Quando todos pensam ter razão

Quando todos pensam ter razão


Sempre que nós erramos, que nos irritamos com algo ou vivemos uma situação conflitante, tentamos encontrar motivos para as nossas reações. Isso se dá pelo fato de que os problemas pessoais têm certo envolvimento emocional que diminui nossa objetividade.

Nossa tendência é resolver as questões conflitantes de forma indireta e tortuosamente, buscando ajustamentos e justificativas.

Mesmo usando nossa inteligência e razão para explicar nossos posicionamentos e motivos, nossas premissas podem estar erradas – por melhor que sejam nossas narrativas e exposições.

A verdade é que nossas carências por sermos respeitados pelos outros, somadas à tendência à racionalização, podem nos tornar incapazes de enxergar a realidade, e assim ficamos impossibilitados de resolver nossos conflitos de forma realista. E ao mentirmos para nós mesmos, só empobrecemos ainda mais nosso caráter, especialmente quando buscamos impor razões errôneas perante outras pessoas.

Carência afetiva

Nascemos carentes do outro. A princípio, quando bebês, temos a carência do cuidado do outro, que nos amamenta, nos embala, nos limpa e vigia nosso sono e saúde. Passados alguns meses, a carência passa a ser seletiva. Queremos o sorriso, a brincadeira, o brinquedo, as pessoas. Ansiamos pela atenção e por prioridade.

Crescemos, mas a carência permanece nos rodeando. Precisamos de amigos, de elogios, de reconhecimento e de afetos. Queremos que nossos amigos gostem de nós, desejamos que nossos professores nos elogiem e que nossos familiares nos amem. Ansiamos ter sempre a melhor ideia e priorizamos ter sempre razão.

Quando os pais, pares e cônjuges conseguem cobrir e modular nossas carências, nós conseguimos aceitar melhor nossos próprios equívocos. Afinal, precisamos aprender que nem sempre teremos razão ou daremos a última palavra em um assunto.

Disputas familiares

A família é o espaço onde somos formados. Na família aprendemos a nos expor, a negociar pontos de vista, a disputar e a ceder. Ela foi formulada por Deus para ser uma estrutura de apoio emocional, onde os afetos nutrem nossa autoestima e elevam nossa autoimagem. 

Cônjuges felizes formam um oásis em meio a uma sociedade completamente adoecida e caótica (Eclesiastes 9.9). Casamentos saudáveis formam filhos felizes, e sábios alegram a velhice de seus pais. Pais sábios e honestos dignificam os filhos; e netos bem-criados são a coroa dos idosos (Provérbios 17.6).

Contudo, conviver em família é algo complexo. Há muitos adultos colhendo os frutos da sua rebeldia na adolescência. Há muitos velhos que hoje sofrem por não terem sido mais obedientes na sua juventude. Há idosos que destrataram suas famílias quando mais jovens, mães que abandonaram seus bebês, pais que se ausentaram da infância dos seus próprios filhos. Todos estes colhem os resultados dos desafetos, e só mesmo uma conversão genuína, que agrega o incondicional amor e perdão divino, para aplacar parte dos sofrimentos e dos remorsos da vida pregressa.

Sabemos que ser adulto implica aprender que há formas diferentes de temperar as emoções, de expressar os afetos e de exprimir a inteligência, que é diferenciada entre as pessoas. Nossas vivências apontam sempre para o fato de que nem sempre seremos o centro das atenções, nem sempre teremos razão em uma discussão e nem sempre as pessoas vão nos deixar ganhar um argumento.

Quem tem razão?

Todos nós já fizemos juízos precipitados e errôneos. Muitas vezes, com a melhor intenção de ajudar e acertar, já erramos. E todos já encaramos pessoas teimosas disputando conosco quem tinha razão em uma situação. 

Sabemos que só encontramos a Verdade absoluta em Deus e na Sua Palavra, e que muitos dos conceitos e achismos humanos podem ser transitórios e falhos. Além disso, as razões humanas são muito complexas e podem ser contraditórias ou complementares em situações diversas.

Assim sendo, com exceção das verdades bíblicas, precisamos ter o cuidado de analisar muito bem nossas razões antes de defendê-las, e aceitar que nossas razões nem sempre serão, necessariamente, absolutamente corretas.

Assim, por inteligência ou pelo bem de um casamento ou de uma boa convivência com outros, podemos abrir mão de nossas razões e abraçar o ponto de vista alheio. Não precisamos agir como crianças birrentas, que exigem ser paparicadas, mesmo quando erradas.

Davi teve oportunidade de matar Saul, tinha razões para isto, mas não o fez. Abigail sabia que seu marido Nabal estava errado, e simplesmente renuncia a sua racionalidade, assume a culpa do seu cônjuge, agindo de forma sábia para salvar a sua casa. Jesus se esvazia da Sua glória e, irracionalmente do ponto de vista humano, morre na cruz, tornando louca a mensagem do Evangelho.

No mundo egotista e narcisista de hoje, onde todos apregoam suas razões relativas, não podemos renunciar às verdades absolutas do evangelho e tampouco dos nossos valores morais, familiares e éticos. Deus sempre terá razão – e ainda nos pede que apresentemos nossas razões para Ele (Isaías 43.26).

Assim, diante de Deus, e quanto aos valores de vida e fé inegociáveis, seja firme em sua defesa. Contudo, em questões menores, seja sábio. Aprenda a ouvir as razões dos outros. Repense se suas razões são realmente as mais práticas e coerentes. Avalie o quanto a paz em sua casa ou no trabalho são mais importantes do que simplesmente você ter razão. E quando for possível, renuncie às suas justificativas e razões.

Quando perceber que errou, assuma seus erros e enganos. A verdade é que a negação do erro, o isolamento da culpa do pecado e as tentativas para racionalizar nossos erros só nos afastam mais de Deus. Quando desempenhamos nossos papeis sociais e espirituais, fazendo o que Deus espera que façamos, isto nos torna mais felizes, normais, saudáveis e realizados. Afinal, não temos desculpas diante de Deus para grosserias, mau humor ou irritabilidade. Não devemos nos esconder atrás de frases do tipo “Eu sempre tenho razão!”.

Deus estabelece o padrão para a nossa vida na Sua Palavra, e Seu padrão é imutável. Filhos de Deus precisam ser íntegros, alegres, sábios, bem-humorados, inteligentes, amáveis, benignos, sóbrios e gentis. Nossa conduta deve ser irrepreensível, nossos pensamentos devem ser puros, nosso coração deve ser contrito e educável.

Jacó, que tinha tantas desculpas, quando responde a Deus em Betel sobre qual era o seu nome, não procura elencar as razões para ser enganador. Ele simplesmente se agarra a Deus, chorando, absolutamente submisso, mas totalmente determinado a ser abençoado. Ele chora agarrado a Deus, como um filho, desesperado e aflito, implorando por perdão, misericórdia, mudança em seu caráter e novidade de vida.

Quando Deus pergunta o seu nome, ele não engana, mente ou desvia o assunto. Ele não diz ser Esaú, como fez com seu pai Isaque. Ele declara ser Jacó, o enganador – e sua bênção advém da sua sinceridade, da sua contrição, do seu quebrantamento, da sua humildade e do seu arrependimento.

Somos falhos, mas bastante inteligentes para saber quando parar de discutir com pessoas que não têm razão, mas pensam ter.

por Elaine Cruz

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