Reflexões sobre a vingança humana

Reflexões sobre a vingança humana

A vingança é um forte desejo de vingar-se de alguém. É aquele velho ditado de “pagar na mesma moeda; olho por olho dente por dente”. Vingança consiste na retaliação contra uma pessoa ou grupo em resposta a algo que foi percebido ou sentido como prejudicial. Vingança é um sentimento altamente tóxico, “neurótico”, que causa danos à saúde emocional, psicológica e espiritual. 

Em Psicologia, percebe-se que os motivos básicos e mais comuns para o aparecimento do desejo e do sentimento de vingança é o sentimento de superioridade, o “orgulho”, e o sentimento de injustiça. Uma pessoa que se sente ameaçada também poderá vingar-se para permanecer no posto. Alguns psicólogos chamam isso de “instinto primitivo de sobrevivência”. O lado psicopatológico da vingança seria quando o indivíduo sente prazer em vingar-se. Os pesquisadores debatem até que ponto a vingança pode ser considerada normal ou ética. Acreditam alguns que ela é necessária para se manter uma sociedade justa. Na perspectiva psicanalítica, a pessoa que alimenta sentimento de vingança e não consegue alcançar seus intentos faz com que a vingança recaia sobre si mesma, entrando em um processo de automutilação psicoemocional, com o desejo que ela tem de vingar-se de alguém recaindo sobre si própria, causando doenças psicossomáticas, transtornos alimentares, depressão e sentimento destrutivos.

Em teoria humanista, a vingança é definida como desforra; é dar ao agressor o mesmo tratamento que foi recebido. Nesta direção, quando o indivíduo alimenta o sentimento de vingança, torna-se uma pessoa violenta, agressiva e sem sensibilidade. São vários os motivos que geram o sentimento de vingança: ciúmes, inveja, mal entendido, derrota, decepção, injustiça etc. Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido, traz a ideia de que o oprimido deve vingar-se do opressor.

Porém, a Bíblia é clara em afirmar que a vingança pertence a Deus (Deuteronômio 32.35-36). Não cabe ao ser humano vingar-se de ninguém, porque Deus é justo e fará justiça ao Seu povo. A Bíblia deixa claro em Romanos 12.19: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor”. Devemos confiar no Senhor que ele fará justiça: “Não digas: Vingar-me-ei do mal. Espera pelo SENHOR, e Ele te livrará” (Provérbios 20.22). A Bíblia também diz em Provérbios 24.17-18: “Quando cair o teu inimigo, não te alegres, e quando tropeçar, não se regozije o teu coração; para que o Senhor não o veja, e isso seja mau aos seus olhos, e desvie dele a sua ira”.

Temos ainda o exemplo de Jesus. Jesus não é levado ou induzido por correntes filosóficas, psicológicas, psicanalíticas ou humanistas. Ele ensina princípios absolutos para a vida e o bem viver cristão. A passagem de Mateus 5.38-48 é talvez a parte mais profunda, clássica e admirada do Sermão da Montanha. Jesus diz para não resistir o mal e, na sequência, Ele manda-nos amar os inimigos e não vingar-se deles. Lembrando que o cristão nunca deve dar causa à inimizade. Com essas palavras, o Senhor Jesus derruba todos os sentimentos de vingança e orienta-nos a superar tudo pelo vínculo afetivo do amor.

O cristão genuíno não pode ser vingativo, retribuir mal por mal. Interpretando texto bíblico de Levítico 24.18-24 fora do contexto geral das Sagradas Escrituras. Essa punição que o texto bíblico enfatiza não deveria ser feita pela vítima. Jamais Deus ordenou alguém a fazer justiça com as próprias mãos. Ela deveria ser aplicada pelos juízes e as autoridades constituídas e no fórum competente para analisar os casos e julgar com justiça e equidade. 

Quando se analisa esse tema na Bíblia, percebe-se que a Lei de Moisés proibia explicitamente a vingança pessoal (Levítico 19.18). O Senhor Jesus Cristo reconhecia a punição justa por parte dos tribunais legais, das instituições legalmente constituídas; mas ensinou que nossas atitudes para com aqueles que nos prejudicam é amar e não retribuir mal por mal.

Se o cristão for lesado ou punido injustamente, nada mais justo que ele procurar os tribunais legais e apresentar a sua defesa no fórum competente para uma possível reparação do dano; porém, nunca deve esquecer que o Tribunal de Deus julga com justiça e retidão. Os tribunais humanos são falhos, e muitos deles julgam com injustiça, mas Jesus deixou claro para nós, cristãos, para não resistir o mal, isto é, o ato maligno. Mesmo que a pessoa seja má, não nos é permitido vingança. Para Jesus, o nosso dever como cristão é abster-nos completamente de atos de vingança. Jesus não está nos estimulando a sermos capachos, covardes que não oferecem resistência a nada; o que Ele nos ensina é que devemos ter um domínio próprio e amor pelo próximo, rejeitando completamente a retaliação e a vingança.

É importante também dizer que não se trata de o cristão não poder recorrer aos meios jurídicos para assegurar os seus direitos e deveres, porque o Estado é uma instituição permitida por Deus, comandada pelos poderes executivos, legislativos e judiciários para punir quem pratica o mal, fazendo o indivíduo pagar a penalidade pelo erro cometido, e engrandecer quem faz o bem (Romanos 13.1-7). As autoridades instituídas são chamadas servas de Deus para o bem. Logo, não há nada de errado em um cristão recorrer aos meios jurídicos legais e com a verdade fazer valer os seus direitos.

O apóstolo Paulo proíbe a prática da vingança pessoal, dizendo que isso é prerrogativa de Deus e não do homem (Romanos 12.19). Muitos rabinos ensinavam e interpretavam a Lei nesse ponto erroneamente. Para muitos deles, o seu próximo era apenas alguém do seu próprio povo, de sua religião. Essa linha de raciocínio está em desarmonia com a Bíblia sagrada e com as doutrinas ensinadas por Cristo (Romanos 12.9-10). Para muitos desses mestres, o próximo tinha que ser compatriota e irmão na fé, caso contrário seria uma pessoa que, uma vez se portando como inimigo, poderia ser odiado e alvo de vingança. Na verdade, a lei áurea de Deus não ensina dessa forma (Êxodo 12.49; 23.4-5; Levítico 19.17-18; Deuteronômio 22.1-4). Em Provérbios 25.21, lemos: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber”. Paulo recomenda ao cristão o não ser vingativo e admoesta a vencermos o mal com o bem (Romanos 12.20-21). 

Jesus contestou e não aprovou o ensinamento, a adição dos mestres rabinos de “odiar o inimigo”. Jesus disse: “Amai os seus inimigos”. Jesus estava dizendo, em outras palavras: “Não seja vingativo, mas ame seus inimigos”. Para Jesus, o nosso próximo é qualquer pessoa, até mesmo o nosso inimigo; assim, a nossa justiça deve ser superior à dos fariseus e mestres da lei (Mateus 5.20).

O cristão vingativo não cresce espiritualmente, fica estacionado e adoece espiritualmente. Jesus ensinou um padrão de crescimento espiritual progressivo: primeiro, Ele disse para não sermos vingativos (“Não resistam ao homem mau”); em seguida, Ele disse: “Amai os vossos inimigos”. Alfred Plummer resumiu dizendo: “Retribuir o bem com o mal é demoníaco; retribuir o bem com o bem é humano; retribuir o mal com o bem é divino”.

“A justiça exalta as nações, mas o pecado é o opróbrio dos povos” (Provérbios 14.34). Simon Wiesenthal (1908-2005) é reconhecido mundialmente por suas lutas e ações junto aos poderes judiciais internacionais para pôr na cadeia os culpados do massacre aos judeus pelas tropas nazistas de Hitler. Ele foi o único membro da sua numerosa família que sobreviveu à máquina e ao exército de extermínio dos nazistas. A mídia internacional chamava-o de “Caçador de Nazistas”. Alguns cépticos diziam ser um homem vingativo. Na realidade, ele não estava vingando-se dos amigos de Hitler; ele estava buscando justiça. O desejo maior de Simon Wiesenthal era não criar um sentimento de ódio ou praticar vingança, mas obter justiça pelas vítimas do nazismo. Os seu principal objetivo era descobrir o paradeiro dos responsáveis pelo aniquilamento de judeus para levá-los a ao tribunal de julgamento e, assim, começou implacavelmente uma campanha em busca das provas e dos paradeiros dos envolvidos, os mandantes. Ele começou a localizar figuras que tiveram sua participação ferrenha no nazismo, como Adolf Eichmann, preso na Argentina em 1960. Outra de suas ações espetaculares resultou na captura de Franz Stangl, comandante do campo de extermínio de Treblinka. Ele entregou às autoridades competentes informações para que Stangl fosse julgado na Alemanha por participação no genocídio de 400 mil pessoas. Wiesenthal estava fazendo justiça, e não vingança. A justiça humana não anda sozinha: é preciso que alguém a provoque e Simon Wiesenthal foi esse canal provocativo. A descoberta dos coautores do aniquilamento em massa dos judeus foi o que chamou mais a atenção dos meios de comunicação, mas essa foi apenas uma parcela do que ele realizou em décadas de empenho em áreas correlatas, pelo que Wiesenthal recebeu diversas condecorações. Portanto, encerro este tópico com Provérbios 21.3: “Fazer justiça e julgar com retidão é mais aceitável ao SENHOR do que oferecer-lhe sacrifício”

Hebreus 10.30-31 diz taxativamente que a vingança pertence única e exclusivamente a Deus e não ao ser humano. Portanto, o cristão deve dizer “não” à vingança e “sim” à justiça.

Por Mauricio Brito.

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