Desde que nascemos vamos construindo um sistema de valores particular, a partir de regras e conceitos recebidos pela família e por educadores próximos, como professores, parentes e amigos. Desta forma estabelecemos conceitos pré-concebidos, ou preconceitos, que dirigirão expectativa e decisões futuras — escolhemos cônjuges, hobbies, amigos, estilo de vida, e até mesmo padrões de comportamento.
Mesmo solteiros, ao estabelecermos o perfil da pessoa com quem
nos casaremos, idealizamos em nossa mente um padrão de criança que desejamos,
que amplie as nossas competências e anule os nossos defeitos. Um filho, antes
de nascer, já carrega, ainda no útero, todo o peso das expectativas dos pais,
que a todo o momento se perguntam como será sua aparência, se será arteiro como
o pai ou manso como a mãe, se terá os olhos verdes do avô ou a altura do tio.
Quando nasce, a criança pode se tornar a menininha do papai,
o filhinho da mamãe, onde sua verdadeira identidade vai se fundindo com as
nossas expectativas, de tal modo que não enxergamos suas verdadeiras
características, ou até mesmo ignoramos seus defeitos, pois apontá-los seria o
mesmo que revelar nossa incompetência como pais. Outras vezes, nos
identificamos com o filho que temos e que gostaríamos de ter sido, ou nos
enxergamos em um filho intensamente — ele é a nossa cópia ou o nosso avesso.
O fato de ocorrer uma maior identificação com um filho do que
com outros é absolutamente normal. Há filhos que assimilam os mesmos gostos,
nascem com um temperamento mais parecido com o nosso, e que se comportam de uma
forma que gostamos: são estudiosos, inteligentes, alegres, bagunceiros, arteiros,
amorosos ou bem humorados. Parecem possuir tudo o que apreciamos, e passamos a acreditar
que estas são mais fáceis de amar, que dão menos trabalho ou demandam menos
atenção.
Na verdade, ao perceber uma maior identificação com um filho
do que com outros, os pais não podem eleger um filho como o preferido,
tratando-o com mais honra ou consideração, em detrimento dos outros. Mesmo os
filhos mais parecidos são diferentes, e conhecer as diferenças de opiniões e de
genialidade, bem como descobrir outros olhares e formas de pensar de nossos
filhos, pode ser o principal fator do prazer da paternidade e da maternidade.
Afinal, ser pai ou mãe é se aventurar no mundo de outros, interferindo, formando
c moldando seres pensantes, inteligentes e livres, diferentes de quem somos.
Infelizmente, há casais onde os dois cônjuges elegem um dos filhos
como o predileto, outros em que um dos pais tem predileção por um dos filhos, e
ainda há aqueles em que cada um escolhe um filho, muitas vezes ampliando uma
rivalidade do casal, organizando uma disputa interna na família. Na Bíblia temos
o triste exemplo de um casal que tomou esta direção: “Isaque preferia Esaú,
porque gostava de comer de suas caças; Rebeca preferia Jacó” (Gênesis 25.28).
Isaque havia sido uma criança perseguida pelo seu meio irmão
Ismael, que sendo mais velho zombava dele (Gênesis 21.9), e assistiu Ismael ser
expulso do meio de sua família. Quando se torna pai, acaba por preferir um dos
filhos, Esaú, por este ser homem do campo, exímio caçador como ele, e que
gostava de comer de sua comida. Rebeca, que ficava em casa, gostava do fato de
seu filho Jacó ser caseiro, homem de tendas, sossegado, que cuidava do rebanho
e sempre lhe fazia companhia. Foram desenvolvendo mais do que afinidades, a ponto
de Rebeca armar um plano para favorecer seu filho predileto no momento da
benção da primogenitura. Os resultados destas predileções foram nefastos: o patriarca
foi enganado; dois irmãos se tornaram estranhos por esse motivo; Jacó teve que
sair de casa e acaba sofrendo várias vezes do engano e da mentira que provocou
(mas futuramente repete o mesmo erro com José, que sofre na mão dos irmãos preteridos),
e nunca mais Rebeca viu seu filho na vida!
A predileção por um dos filhos destrói uma família. Afasta
irmãos que se amam, que podem e devem ser diferentes exatamente para poderem aprender
a lidar com diferenças e contrastes, a negociar competências e saberes. Faz do
filho preferido um pequeno reizinho” imaturo, que se torna um adulto
prepotente, que pensa que terá sempre seus desejos realizados pelo mundo que o Cerca
— o que não acontece, o que gera muitas desilusões e sofrimentos, até o
possível aprendizado e ganho de maturidade.
E o que dizer dos filhos preteridos, que se sentem inferiorizados,
menos amados, que percebem que as regras da casa para eles são mais duras, os
olhares menos compreensivos, os afetos menos efusivos? Muitos levam anos para
reconhecer que a falha não estava neles, que eles nasceram com gostos
diferentes de seus pais, que a pele mais clara é resultado da genética, que
nada fizeram de errado para se sentirem tão rejeitados!
Na verdade, não há filhos mais certinhos ou bonzinhos. Nosso
amor torna nossos filhos fáceis de serem amados, nossa atenção e autoridade
fazem deles filhos mais obedientes e dóceis. Há filhos diferentes, que exigem mais
sabedoria e paciência. Há filhos mais bagunceiros e teimosos, que precisam de
mais diálogo e de novas regras. Há filhos mais falantes e agitados, que gastam
mais nossa energia e atenção. Com todos nós temos oportunidades únicas de, a
cada fase do desenvolvimento deles, aprender, negociar, trocar e amá-los pelo
que são, esmerando-nos para fazer o melhor de modo a moldá-los para o mundo e
para Deus — sempre lembrando que cada filho merece e precisa de um molde único
e particular, que é a mesma forma exclusiva de Deus nos amar!
por Elaine Cruz
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