O exemplo de João Batista

O exemplo de João Batista


O ministério inspirador do precursor de do Senhor Jesus Cristo

Na abertura do Evangelho de João, encontramos uma síntese perfeita do ministério do precursor de nosso Senhor Jesus Cristo: “Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João” (João 1.)6. Neste texto, meditaremos sobre os episódios ocorridos na vida do profeta João Batista, da qual obteremos precisas lições práticas e lições da vida para a eternidade.

Quem foi João Batista?

1) Sua vinda ao mundo foi profetizada por Isaías (Isaías 40.3) e Malaquias (Malaquias 4.5). Observe Mateus 11.14;

2) O anjo Gabriel apareceu ao sacerdote Zacarias para dar-lhe a notícia de que ele seria o pai do precursor do Messias (Lucas 1.5-23);

3) Isabel, esposa do sacerdote Zacarias, “uma filha de Aarão”, era prima de Maria, a que seria mãe de Jesus (Lucas 1.5,6-36);

4) Seu nome foi dado pelo próprio Deus, pela boca do anjo Gabriel (Lucas 1.13,59-63);

5) Teve uma vida íntegra de santidade e espiritualidade na presença de Deus (Lucas 1.15);

6) No ato da sua circuncisão, a fala de seu pai lhe é devolvida (Lucas 1.57-66);

7) Quanto à sua infância, ele “crescia e se robustecia em espírito, estando no deserto até o dia em que havia de mostrar-se a Israel” ( Lucas 1.80);

8) Mesmo predestinado à missão de precursor do Messias, sua tarefa só teve início na idade viril, depois de ter passado vários anos isolado, em completa abnegação;

9) Iniciou o ministério, uns seis meses antes do Senhor Jesus;

10) Sua vestimenta era peculiar. “E este João tinha o seu vestido de pelos de camelo, e um cinto de couro em torno de seus lombos” (Mateus 3.4);

11) “... alimentava-se de gafanhotos e de mel silvestre” (Mateus 3.4);

12) O ponto culminante do ministério deu-se quando Cristo foi a ele para ser batizado (João 3.13-15);

13) João encerrou o período da história bíblica entre os dois testamentos (Lucas 1616).

Particularidades do ministério de João Batista

Apareceu pregando no deserto

O local era deserto, principalmente pela aridez, pelo vazio e solidão espiritual que havia séculos prevalecia entre o povo de Deus. Todos os evangelistas são unânimes em afirmar sobre a aparição repentina e singular deste homem, no contexto histórico contemporâneo a ele. Israel passava por um período difícil denominado, segundo as melhores histórias hodiernamente aceitas, de “período Inter bíblico” (entre a Bíblia, ou ainda, entre os dois testamentos) ou “período de silêncio”, um dos períodos mais tenebrosos da História. Este período, que durou aproximadamente quatrocentos anos, não houve manifestação profética. Israel havia perdido o alto privilégio de ouvira voz de Deus. “No Silêncio desesperador desses quatrocentos anos, o Senhor deixou que os esforços dos homens, na resolução dos problemas espirituais, falhassem; que à filosofia se desfizesse; que o poder material enfadasse as almas; que a imoralidade religiosa desiludisse a todos, mesmo os corações mais ímpios; que a corrupção dominasse, atingindo as raias da depravação e mostrando ao homem a inutilidade de tais sistemas e instituições”, diz Enéas Tognini.

Exatamente dentro desse cenário, o povo israelense é impactado por um homem vestido de pelos de camelo e um cinturão de couro em torno dos lombos.

João, ao aparecer, não discutiu a política de seu tempo, não debateu economia, não promoveu assistência social de seu país, não fundou uma religião voltada especialmente aos pobres ou a quem que seja, não procurou satisfazer interesses de qualquer ordem material. O profeta, cheio do Espírito Santo, pregou uma mensagem objetiva, clara, tocante, profunda e comovedora. Ao pregar, João não se preocupou com classes ou castas sociais, cultos ou incultos, preocupou-se, sim, em anunciar aquilo que lhe fora ordenado por Deus. O teor da mensagem era qual martelo, esmiuçando o coração inflexível, como fogo consumidor da palha seca, ou como o fundidor do aço duro, no íntimo daquele povo.

Após quatrocentos anos de silêncio profético, agora ecoava pelo céu de Israel, diretamente do trono de Deus, um brado veemente que atraiu multidões curiosas e pasmadas, que paravam para ouvi-lo atentamente: “Arrependei-vos porque é chegado o reino dos céus” (Mateus 3.2). O efeito da pregação logo se fez sentir, pois muitos dos que a ouviram “eram por ele batizados no rio Jordão, confessando seus pecados” (Mateus 3.6). Arrependimento à maneira característica do Antigo Testamento para expressar o arrependimento do homem para com Deus; consiste, pois, em voltar-se para o Senhor de todo coração, alma e forças (2 Reis 17.13; 23.25; 2 Crônicas 6.26; 55.7; Jeremias 3.12-14-22; 18.8; Ezequiel 18.21; 33.11-14; Daniel 9.13; Oseias 14.1-2; Joel 2.13; Jonas 3.10; Zacarias 1.3-4 e Malaquias 3.7).

No Novo Testamento, os temos, arrepender-se, metanoeõ, e arrependimento, metanoia, se referem basicamente a uma mudança de mente. É importantíssimo observar essa significação, pois o arrependimento consiste em uma radical transformação de pensamento, atitude e direção. De conformidade com a ênfase que atravessa todo o Antigo Testamento, e com aquilo que igualmente aparece no Novo Testamento, o arrependimento consiste em um abandono ao pecado e de um voltar-se para Deus e seu serviço. A coordenação da conversão, ephistrephõ, com o arrependimento, põe em relevo esse fato (Atos 3.19 e 26.20), bem como a frequência com que se voltar do pecado para Deus ocorre como sinônimo virtual de arrependimento (Lucas 1-16; Atos 9.35; 11.21, 14.15; 15.19; 26.18; 1 Tessalonicense 1.9 e 1 Pedro 2.25). O arrependimento consiste em uma revolução naquilo que mais é determinativo na personalidade humana, sendo o reflexo, na consciência, da radical mudança operada pelo Espírito Santo por ocasião da regeneração.

É um equívoco, entretanto, subestimar o lugar da tristeza e do ódio ao pecado, e do abandono do mesmo para que se abrace a Deus. É verdade que pode haver uma tristeza mórbida e morosa que não tem qualquer afinidade com o verdadeiro arrependimento. É essa a tristeza segundo o mundo, que opera a morte (2 Coríntios 7.10), exemplificada em Judas (Mateus 27.3-5), e Esaú (Hebreus 12.17). Porém, por outro lado, há uma tristeza, segundo Deus, que opera o arrependimento que conduz a salvação (2 Coríntios 7.9,10), sendo essa tristeza um ingrediente indispensável para o arrependimento evangélico. Essa tristeza é assinaladamente manifesta nos exemplos de arrependimento que a Bíblia nos provê (João 42.5-6; Salmos 51.1-17 e Lucas 22.62). Nem poderia ser diferente. Nada é mais relevante à nossa situação em relação a Deus, do que o nosso pecado. A salvação para a qual o arrependimento se dirige é a salvação do pecado.

A necessidade de arrependimento, como uma condição da salvação, é claramente inscrita no testemunho bíblico. Nosso Senhor deu início ao ministério público com a mensagem: “Arrependei-vos por que está próximo o reino dos céus!” (Mateus 4.17). Um dos anúncios finais do Mestre, antes da ascensão, foi que em seu nome fosse pregado o arrependimento para a remissão de pecados a todas as nações (Lucas 24.47; 13.3-5). Na desincumbência dessa comissão, nenhuma palavra se reveste de maior significação do que a de Pedro no Dia de Pentecostes (Atos 2.38). Com o mesmo efeito, encontramos a declaração de Paulo de que a alteração na administração divina da graça para com o mundo resultaria da morte e da ressurreição de Jesus. O apóstolo assinala, pela ordem divina, que todos em toda a parte se arrependam (Atos 17.30). Paulo sumariza esse seu testemunho, dado tanto a judeus como a gregos, como o arrependimento para com Deus é a fé em nosso Senhor Jesus (Atos 20.21).

A demanda de arrependimento é o testemunho de Jesus e dos apóstolos, bem como o fato que o arrependimento é para a remissão de pecados e para a vida eterna (Lucas 24.47; Atos 2.38; 3.19; 5.31; 11.18; 2 Coríntios 7.10) demonstram que não pode haver salvação sem arrependimento. Isso não interfere com a verdade complementar que somos salvos por intermédio da fé. A fé é o único instrumento da justificação. Todavia, a justificação não representa a totalidade da salvação, e a fé não é a única condição da mesma. A fé, desassociada do arrependimento, de fato não seria a fé que conduz à salvação. O caráter específico da fé é a confiança, a entrega a Cristo, porém, a fé sempre existe dentro de um contexto. O arrependi mento faz parte integral desse contexto. É vão perguntar: o que vem em primeiro lugar, a fé ou o arrependimento? Sempre aparecem paralelamente em exercício e se condicionam mutuamente. A fé é dirigida a Cristo, tendo em vista a salvação do pecado e visando a santidade e a vida. Porém, isso subentende a apreensão da misericórdia de Deus oferecida a Cristo (Novo Dicionário da Bíblia, pág. 140).

Veio como testemunha

Assim descreveu-o João (o evangelista): “Este veio como testemunha, a fim de dar testemunho da luz, para que todos cressem por meio dele” (João 1.7).

Não foi outra sua missão, senão a de testemunhar. Não deveria ser este também o nosso objetivo? A resposta obtemos na Bíblia: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e ser-me-eis testemunhas...” (Atos 1.8). O livro dos Atos dos Apóstolos aponta como sentimento de vida da igreja primitiva o testemunho da vida, morte, ressurreição e ascensão do Senhor Jesus Cristo, senão observe: “Ora, a este Jesus Deus ressuscitou; do que todos nós somos testemunhas” (Atos 2.32). “O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, ao qual vós matastes, suspendendo-o no madeiro; sim, Deus, com sua destra, o elevou a príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e remissão dos pecados, e nós somos testemunhas de tudo quanto fez, tanto na terra dos judeus como em Jerusalém, ao qual mataram, pendurando-o num madeiro” (Atos 5.30-32); isto basta para delimitar fundamentalmente nossa missão como filhos de Deus, numa geração cheia de pecado e de miséria. João Batista, mesmo perdendo a cabeça, não falhou; os apóstolos e a igreja também não. Nós de igual modo, em nada podemos ficar aquém dos desígnios eternos do nosso Pai.

Não era a Luz, mas veio para dar testemunho da Luz

João era apenas o reflexo da “verdadeira luz que alumia todo homem” (João 1.9). Sua luz era opaca em comparação à que anunciava. Sua humildade em reconhecer-se apenas anunciador da chegada do Messias é patente: “Então veio Jesus da Galileia ter com João junto do Jordão, para ser batizado por ele, mas João o impedia, dizendo: Eu é que preciso ser batizado por ti, e vens tu a mim? Jesus, porém, lhe respondeu: consente agora, porque assim nos convém cumprir a justiça. Então ele o consentiu” (Mateus 3.13-15). Devemos, tal como João, cuidamos para não sermos tentados em querer emanar nossa própria luz, lembrando-nos sempre que nós apenas refletimos a Luz de Cristo; somos a “luz do mundo”, porque Cristo em nós emana sua luz ao mundo. O Mestre, quando no ministério terreno, afirmou: “Eu sou a luz do mundo”. É esta luz que devemos irradiar para este mundo mergulhado em densas trevas.

O homem, em sua mesquinhez e em seu egoísmo, prefere os refletores da glória, os aplausos, os elogios, o reconhecimento, o orgulho. A vaidade nos entorpece, não nos dá a consciência de que tão-somente somos uns pálidos reflexos neste mundo, comparados com a luz daquele que, apesar de ser totalmente Deus e totalmente homem, como homem morreu, mas ao terceiro dia ressuscitou em um corpo glorificado, tendo subido à destra da Majestade nas alturas. Hoje Ele está entronizado entre querubins e serafins, habitando na luz imarcescível, coroado de glória e de honra. Cristo brevemente descerá do céu com poder e grande glória e reunirá pessoas de todas as tribos, línguas, povos e nações, para com Ele reinar eternamente em um reino que jamais terá fim. A Ele, pois, honra, glória, louvor e ação de graças, pelos séculos dos séculos!

Uma oportunidade no ministério de João Batista

“Iam ter com ele os de Jerusalém, de toda a Judéia, e de toda a circunvizinhança do Jordão” (Mateus 3.5).

A fama de João atraiu gente de Jerusalém, Judéia e adjacência do Jordão! Uma grande oportunidade havia sido aberta, João havia se tomado um pregador famoso. Aquele era o seu momento de glória. E não é isto o que muitos estão buscando? A eternização do nome? O posicionamento como mito? A oportunidade áurea havia surgido, agora era só formar um discipulado, criar uma denominação e o ministério poderia firmar-se aos olhos de todos denominacionalmente na história da humanidade, talvez com este nome distinguido em letras garrafais: “Movimento avivalista pós-período de silêncio profético”. Mas João não tinha este espírito. Ele não foi oportunista, apesar de ter todas as condições diante de si (João 1.20-21).

Moisés teve a mesma oportunidade como o maior vulto do Antigo Testamento, mas recusou a oportunidade oferecida por Deus: “E disse o Senhor a Moisés: até quando me provocará este povo? E até quando me não crerão por todos os sinais que fiz no meio deles? Com pestilência o ferirei, e o rejeitarei; e farei de ti povo maior e mais forte do que este” (Números 14.11-12). Sem dúvida alguma, foi a grande oportunidade de Moisés. Porém, ele colocou em primeiro plano a honra e a glória de Jeová: “E disse Moisés ao Senhor; assim os egípcios ouvirão; porquanto, com a tua força fizeste subir a este povo do meio deles; (...) perdoa, pois, a iniquidade deste povo segundo a grandeza da tua benignidade; e como também perdoaste a este povo desde a terra do Egito até aqui” (Números 14.13,19). Que grandes exemplos! João Batista e Moisés, tantos séculos separando um do outro, mas imbuídos do mesmo espírito; o alvo de ambos, era a glória do nome do Senhor, e não uma autopromoção. A intenção de João era de modo sublime, seu pensamento era nobre, estava consciente do seu trabalho, não tendo tempo para se preocupar com posição de destaque; de si mesmo declarou: “Eu, na verdade, vos batizo com água, na base do arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu, que nem sou digno de levar-lhes as alparcas, Ele vos batizará com o Espírito Santo, e em fogo” (Mateus 3.11).

João nunca se preocupou em captar a atenção dos seus seguidores para si; ele era o precursor consciente do Messias. Olha o que a Bíblia nos relata: “No dia seguinte João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1.29). Mesmo diante do povo, João não está nem um pouco preocupado consigo mesmo, muito pelo contrário, ele coloca Jesus à berlinda, dignificando-lhe as atenções. Que bela lição aprendemos com este homem! Sigamos seu exemplo, tendo em mente o que o próprio Cristo disse: “E eu quando for levantado da terra, todos atrairei a mim” (João 12.32). Levantemos bem alto Cristo imbuídos do mesmo espírito que dominou toda a vida de apóstolo Paulo: “Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Coríntios 2.20). Anunciemos tal qual o ensino deixado por apóstolo Pedro: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pedro 2.9).

Uma entrevista ousada

A fama de João atingiu não somente o populacho; chegou rápida também às autoridades, com uma grande diferença: o povo estava ávido por ouvir a “Voz de Deus” através do profeta, ao passo que as autoridades estavam apenas curiosas e espantadas com os acontecimentos dos últimos dias, especialmente com as pregações do Batista e com seu carisma ao atrair tanta gente para junto de si em tão pouco tempo. A pregação de João os incomodava, pois muitos se arrependiam e deixavam a ‘seita dos fariseus’, levando as autoridades a nomearem uma comitiva de pesquisa religiosa; seria a CPI da época, que se denominaria hoje Comitiva Protestante de Inquérito. A João Batista foi enviada: “E este foi o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para que lhe perguntassem: quem és tu? Ele, pois, confessou e não negou; sim confessou: Eu não sou o Cristo. Ao que lhe perguntaram: Pois que? És tu Elias? Respondeu ele; não sou. És tu profeta? E respondeu: Não! Disseram-lhe, pois: Quem és Para podermos dar resposta aos que nos enviaram; que dizes de ti mesmo?” (João 1.19-22). Observemos nos versículos apreciados que a última pergunta surgiu em decorrência de uma série de outras formuladas pelos inquiridores, com o propósito de perguntar-lhe: “Quem és tu?” Com uma resposta chave João poderia ter despedindo-os, porém, não o fez, conteve-se para não despedir a CPI, queria antes mostrar qual era a sua verdadeira missão.

Na primeira resposta demonstrou seu espírito humilde: “Ele, pois, confessou e não negou ‘eu não sou o Cristo’”. Quantos por este mundo afora tem se jactado, dizendo serem o Cristo. João não se arrogou, isto é, não tomou para si a glória, à medida que as perguntas surgiam, João enfaticamente negava-as, deixando sacerdotes e levitas intrigados, e ao mesmo tempo frustrados, a ponto de perquirirem-no dizendo: “Quem és?” Precisamos dar respostas a quem nos envia; por favor, responda-nos; queremos um relatório completo: “que dizes de ti mesmo?”. Este seria o momento, no qual o profeta poderia ter dito o que quisesse e com isso, não só galgar a admiração dos inquiridores, como também adquirir um grande conceito junto as autoridades. Bastava ele afirmar quem na verdade era. Era só dizer, eu sou o filho do sacerdote Zacarias e dona Isabel. Então vocês não ouviram falara espeito do meu nascimento? Não se dão contas de que foi algo extraordinário? Eu sou profeta, anunciado pelo anjo Gabriel, meu nome é João, o próprio Deus foi quem me deu este nome, os profetas Isaías e Malaquias vaticinaram a meu respeito e ainda mais, caso vocês não saibam, eu sou o precursor do Messias tão esperado por todos. Mentiria João se assim o dissesse? De modo algum! João, porém, preferiu o anonimato dando como resposta simplesmente umas poucas palavras que no seu conteúdo encerram empolgantes e preciosas lições. Aos seus interlocutores assim exclama: “Eu sou a voz do que clama no deserto”, foi tudo quanto o Batista disse de si mesmo, e realmente era uma verdade incontestável. Orlando Boyer, assim comentou sobre tão objetiva resposta: “Toda sua vida e todo seu ser falavam de Deus, sua própria pessoa era um grande sermão. Era o porta-voz de Deus. A boca do Batista tornou-se a boca de Deus falando; quando falava era Deus falando por meio de sua boca” (Espada Cortante, Volume III, PB. 371). E nós que estamos dizendo de nós mesmos? Será que não estamos fazendo o contrário do que fez João Batista? Por acaso não estamos preocupados demais com nosso status? A função que exercemos nos influencia, convergindo a glória para nossa pessoa? Nossas virtudes e capacidades são colocadas em nível mais elevado que Cristo? A glória que deveria pertencer a pessoa de Cristo não estará sendo usurpada, através de nossas pretensões, enquanto a luz radiante de Jesus está sendo colocada à margem, quando na verdade deveria ser a primeira a brilhar? Quão insensato é aquele que assim age! Caso tenha sido este o nosso posicionamento, é a hora de pararmos, refletirmos e descermos do nosso pedestal, cuja vanglória, orgulho e ambição só nos afasta de Cristo. Se quisermos ser beneficiados com sua santa presença, devemos, prostrado aos seus pés confessarmos nossas pretensões, considerar nossos descaminhos e nos colocarmos na posição que nos convém, que não é outro, senão, o de barro em suas mãos, a fim de sermos moldados dia após dia, para de fato nos tornarmos testemunhas intrépidas de Sua maravilhosa Luz. Se assim for o nosso procedimento, ao olharem para nós, e ouvirem de nós uma mensagem essencialmente cristocêntrica, dirão: Estes homens estiveram com Jesus; estes homens são ministros de Deus e despenseiros de seus mistérios.

A missão de um enviado

João Batista foi enviado para “preparar o caminho” com uma mensagem clara e específica para o momento. “Este termo faz alusão a pratica dos reis orientais. Muitas vezes arautos eram enviados a preparar as estradas para a chegada do rei. Os arautos ‘melhoravam’ as estradas velhas e construíam estradas novas. Às vezes era mister remover pedras que os agricultores jogavam nos caminhos, depois de arrancá-las da terra. Todos os arautos tinham a tarefa de elevar certas porções das estradas e rebaixar outras, isto é, aplainavam o terreno”. (O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, volume 1, pág. 286).

João foi movido pelo Espírito Santo de Deus para ser o precursor de Jesus e, assim sendo, iniciou a missão no deserto da Judéia, como já tivemos oportunidade de observar. Uma região insólita e muito pouco habitada. De fato, cumpria-se na vida daquele povo o que o profeta Isaías profetizou: “Porque eis que as trevas cobriram a terra, e a escuridão, os povos...” (Isaías 60.1). O ceticismo e a indiferença haviam ocupado o coração daquela gente, tanto dos que estavam no campo, como dos que estavam nas cidades. Eles estavam “assentados nas trevas e região da sombra da morte”. Mas, de repente, chega João Batista inflamado pela mensagem divina, trazendo um profundo avivamento no coração daquele povo através da sua pregação, mudando totalmente aquele triste quadro.

Com efeito, o “caminho do Senhor” de que João foi incumbido de preparar era o coração dos ouvintes para o Messias habitar (Lucas 1.17). No Evangelho escrito por Lucas, encontramos uma valiosa colaboração para acrescentar nossa compreensão, no capítulo três, versos sete ao nove, está o teor da mensagem: “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento, e não comeceis a dizer em vós mesmos: temos Abraão por pai; eu vos digo que até destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão, e também já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não dá bom fruto, corta-se e lança-se no fogo”. O estado da própria nação era aquele estado acerca do qual Deus, anunciando a cólera que iria abater-se sobre um povo rebelde, chamava as almas a saírem dele para o arrependimento.

De resto, se Deus vinha, é porque queria realidades, reais frutos de justiça, e não um povo que Dele apenas tinha o nome. Ele vinha no seu soberano poder, capaz de suscitar para si um povo que fizesse o que fosse do seu agrado. Deus vinha e queria a justiça em função da responsabilidade do homem, porque Ele é justo. Podia suscitar para si uma descendência de Abraão pelo seu divino poder, e isso até de pedras, se Ele assim o quisesse. É a presença, a vinda do próprio Deus que caracteriza aqui todas as coisas. Ora, o machado estava “já posto à raiz das árvores”, e cada um era julgado segundo os seus frutos. Não bastava chamarem-se judeus. Se gozavam deste privilégio, onde estavam os seus frutos? Lá onde Deus encontrasse frutos, segundo o seu coração, Ele reconheceria a boa árvore.

João dirige-se à consciência de todos. Tanto cobradores de impostos, que serviam de instrumento de opressão fiscal dos gentios; quanto os soldados, que executavam as ordens arbitrárias dos governantes pagãos e reis do império romano, eram exortados a deixar a iniquidade que se praticava habitualmente, segundo a vontade do homem, e fazer só o que o verdadeiro temor de Deus ensinava. João ensinava a prática da caridade à multidão. Aos que o interrogavam considerava-os raça de víboras reservadas para a cólera de Deus. A graça agia a respeito deles, advertindo-os do julgamento que estava à porta. João foi enviado com uma missão específica; assim nós também temos sido chamados pelo Senhor. Ouçamo-lo dizer: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda a criatura” (Marcos 16.15).

Dentre as múltiplas ocupações de um servo de Deus, a que passaremos a enfocar deve ser de cabal importância na vida e no ministério de todo obreiro chamado pelo Senhor, pois: “Aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus...” (João 3.3). O dever de cada enviado, em qualquer área que esteja atuando na obra de Deus, a exemplo de João Batista, é falar a Palavra de Deus. Para que isto aconteça, faz-se necessário que cada um dos que têm responsabilidade na obra do Senhor retorne à prática da íntima comunhão com Deus, através da oração e da meditação da Santa Palavra, levando em conta o que deixou registrado o profeta Jeremias: “Porque quem esteve no conselho do Senhor, e viu, e ouviu a sua palavra? Quem esteve atento à sua palavra e ouviu? (...) Mas se estivessem no meu conselho, então fariam ouvir as minhas palavras ao meu povo, e os fariam voltar do seu mau caminho, e da maldade das suas ações” (Jeremias 23.18,22).

Muitos saem direto de seus lares, ou do trabalho, para o culto, quem sabe em um longo trajeto tristes ou alegres, enfermos ou sãos; uns quais gigantes na fé, outros, porém, como o “pavio que está fumegando”, mas, o certo é que todos estão com fome e sede de ouvir a Palavra de Deus. Que grande responsabilidade a do obreiro do Senhor! Somos “despenseiros dos mistérios de Deus”. Perguntemos como perguntou o profeta Ageu: “Há ainda semente no celeiro?” (Ageu 2.19). A resposta será positiva se depressa recorrermos à Bíblia, fonte esta inesgotável, e eficaz Palavra de Deus. Cheguemos diante de Cristo através da oração, pois Nele “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Colossenses 2.3).

É questão de dever e honra ler e meditar na Palavra diariamente, pois, caso contrário, falaremos de nós mesmos, fracassando no eterno propósito de anunciar somente a Cristo. Se assim não fizemos, ficaremos sem mensagem e o precioso tempo será ocupado com elucubrações ocas de significação e real inspiração para o momento. Em vez de edificar o rebanho, fatalmente o levaremos à frustração, ao enfado, à inquietação e porque não dizer, até mesmo à murmuração. Durante o período em que estivermos orando, lendo e meditando, devemos estar conscientes de que a mensagem, cuja fonte principal é a Bíblia, necessitará ser preparada conforme nos é recomendado: “Fazei tudo para a glória de Deus” (1 Coríntios 10.31). João Batista não se exaltou na sua missão, pelo contrário, manteve-se humilde a ponto de exclamar: “É necessário que ele cresça e que eu diminua” (João 3.30).

Dias escuros na vida e no ministério de João Batista

“Sendo, porém, o tetrarca Herodes repreendido por ele por causa de Herodias, mulher de seu irmão Filipe, e por todas as maldades que Herodes tinha feito, acrescentou a todas as outras ainda estas, a de encerrar João num cárcere” (Lucas 3.19-20).

Conforme temos meditado, desde que João principiou o ministério no deserto da Judéia (Mateus 3.1), sua mensagem não era outra, senão convidar o povo ao arrependimento, fazendo-o ciente que o Reino dos Céus era chegado. A nação foi movida por sua pregação, pois vinham ter com ele a fim de ouvirem-no e muitos serem por ele batizados (Mateus 3.5 e Mc 1.5). João não se deixou intimidar; com altruísmo, utilizando termos enérgicos e desafiantes, censurou a falta de religiosidade dos fariseus e saduceus, que dele se aproximavam (Mateus 3.7). Atingiu, enfim, todas as classes da sociedade; sua pregação contou com mobilidade social (Lucas 3.7-14), porém chamou a atenção para Jesus Cristo, “O Cordeiro de Deus” (João 1.29-31), a quem também batizou no rio Jordão (Mateus 3.13-17).

Herodes, o tetrarca da Galileia, segundo Flávio Josefo (Ant. XII.5.2), era um “demagogo e pessoa perigosa”. Quando João o censurou por haver Herodes tomado a mulher de Filipe, seu irmão, enquanto este ainda era vivo, lançado foi João na prisão. Eis a censura em seu teor: “Não te é lícito possuir a mulher de teu irmão” (Marcos 6.18). Quando isto chega ao conhecimento de Herodias, passa a nutrir por ele um ódio incontrolável, a ponto de viver a espreitá-lo, procurando ocasião para matá-lo (Marcos 6.19). Tal qual Elias diante de Acabe, João Batista não teve receio nenhum de dizer a verdade; isto lhe custa caro, porém, sem titubear, proclama a verdade, mesmo tendo como preço a prisão.

Na prisão, João parece ter sido tomado de dúvidas; Jesus só havia começado o ministério na Galileia depois que João foi entregue à prisão (Marcos 1.14). Jesus pregava: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo, arrependei-vos e crede no evangelho” (Marcos 1.15). Tomando João ciência do ministério de Jesus, envia-lhe discípulos seus (Mateus 11.2), com a finalidade de interrogá-lo com a seguinte pergunta: “És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro?” (Mateus 11.3). Na vida do Batista, este foi um momento difícil: preso, solitário, sem amigos, a sofrer, padecendo quem sabe fome, frio e sede naquela gélida cela. Quantas vezes somos tomados por momentos de surpresa, quando em nossas vidas somos levados às escuras masmorras.

João não deveria ter duvidado. Não fora ele que afirmara: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo?”. Não havia ele exclamado a dois de seus discípulos, apontando Jesus como o “Cordeiro de Deus?”. Ele há pouco havia testificado: “Eu vi o Espírito descer do céu como uma pomba, e repousar sobre ele. Eu não o conhecia, mas aquele que me mandou batizar com água , esse me disse: sobre aquele que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o Espírito Santo. E eu vi e tenho testificado que este é o Filho de Deus!” (João 1.32-34). Estando João neste momento de crise, sendo humano como qualquer outro de nós, Jesus não lhe dirige qualquer palavra de censura por esta atitude. Ele compreende a situação cruel que João Batista estava passando.

A Bíblia fala a respeito de Jesus: “A cana trilhada não quebrará, nem apagará o pavio que fumega” (Isaías 42.3). Com a sabedoria que lhe era peculiar Jesus chama a si os dois enviados de João e lhes diz: “Ide anunciai a João as coisas que ouvis e vedes: os cegos veem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho, e bem-aventurado é aquele que se não escandaliza em mim” (Mateus 11.4-6). Os dois regressaram e transmitiram as boas novas a João, ele ouve, e a medida em que ouve, seu coração é tocado, suas entranhas se movem, a luz brilha em seus olhos, as dúvidas são dissipadas, a paz de espírito invade sua alma tomando conta de todo o seu ser, e em seu íntimo eu creio que João brada: Eu não me enganei, é Ele, não pode ser outro, Ele é o Cristo. Que satisfação para João ouvir tão comoventes palavras!

Assim também será conosco, se lançarmos aos pés de Jesus todas as nossas dúvidas e temores. Ele também nos dirá palavras confortadoras nos momentos de dúvida e temor de nossas vidas.

Os que se humilham serão exaltados

Como já foi observado, João nunca se preocupou com a glória para si, mas se esvaziou para buscar a glória Daquele que lhe enviou, buscou João aniquilar- se, porém, aquele que sonda os corações dele não se esqueceu. Quanto mais o Batista buscou esconder-se a ponto de dizer: “é necessário que ele cresça e que eu diminua”, mais Jesus o exaltou. Com razão, ensinou o Mestre por excelência: “Porque qualquer que si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado” (Lucas 18.14). O sentimento de João era nobre, era o mesmo sentimento que dominou a vida do apóstolo Paulo: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (Gálatas 2.20).

João se humilhou, reconheceu seu lugar, não se ufanou, porém, descendo, Cristo o exaltou. Quando os discípulos do Batista se retiraram, Jesus começou a dizer às turbas: “Que fostes ver no deserto? Uma cana agitada pelo vento? Sim, que fostes ver? Um homem ricamente vestido? Os que trajam ricamente estão nas casas dos reis. Mas então que fostes ver? Um profeta? Sim, vos digo eu, e muito mais do que profeta; porque este é de quem está escrito: Eis que diante da tua face envio o meu anjo, que preparará diante de ti meu caminho (...) em verdade vos digo que, entre os que da mulher tem nascido, não apareceu alguém maior que João Batista” (Mateus 11.7-11). Que maravilhoso ensino para todos nós. O apóstolo Paulo tinha razão em ensinar aos coríntios: “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1 Coríntios 1.31.

O próprio Jesus enfatizou: “Como podeis crer, vós que recebeis glória uns aos outros, e não buscais a glória que vem do único Deus?” (João 5.44). O apóstolo Pedro também asseverou: “Sede todos sujeitos uns aos outros, e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte” (1 Pedro 5.5b-6).

Que o Senhor nos ajude, dando-nos humildade bastante para estarmos sempre escondidos Nele e, caso sejamos exaltados, remetamos toda a glória a Cristo, atentando sempre para o que apóstolo Paulo recomendou: “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não da nossa parte” (2 Coríntios 4.7).

Fiel até a morte

O ministério de João foi muito curto, durou apenas seis meses. Ele estava preso, a morte rondava seu caminho. Malignamente, Herodias estava dia após dia encubando o seu próprio ódio por ele (Marcos 6.19). Herodes, por sua vez, o temia. Sabia que João era “varão justo e santo”. Herodes foi generoso para com o profeta, pois: “guardava-o com segurança, e fazia muitas coisas, atendendo-o, e de boa vontade o ouvia” (Marcos 6.20). Os dias passam. João continua preso, Herodias não desiste do intento. Durante o aniversário de Herodes, festa grande e cheia de convidados, o vinho é derramado à vontade nos cálices, Herodes perde o controle, embriaga-se, e em plena festa a dançar está a filha de Herodias; isto agrada a Herodes e aos que estavam à mesa. Chama a menina para junto de si e lhe diz: “Pede- me o que quiseres e eu to darei, e jurou-lhe dizendo: tudo o que me pedires te darei, até metade do meu reino” (Marcos 6.21-23).

A proposta era grande; indecisa, buscou o conselho de sua mãe: “Que pedirei?” (Marcos 6.24). O momento esperado chegara-lhe às mãos, sem titubear orienta sua filha: “A cabeça de João Batista” (Marcos 6.24). Amenina novamente, diante de Herodes, declara o macabro pedido: “Quero que imediatamente me dês num prato a cabeça de João Batista” (Marcos 6.25). Herodes espanta-se “Entristeceu-se muito”, mas, o que fazer? Palavra real não tem volta; o carrasco foi enviado, e prontamente a cabeça de João Batista é trazida num prato e dada a menina, que, por sua vez, entrega-a a sua mãe (Marcos 6.27-28). O capricho de Herodias foi satisfeito. Calou-se “a voz do que clamava no deserto”, porém, suas mensagens ressoaram e continuarão a ressoar por este mundo, pelos séculos a fora. Podemos afirmar sem sombra de dúvidas o que foi dito a respeito de Abel: “depois de morto ainda fala”.

por Natanael Santos

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