Esse relato da serpente no deserto foi lembrado por Jesus em um dos encontros mais memoráveis de Seu ministério terreno. Conversando com Nicodemos sobre “nascer de novo”, Jesus diz: “E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo “aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.14,15). E no próximo versículo, o “texto áureo” da Bíblia, Jesus sintetiza o plano de salvação repetindo parte do texto em que aborda o incidente no deserto (João 3.16). Podemos ver uma clara relação com o que Moisés fez com o sacrifício de Cristo levantado em uma cruz. A Bíblia de Estudo Pentecostal (CPAD) comenta: “O poder vivificante da serpente de metal prefigura a morte sacrificial de Jesus Cristo, levantado que foi na cruz para dar vida a todos que para Ele olharem com fé.[..) Quem hoje em dia quiser ser liberto do pecado e receber a salvação, deve voltar-se de coração, na obediência da fé, à Palavra de Deus em Cristo” (1995, p. 266).
Quase oito séculos depois do episódio no deserto, no reinado do rei Ezequias, a estátua que deveria ser um meio de cura provisório se tornara um ídolo adorado pelo povo. A Bíblia registra: “Este tirou os altos, e quebrou as estátuas, e deitou abaixo os bosques, e fez em pedaços a serpente de metal que Moisés fizera, porquanto até àquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso e Ihe chamavam Neustã” (2 Reis 18.4). Veja que o texto especifica que “até aquele dia”, ou seja, até os dias do rei Ezequias esta prática idolátrica acontecia.
A idolatria, infelizmente, foi algo recorrente na trajetória do povo de Israel. Na família de Jacó, vemos isso acontecendo pouco antes de chegarem a Betel. Ele pede para que retirem a imagem de deuses estranhos (Gênesis 35.1-4). De modo coletivo em Israel, o primeiro caso registrado de idolatria do povo foi com o bezerro de ouro, quando Moisés subiu no Monte Sinai (Êxodo 32.1-6).No período dos juízes, uma nova geração, que não conhecia ao Senhor e constantemente se voltava à idolatria, entrou na Terra Prometida, pois “foram-se após outros deuses, dentre os deuses das gentes que havia ao redor deles, e encurvaram-se a eles, e provocaram O SENHOR à ira” (Juízes 2.12). Por isso o Senhor os entregou nas mãos dos inimigos. Nos tempos dos reis de Israel, houve muita idolatria (1 Reis 11.1-10; 16.30; 2 Reis 15.8,9). Após a divisão do reino, todos os reis do norte (Israel) e muitos do reino do sul (Judá) foram idólatras. No Decálogo, “os dois primeiros mandamentos proíbem expressamente a prática da idolatria (Êxodo 20.1-5; Deuteronômio 5.7,8; Levíticos 19.4). A feitura de qualquer tipo de imagem de escultura é explicitamente reprovada pelo Senhor.
“Todo esse relato nos ensina como é fácil distorcer as coisas ou pessoas que Deus usa para nos abençoar e torná-los em objetos de idolatria. “Todos nós temos a capacidade de pegar algo bom que Deus nos deu, que usou, e fazê-lo um ídolo destrutivo em nossas vidas.
Nunca devemos adorar as ferramentas ou as pessoas que Deus escolhe usar, mas sempre trazer honra e glória somente a Deus. Podemos também tornar outras coisas boas em algo mal. A Bíblia de Estudo Vida comenta: “O pecado muitas vezes pode ser visto como distorção ou perversão de algo bom: comer é bom, mas a glutonaria é pecado; Deus criou o sexo, mas o adultério é pecado; é bom falar, mas todo mexerico destrói. Nesse caso, Neustã ilustra a tendência de adorar o que Deus criou em vez de adorar exclusivamente a Ele. Com o passar do tempo, o povo talvez tenha começado a pensar na serpente de bronze como algo que pudesse ajudá-los, como ocorrera nos tempos da peregrinação pelo deserto. Pouco a pouco, ela adquiriu status de ídolo, com poderes sobrenaturais” (1999, p. 592).
Lembro-me do tempo em que fui líder de jovens e dos eventos realizados, que foram marcantes na vida da juventude, como congressos e acampamentos. Muitos ficavam renovados e encorajados depois desses encontros, mas havia uma tentação de sempre associar e esperar uma nova visitação do Senhor apenas nessas realizações. E isso pode se aplicar a muitos ajuntamentos que fazemos em nossas igrejas que são bênçãos, mas que, às vezes, se tornam uma espécie de “serpente de bronze” em que aguardamos que apenas nesses momentos é que haverá uma manifestação sobrenatural da glória de Deus. E ainda colocamos uma expectativa exagerada e idolatramos as pessoas que estarão ministrando. E assim nos equivocamos, pois o Senhor deseja sempre se achegar àqueles que se chegam a Ele, independentemente da ocasião (Tiago 4.8). Há vários relatos bíblicos como Daniel e seus amigos, Paulo e Silas na prisão, em circunstâncias muito simples, até adversas, mas nas quais Deus se manifestou por encontrar corações quebrantados que atraíram Sua glória e poder.
Para mantermos a nossa fé, precisamos lembrar de que é somente Deus que nos salva, nos cura e nos abençoa. Precisamos cuidar de nosso coração, que é enganoso, para não transformarmos instrumentos de Deus para nos abençoar em ídolos; e se isso acontecer, agirmos como o rei Ezequias, que fez em pedaços a serpente de bronze. Nos versículos seguintes desse relato, é dito sobre Ezequias: “No Senhor, Deus de Israel, confiou [...) porque se chegou ao Senhor, não se apartou de após ele [... assim foi o Senhor com ele” (2 Reis 18.5-7).
Por Henrique Pesch.
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