A pregação bíblica e as línguas originais

A pregação bíblica e as línguas originais

O ano era 2010. O local era a Faculdade de Educação Teológica das Assembleias de Deus, em Campinas (SP). Eu era apenas um jovem de 18 anos que havia saído de uma pequena cidade do norte paulista com o anseio profundo de querer sentar-me aos pés dos mestres que eu conhecia apenas pelos livros. O curso era de três dias e possuía uma carga horária bastante exigente. Tínhamos aulas em três períodos, sendo cada um deles reservado a três ilustres e renomados ensinadores.

No segundo dia, pela manhã, estávamos todos assentados numa ampla sala, quando irrompeu nela um senhor de idade já avançada, gentil aspecto, usava óculos, de pequena estatura, trajado de forma simples, mas muito apropriada, segurando uma pasta. Ele ocupou a tribuna e quando lhe facultaram a oportunidade de ensinar, sem dúvida alguma, foram as duas horas mais breves que tive em minha vida. Ele abriu as Escrituras e nos explicou verdades espirituais com tanta destreza e unção, própria de um mestre pentecostal, que guardo aquelas palavras em minha memória até o dia de hoje, mesmo depois de passados todos esses anos. Eu estava tendo o privilégio de “estar aos pés” do saudoso pastor Antonio Gilberto.

Ouvir o pastor Antonio Gilberto expor as Escrituras era fascinante. O seu olhar clínico sobre o texto, seu zelo e cuidado sempre foram notórios. Mas o que mais me encantava eram as explicações que ele fazia do texto original. Aquela ferramenta clareava o texto de uma forma extraordinária.

Além disso, aqueles três dias me proporcionaram a oportunidade de estar próximo, mesmo que brevemente, do pastor Antonio Gilberto em ambientes informais. Tivemos conversas nos horários do almoço, no refeitório daquela instituição. Numa dessas conversas, ele aconselhava os mais jovens a se dedicarem ao estudo das línguas originais. Aquele conselho, juntamente com o que eu havia notado enquanto ele ministrava, despertou em meu coração o desejo de conhecer as línguas bíblicas. De lá para cá, empenhei-me nessa tarefa e vi aumentar o interesse por parte dos pregadores e ensinadores por essa área. Durante o meu percurso, cometi erros e acertos no uso dessa ferramenta exegética, de modo que, embora ainda esteja aprendendo, enumerei seis dicas importantes que ajudarão pregadores e ensinadores a usarem as línguas originais com responsabilidade.

A importância do estudo das línguas originais

Por que estudar os idiomas bíblicos? O conhecimento básico dos originais proporciona ao menos três grandes benefícios ao pregador e ensinador. Primeiro, o conhecimento das línguas originais ajuda a suplantar as barreiras linguísticas entre o leitor e o texto. Nossas Bíblias não foram escritas originalmente em nosso idioma. As Escrituras foram escritas em hebraico, aramaico e grego. Embora tenhamos muitas e boas traduções, muitos detalhes do texto original acabam se perdendo nesse processo de tradução. Acresce-se a isso o fato de que muitos vocábulos não encontram termos correlatos em nossa língua e na tradução são esvaídos do sentido lato. O acesso direto às línguas originais proporciona a oportunidade de suplantação dessas barreiras linguísticas. Segundo, o conhecimento das línguas originais ajuda a eliminar as barreiras da compreensão. Em nossa leitura bíblica, lidamos com dificuldades de compreensão em certas passagens. Alguns termos e expressões só podem ser entendidos mediante as línguas originais. Um exemplo disso é a passagem de Mateus 5.18. Nossas versões em português dizem que “nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido”. O leitor não consegue compreender o que o “jota” significa nessa passagem, a menos que veja no texto original que a palavra mencionada ali é “iota”, o nome da menor letra grega e que também correspondia à menor letra em hebraico, o “yod”. Veja como isso elimina a barreira da compreensão! Terceiro, o conhecimento das línguas originais ajuda a aumentar a clareza. Quase sempre a consulta ao texto original proporcionará maior nitidez. Um exemplo disso é a língua grega. O grego possui uma lógica profunda. É uma língua de grande precisão. A gramática, a sintaxe e a semântica são ricas. Essa precisão advém da riqueza do sistema de casos e verbos. Tudo isso deixa o texto repleto de ações verbais preciosos, que o tornam marcante. Todos esses três suportes serão refletidos no púlpito, durante a exposição da Palavra. 

Uma vez que compreendemos a importância que esse conhecimento nos proporciona, precisamos usá-lo com cuidado. 

Dicas para o uso das línguas originais

Em primeiro lugar, use com critério. Existe uma diferença sutil, porém vital, entre usar as línguas originais na preparação do sermão e na entrega do sermão. Durante a preparação do sermão, lidamos com questões técnicas da língua. Analisamos os casos, vemos o tempo verbal, observamos a voz do verbo, o gênero e o número. Lidamos com a sintaxe e a semântica. Tudo isso é realmente muito importante. Entretanto, não podemos levar todos esses detalhes técnicos ao púlpito, na hora da pregação. O bom pregador fará uso desse conhecimento, mas saberá usá-lo com sabedoria. 

Em segundo lugar, use como um meio facilitador e não complicador. Essa dica está atrelada ao que foi dito anteriormente. As línguas originais precisam ser usadas como ferramentas para facilitar a compreensão da passagem. Ser profundo sem deixar de ser simples é o grande desafio, haja vista que muitos dos nossos ouvintes são pessoas de pouca escolaridade. Procure citar somente aquilo que facilitará a compreensão do texto em apreço. Não precisamos aborrecer a congregação com lições de sintaxes desnecessárias. É claro que podemos citar, em alguns casos, a sintaxe, desde que isso seja uma informação que elucidará a compreensão dos ouvintes.

Em terceiro lugar, cuidado com as fontes pesquisadas. Se no passado tivemos a Idade Média, hoje vivemos a chegada da “Idade Mídia”. Com ela também chegou a internet e a tecnologia, facilitando o acesso à informação e ao conhecimento. Isso produziu inúmeros benefícios, mas também gerou malefícios. Um desses males é a informação errada ou distorcida. Em relação aos idiomas bíblicos, há excelentes ferramentas eletrônicas para a pesquisa, mas devemos tomar cuidado ao consultar aplicativos e sites que fornecem informações sem mencionar as fontes. É importante que o pregador tenha material de qualidade em sua biblioteca. Procure ter acesso a gramáticas e léxicos que sejam referências. 

Em quarto lugar, ao citar as línguas originais, não despreze ou desvalorize as traduções. As boas traduções possuem o seu valor. Por vezes, no afã de querermos mostrar a profundidade de uma passagem no original, cometemos o erro de menosprezar nossas traduções por não terem captado o sentido do texto. Além disso, precisamos ser responsáveis para não criar dúvidas nos ouvintes sobre a Palavra de Deus quanto às traduções em português.

Em quinto lugar, fuja da “síndrome do pavão”. O pavão costuma se exibir abrindo o leque de penas. Há pregadores que, à semelhança do pavão, citam o texto original com a única finalidade de se exibir, mostrando que possuem conhecimento. Jamais podemos ter esse objetivo. Não podemos usar essa ferramenta como meio de ostentação, nem como meio de nos sentirmos superiores. A pregação tem por finalidade exaltar Cristo e não o pregador. 

Em sexto lugar, fuja da “síndrome do papagaio”. O papagaio, embora não saiba articular a fala por si só, é um pássaro que repete o que ouviu. Há muitos pregadores que, à semelhança do papagaio, reproduzem o que ouviram sem nunca terem estudado. Já vi pregadores que não tinham domínio nenhum sobre as línguas originais citar vocábulos erroneamente, como se fossem peritos. Se há uma coisa pior do que não saber é fingir saber. Vivemos a era do complexo de expert, onde todos julgam saber sobre tudo. Como ministros do Evangelho, devemos ser sinceros e andarmos na verdade, especialmente no púlpito. 

Que possamos, com a ajuda do Espírito Santo, nos aperfeiçoar no estudo e na exposição das Escrituras, usando todas as ferramentas possíveis, sem, contudo, perder a simplicidade de Cristo. 

por Weder Fernando Moreira

Compartilhe este artigo. Obrigado.

Comentário

Seu comentário é muito importante

Postagem Anterior Próxima Postagem