam
a inteligência humana. Embora seja um assunto amplo, gostaria de destacar três
aspectos importantes. O primeiro desafio está relacionado à existência e à
singularidade humanas. Considerando que o homem foi criado à imagem e
semelhança de Deus, a manutenção da vida é um princípio fundamental, juntamente
com a sua dignidade. Isso traz à tona questões atuais, como o transumanismo e a
busca pela singularidade alcançada pela tecnologia.
Outro desafio refere-se ao emprego da IA na tomada de
decisões. Embora o uso de informações e dados possam subsidiar deliberações, as
novas ferramentas tecnológicas não podem retirar a responsabilidade individual,
elemento crucial da antropologia cristã. Devemos refletir sobre como a tomada
de decisões automatizada pode afetar nossa compreensão de livre arbítrio,
moralidade e responsabilidade pessoal. Em terceiro lugar, há o desafio ético na
utilização da IA para a produção de conteúdo e educação. A facilidade de
captação de informações a respostas rápidas pode eliminar a leitura individual
e o estudo profundo, caindo na dependência das novas tecnologias.
Que conselhos o senhor daria para um educador cristão que
deseja ser relevante em seu ministério nesses tempos em que vivemos?
O educador cristão é, acima de tudo, um servo de Deus que
constantemente deve buscar a ajuda do Senhor, submetendo-se a ele em tudo. Nos
dias atuais, em um ambiente repleto de produtos e conteúdos digitais,
compartilhados e acessados em diversas plataformas que capturam a atenção da
juventude, não podemos conceber a educação cristã relevante sem abordar a
importância da educação contínua ou aprendizado ao longo da vida (lifelong
learning). Meu conselho, portanto, é que o educador cristão adote essa
postura consciente de adquirir novos conhecimentos e desenvolver novas
habilidades. Este conceito pressupõe uma atitude de abertura para aproveitar
todas as oportunidades de desenvolvimento em diferentes lugares e tempos. Adote
uma mentalidade de crescimento para constante atualização e inovação.
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