Lições dos profetas para os dias de hoje

Lições dos profetas para os dias de hoje

O presente artigo tem por finalidade fazer uma breve reflexão sobre o Movimento Profético no contexto do Antigo Testamento, abordando questões referentes à sua importância política e religiosa e dos profetas para uma espiritualidade capaz de dialogar com a vida, em oposição ao Movimento Monárquico, que em sua hegemonia se corrompeu, trazendo uma triste experiência na caminhada do povo escolhido, onde a maioria dos reis fez o povo se distanciar do projeto de Deus, rendendo-se à idolatria, gerando dor, angústia, desigualdade, opressão, violência, dominação e exploração, tornando-se comum as expressões negativas sobre seus feitos, como relatam as Escrituras:

“Assim fez Salomão o que era mau aos olhos do SENHOR e não perseverou em seguir ao SENHOR, como Davi, seu pai” (1 Reis 11.6); “E fez Onri o que era mal aos olhos do SENHOR; e fez pior do que todos quantos foram antes dele” (1 Reis 16.25); “E fez o que era mau aos olhos do SENHOR e andou no caminho de Jeroboão e no seu pecado com que tinha feito pecar a Israel” (1 Reis 15.34); “E fez o que era mal aos olhos do SENHOR, como fizera Manassés, seu pai” (2 Reis 21.20).

É importante relatar que os profetas (heb. nabi`) são encontrados em vários momentos da história de Israel e da Igreja, inclusive nos dias atuais, porém o momento de maior expressão é o período conhecido como Movimento Profético, que surge paralelamente à monarquia, denunciando os abusos e desvios cometidos pelos reis, pela elite monárquica e por todos que a eles se associaram, ficando evidente em vários textos.

“E sucedeu que, vendo Acabe a Elias, disse-lhe Acabe: És tu o perturbador de Israel? Então, disse ele: Eu não tenho perturbado a Israel, mas tu e a casa de teu pai, porque deixastes os mandamentos do SENHOR e seguistes os baalins” (1 Reis 18.17,18);

“Então, Amazias, o sacerdote de Betel, mandou dizer a Jeroboão, rei de Israel: Amós tem conspirado contra ti, no meio da casa de Israel; a terra não poderá sofrer todas as suas palavras. Porque assim diz Amós: Jeroboão morrerá à espada, e Israel certamente será levado para fora da sua terra em cativeiro” (Amós 7.10,11);

“Ouvi isto, ó sacerdotes, e escutai, ó casa de Israel, e escutai, ó casa do rei, porque a vós pertence este juízo, visto que fostes um laço para Mispa e rede estendida sobre o Tabor” (Oséias 5.1);

“Ai dos que decretam leis injustas e dos escrivães que escrevem perversidades, para prejudicarem os pobres em juízo, e para arrebatarem o direito dos aflitos do meu povo, e para despojarem as viúvas, e para roubarem os órfãos!” (Isaías 10.1,2).

Os profetas, portanto, eram o avesso da sociedade monárquica corrompida. Boa parte da classe sacerdotal fora cooptada pela monarquia corrompida, mas os verdadeiros profetas mantinham-se firmes no seu compromisso com Deus e com o objetivo de restaurar a verdadeira religião proposta por Javé, baseada no amor, na justiça, na irmandade, no socorro aos que mais necessitavam e no combate à idolatria crescente. Eles erguiam as suas vozes em favor da justiça, da igualdade, contra a opressão, a violência e a injustiça, chamando a monarquia às suas responsabilidades e o povo ao arrependimento.

“Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos e cessai de fazer mal. Aprendei a fazer o bem; praticai o que é reto; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas” (Isaías 1.16,17). “Se voltares, ó Israel, diz o SENHOR, volta para mim; e se tirares as tuas abominações de diante de mim, não andarás mais vagueando” (Jeremias 4.1);

“Esquadrinhemos os nossos caminhos, experimentemo-los e voltemos para o SENHOR” (Lamentações 3.40).

“E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face, e se converter dos seus maus caminhos, então, eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra” (2 Crônicas 7.14).

Assim como os conhecemos, os profetas estão aí para iluminar, para interpelar, corrigir rotas e apontar caminhos. O perigo é querer silenciá-los de uma maneira ou de outra. Profetas calados são sinal de corrupção, pois assim diz a Palavra: “Não havendo profecia, o povo se corrompe” (Provérbios 29.18a).

A importância do Movimento Profético nas Escrituras é clara: os profetas apontam caminhos em meio à crise, consolam os que estão feridos e injustiçados, dão vozes aos pequenos e oprimidos e trazem a vontade de Deus para o povo. Muitos são a personificação da própria mensagem, pregavam com a autoridade de quem vive o que prega, estavam entre o povo, conhecedores dos choros, das angústias e dilemas do povo escolhido por Deus.

O estudo dos profetas pode “oxigenar” a vida da igreja, em momentos de crise e de relativização da mensagem. Ao reler o Movimento Profético, somos convidados a cultivar os mesmos valores vividos e pregados por estes homens do passado, que não se dobraram diante do discurso hegemônico da monarquia corrompida de seus dias, mas mantiveram-se firmes nos valores da Palavra de Deus, apregoando-a em todo tempo, a despeito de qualquer oposição e perseguição.

Ao olhar a conjuntura política, social e religiosa de nosso tempo, percebemos com clareza que precisamos de uma Igreja que cultive algumas das características encontradas no Movimento Profético. Os valores em nossa sociedade estão invertidos; a mensagem do Evangelho se encontra altamente ameaçada; em muitos círculos ditos cristãos “reinam” o sincretismo, o mercantilismo da “fé” e o materialismo. Nestes, o evangelho se resumiu a um punhado de conselhos para simplesmente viver de forma egoísta o aqui e o agora, sem nenhum laço profundo de comunhão com Deus ou com o próximo. O “deus” desta geração se parece muito mais com o “Gênio da Lâmpada de Aladim”, pronto a realizar desejos cada vez mais mesquinhos e individualistas.

Em contraponto, o Deus dos profetas sempre esteve interessado na comunhão do Seu povo, na quebra da idolatria, na renúncia de uma vida egoísta para uma vida onde a comunhão plena e o amor mútuo e desinteressado sejam partilhados. O Movimento Profético é de fundamental importância para a análise da espiritualidade vivida pelos personagens do Antigo Testamento e também do Novo Testamento. Jesus, inclusive, foi identificado como um profeta por preservar algumas características desse movimento. “E a multidão dizia: Este é Jesus, o Profeta de Nazaré da Galileia” (Mateus 21.11). A ação histórica dos profetas em meio ao povo pode e deve inspirar a práxis cristã do presente, a fim de termos uma igreja capaz de transformar a sociedade por onde passar, assim como os profetas o fizeram na conjuntura histórica relatada no Antigo Testamento.

É tempo de dar palavra à Palavra de Deus. É tempo de dar a palavra aos profetas. De verdade, com fé, com docilidade interior, com abertura à conversão, com fidelidade, com militância. É tempo de crer que o nosso Deus fala pela boca e pela prática dos profetas.

O grande desafio é atualizar hoje a mensagem e a vida dos profetas para revolucionar um “cristianismo” roto que prefere se encastelar ou mais uma vez se “monarquizar”, preferindo a pompa dos “palácios” ao invés do chão empoeirado onde jazem os oprimidos e marginalizados que precisam ser resgatados pelo poder da Palavra de Deus.

por Carlos Alexandre Ribeiro Dorte

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