No Evangelho de João, no capítulo 15, encontra-se, a meu ver, um dos maiores ensinamentos do Senhor Jesus durante todo o Seu ministério terreno. O referido capítulo faz parte de um conjunto de instruções ministradas por Jesus aos Seus discípulos. Estas orientações têm início no capítulo 13 e se estendem até à Sua oração sacerdotal no capítulo 17 deste mesmo Evangelho. O assunto principal é Jesus se apresentando metaforicamente como a “Videira Verdadeira” e a união dos verdadeiros crentes com Ele. Esta é a sétima vez que, neste Evangelho, Jesus declara: “EU SOU”.
Em uma análise interlinear grego-português, segundo Gomes e
Olivetti (2008), o termo “poda” vem de Καθαίρει (kathaírei), que, por
sua vez, se deriva de καθαρός (katharós), “puro”. O seu sentido indica
limpeza, purificação, não apenas corte, mas preparo para maior produtividade. O
termo tem a ideia de remover completamente as impurezas ou os elementos inúteis.
Já o termo Αἴρει (aírei),
“cortar”, que aparece em João 15.6, traz a ideia de remoção definitiva, “lançado
fora” referindo-se aos ramos infrutíferos. Contrasta com a poda, que é para
correção, não condenação (Hebreus 12.5-11). (1)
Deve-se notar que, segundo a definição dada acima, Jesus fala
de duas situações distintas: a primeira é uma poda, isto é, o cuidado do Pai, o
zelo do Pai e o Seu permanente acompanhamento com vistas à frutificação na vida
do verdadeiro discípulo de Cristo. A segunda situação tratada por Jesus é a
separação total, isto é, o corte que o Pai executa naquele ramo (crente) que
não produz de forma nenhuma. Esta ação do Agricultor Celestial se faz necessária
para que os demais ramos que produzem frutos em alguma quantidade possam ser mais
frutíferos ainda. Assim, entende-se que o maior objetivo do Pai é que os que
estão ligados em Cristo, a Videira Verdadeira, permaneçam nEle dando “frutos” (v.
16), “muitos frutos” (vv. 5 e 8) e “mais frutos ainda” (v. 2).
Em João 15, conforme Charles Swindoll, Jesus ensina que existem
três relacionamentos vitais na vida do crente:
1) O relacionamento do crente com Cristo (João
15.1-11). Aqui o termo chave é “permanecer”, usado 10 vezes em 11 versículos. A
ênfase é a união.
2) O relacionamento do crente com os demais crentes (João
15.12-17). O termo chave é “amor”, usado 4 vezes em 6 versículos. A ênfase está
na comunhão.
3) O relacionamento do crente com o mundo (João
15.18-27). O termo chave é “odiar”, usado 7 vezes em 10 versículos. A ênfase é
na perseguição. (2)
Percebe-se, portanto, que o ensino de Jesus aqui tem a sua base
principal na importância da união e do relacionamento do crente com Ele. Este
relacionamento precisa ser permanente, pois, do contrário, o divino lavrador
faz o corte total e não uma poda: “Permaneçam em mim, e eu permanecerei em
vocês. Como o ramo não pode produzir fruto de si mesmo se não permanecer na videira,
assim vocês não podem dar fruto se não permanecerem em mim. Eu sou a videira,
vocês são os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto;
porque sem mim vocês não podem fazer nada. Se alguém não permanecer em mim,
será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo
e o queimam” (João 15.4-6).
Não se pode esquecer que, além da união com o Senhor, se faz
necessário que o discípulo de Jesus mantenha um bom relacionamento com os
outros crentes, expressando o amor de Deus, e, ao mesmo tempo, mantendo-se afastado
do mundo, visto que, conforme o texto em apreço, o mundo não somente odeia os verdadeiros
discípulos de Cristo, mas também os persegue.
A podagem de Deus na vida do crente é uma necessidade constante
desde o momento de sua união com Jesus, para que o crescimento espiritual de sua
nova vida aconteça sem interrupção (2 Pedro 3.18). O próprio Jesus destacou
essa verdade, quando declarou: “Todo ramo que, estando em mim, não dá fruto,
ele o corta; e todo o que dá fruto limpa (ou poda), para que produza mais fruto
ainda” (João 15.2). Essa imagem mostra o cuidado de Deus, o Pai, agindo como um
jardineiro ou agricultor zeloso, tratando cada crente (o ramo) para que cresça
e frutifique sempre mais.
A poda espiritual é um princípio bíblico profundamente
ligado ao processo de crescimento, testemunho, santificação e frutificação do
crente. Não se pode esquecer que esse processo é enriquecido pela ação dinâmica
do Espírito Santo, que não apenas capacita o crente com dons espirituais (1 Coríntios
12.4-11), mas também o molda para ser mais parecido com Cristo (Gálatas
5.22,23). A podagem que Deus executa na vida do cristão não é um fim em si
mesmo, mas um dos métodos que Ele utiliza para que Seus verdadeiros filhos tenham
maior intimidade com Ele e sejam eficazes no Seu Reino.
A podagem de Deus é necessária para o crescimento do cristão
por três razões centrais, reveladas nas palavras de Jesus. Primeiro, para que o
cristão dê mais fruto: “Todo ramo que, estando em mim, não dá fruto, ele o
corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais fruto ainda” (João
15.2). Ela é um processo seletivo e intencional. Quando um ramo já está frutificando,
Deus executa a podagem ou limpeza para que ele não apenas continue
frutificando, mas multiplique seus frutos. Isso representa o amadurecimento do
crente, que também pode ser visto nas palavras do apóstolo Pedro em sua Segunda
Carta (2 Pedro 1.5-8).
Segundo, para que o cristão permaneça em comunhão com Cristo:
“Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo produzir
fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim nem vós o podeis dar, se
não permanecerdes em mim” (João 15.4,5). A poda mantém o cristão conectado e
dependente de Cristo, a Videira Verdadeira. Sem essa conexão vital não há crescimento
espiritual autêntico.
Terceiro, para que o Pai seja glorificado: “Nisto é
glorificado meu Pai: que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos”
(João 15.8). Assim, depreende-se do texto que o objetivo final da poda é a
glória de Deus. Quanto mais fruto o cristão produz (amor, obediência, caráter,
boas obras etc.), mais Deus é glorificado.
A poda de Deus não é abandono, mas uma prova de cuidado íntimo
e intencional. Quem está unido a Cristo e se submete à ação do Lavrador,
experimenta vida abundante e frutífera. O cristão precisa entender que a dor
faz parte do processo de frutificação na sua vida espiritual, pois o
enfrentamento de situações difíceis pode ser a mão do divino Lavrador moldando
a vida do discípulo de Cristo. Então, a mais sábia atitude é a de não resistir à
poda de Deus, pois ela é um claro sinal de que o Senhor está investindo na vida
dessa pessoa. Porém, mesmo com toda esta ênfase, não se deve esquecer que Jesus
declara nesta mesma aula que “todo aquele que, estando nEle, não produzir os
frutos como lhe apraz, o Pai é quem toma a iniciativa de cortar tal ramo. Isso
quer dizer também que Ele possui Seus próprios métodos de executar a disciplina
no meio daqueles que se declaram seu povo”. (3)
Em síntese, pode-se afirmar que a poda de Deus tem como meta
principal a transformação visível que Ele deseja realizar na vida do cristão,
operando e agindo pessoalmente no caráter de Seus seguidores nas áreas da obediência,
do amor e da santificação. Nunca foi propósito de Deus que o cristão tivesse a
sua vida estagnada. O ensino claro de Deus nas Santas Escrituras é: “Mas a
vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais, até
ser dia perfeito” (Provérbios 4.18).
Notas
(1) GOMES, Paulo S.; OLIVETTI, Odayr. Novo Testamento
interlinear analítico Grego-Português. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
(2) SWINDOLL, Charles. Insights on Jonh, p.255
(3) SILVA, Rayfran Batista da. Perguntas e respostas sobre
disciplina na igreja. Ruanda-PR: Editora Face a Face, 2010, 95 p.
por Rayfran Batista da Silva
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