Implicações da cantiga que elogiou Davi

Implicações da cantiga que elogiou Davi

Observamos em 1 Samuel 18.7 a canção entoada pelas mulheres israelitas que comparavam as realizações de dois heróis do povo hebreu: o soldado Davi e seu comandante e chefe, o rei Saul: “Saul matou os seus milhares, Davi os seus dez milhares”. É patente que, nesta comparação, Saul estava sendo diminuído e Davi maximizado. Todos nós sabemos que Davi representa uma das mais importantes figuras da história de Israel ao fundar uma dinastia que conduziu parte dos acontecimentos do Reino Unido e que se perpetuou em Judá por muitos séculos. Davi elevou a força de Israel no cenário internacional. Não podemos duvidar da grandeza de quem foi Davi e do que representa na história judaica; todavia, nesta cantiga popular, o filho de Jessé estava apenas no começo de sua história. Tamanho realce é no mínimo instigante. A primeira pergunta a se fazer é: como o jovem pastor conseguiu construir esta imagem vitoriosa em tão pouco tempo?

Em primeiro lugar, a construção dessa imagem não foi forçada. Ela se deu de forma natural. O começo de tudo está na unção que recebera (1 Samuel 16.12). Deus havia selecionado o jovem pastor de ovelhas para ser o futuro rei da nação. A escolha divina não se dava por critérios exteriores, mas por sua essência (1 Samuel 16.7). O jovem ruivo, pequeno, de formosa aparência, possuía atributos interiores que o habilitavam a postos majorados. Ninguém conseguia detectar isso, nem sequer sua família, mas Deus consegue enxergar o que está oculto. Essa constatação é importante, visto que a figura pública de Davi não destoava de sua identidade privada. Antes de triunfar diante dos olhares humanos, se mostrou íntegro diante de Deus.

Davi era um homem de oração e fé, cheio do Espírito de Deus (1 Samuel 16.13). É interessante que, no versículo seguinte, o texto bíblico registra que “o Espírito do Senhor retirou-se de Saul” (1 Samuel 16.14). Enquanto Davi está em caminhada ascendente, Saul está em declínio. Isso fica evidente no episódio que envolve o confronto com o gigante Golias. Saul teme e se esconde. Davi crê e se apresenta. Saul reúne experiência de guerra, armadura e estatura elevada: dos ombros para cima sobressaía a todo o povo (1 Samuel 9.2), mas era destituído de coragem. Davi é um simples jovem, que leva comida para seus irmãos a mando de seu pai, nem sequer tem uma armadura, porém seu coração está transbordando pela presença de Deus e por isso ele crê com todas as forças que o Senhor Ihe dará a cabeça do gigante como troféu (1 Samuel 17.45,46).

Outra questão a ser destacada é que Davi não intencionou a popularidade. No mundo contemporâneo, presenciamos o fenômeno de pessoas que buscam a fama a todo custo, obstinados pela sedução megalomaníaca dos holofotes. Davi não quis protagonizar as cantigas israelitas. Esta não era sua meta de vida. Na verdade, aquelas canções lhe causaram mais ônus do que bônus, uma vez que lhe colocaram no radar da fúria e da inveja de Saul, desencadeando-lhe o sofrimento de uma perseguição implacável.

O sucesso repentino de Davi se justifica pelo encontro exato entre a oportunidade e o preparo. Ele se mostrou um hábil tocador de harpa com um currículo de destaque (1 Samuel 16.18). Diante da necessidade, tinha os predicados que lhe abriram as portas palacianas. No embate com Golias, se apresentou para um desafio que “ninguém mais estava disposto a assumir”. (1) Davi conquista espaço nas brechas. Seu triunfo repentino e exponencial não se dá nas trilhas das facilidades, mas nas veredas sinuosas dos embates intimidadores; porém, em momento algum se sente coagido pelos desafios. As pessoas são atraídas e magnetizadas em conhecer mais sobre este jovem “anônimo” com credenciais vencedoras. Após a vitória sobre Golias, o rei Saul questionou Abner, comandante do Exército: “... este jovem é filho de quem?” (1 Samuel 17.55).

Davi continuou aproveitando as oportunidades. A corte e o país Ihe reverenciavam (1 Samuel 18.5). Mostrava-se sábio e vencedor. Tornou-se um líder militar e continuou em batalha contra os filisteus por seu povo. Após a batalha, “Saul fez uma jornada triunfante pelas cidades de Israel que ficavam próximas dele, para receber os cumprimentos do seu país”. (2) Nesta aproximação do rei com os populares, constatou-se o quanto Davi era reverenciado em Israel. O filho de Jessé já não era mais anônimo. O nome de Davi se espalhava nas rodas das conversas israelitas. As mulheres exaltavam-lhe em cantigas. Todos falavam daquele jovem corajoso com espírito vencedor.

O restante da história todos nós conhecemos. A partir deste acontecimento, a vida de Davi virou de cabeça para baixo. Saul planejou sua morte de modo natural enviando-lhe para batalhas com grande probabilidade de derrota; no entanto, ele galgou triunfos sucessivos de modo que suas façanhas militares o elevaram ainda mais. (3) Com o tempo, Saul declarou guerra contra Davi e abertamente canalizou todos os seus recursos para tentar matá-lo. Aquela cantiga israelita que revolucionou a vida de Davi ensina-nos que a presença de Deus sempre será um fator diferencial em nossas vidas. A ascensão de Davi na comparação com Saul não se trata só de elevada competência militar, mas de um brilho distintivo que lhe conferia a imagem de um jovem vencedor. No fim, as pessoas percebiam um indispensável diferencial em Davi que faltava em Saul: a presença de Deus.

Notas

(1) Richards, Lawrence O. Comentário Devocional da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 176.

(2) HENRY, Matthew. Comentário Bíblico “Antigo Testamento: Josué a Ester. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 295.

(3) Trota, Israel Thiago. Livros Históricos. Joinville: Santorini, 2021.

Por Israel Thiago Trota.

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