O que fazer quando Deus não livra?

O que fazer quando Deus não livra?

De belo aspecto, tez rosada, elegante, de grande força física e de muita simpatia pessoal, homem de guerra, valente, excelente musicista e devoto a Deus. Descendente direto de Judá, Perez, Esrom, Rão, Aminadabe, Naasom, Salmom, Boaz e Jessé, seu pai. Ele era o mais novo dos oito filhos do efrateu de Belém. Em toda a Bíblia, não há outra pessoa de tanta notoriedade quanto Davi. Talvez nem Abraão, nem Moisés, nem os grandes profetas como Isaías e Jeremias, nem Paulo.

A sua notoriedade nasce de seu relacionamento com Deus, refletido em suas atitudes e composições poéticas e melódicas. O menino pastor que se tornou rei exibe um grande “cartaz” nas Escrituras. O relacionamento era notável, de maneira que Davi era “o homem de Deus” (2 Crônicas 8.14) e o Senhor era o “Deus de Davi” (2 Reis 20.5). Expressões como “o meu servo Davi” (1 Reis 11.34); “o suave cantor de Israel” (2 Samuel 23.1); “como o meu servo Davi” (1 Reis 14.8); “por amor a Davi” (1 Reis 11.2); “a cidade de Davi” (1 Reis 9.31); e “O filho de Davi” (Mateus 9.27) indicam o seu grande “cartaz” nas páginas da Bíblia Sagrada.

No Salmo 13, detectamos muitas questões que afligem Davi, vários questionamentos sem respostas, e esta situação o perturbou. À sua alma estava angustiada, dilacerada por uma profunda tristeza, que poderia ser identificada como uma doença ou qualquer outra dificuldade. Essa dor aumentou mais ainda por causa da sensação de que Deus o tinha abandonado. Desesperado, o rei de Israel clama: “Até quando te esquecerás de mim, Senhor? Para sempre? Até quando esconderás de mim o teu rosto? Até quando consultarei com a minha alma, tendo tristeza no meu coração cada dia? Até quando se exaltará sobre mim o meu inimigo?” (Salmos 13.1,2).A ausência de Deus se instalou no versículo 1 e a tristeza no versículo 2. As interrogações se atropelam. O vocativo é claro: “Senhor”. A ausência era certa, o vocativo não deixa dúvida do direcionamento das perguntas. À pergunta é insistente: “Até quando?”. Mas o solicitante não obtém resposta. Deus havia escondido o rosto de Davi.

Ao longo dos Salmos, algumas orações de Davi foram ousadas. Veja: “Ó Senhor, até quando ficarás apenas olhando?” (Salmos 35.17); “Desperta e vem me ajudar” (Salmos 59.4). Esse era o sentimento de Davi. Como o nosso se parece com os dele! Ler alguns Salmos é se reencontrar com a nossa condição humana. É dizer: “estou cansado” (Salmos 6.6); “estou aflito” (Salmos 31.9); “estou esgotado” (Salmos 31.9); “estou doente” (salmos 38.3); “estou em dificuldades” (Salmos 64.1); “estou necessitado” (Salmos 86.1); “estou triste” (Salmos 42.5); “estou desanimado” (Salmos 40.12); “estou abatido” (Salmos 42.6); “estou velho” (Salmos 71.18); “estou no lamaçal” (Salmos 69.2), “estou rouco de tanto gritar” (Salmos 69.3) etc.

Quando lemos o Novo Testamento, o questionamento que deu origem a este artigo “O que fazer quando Deus não livra?”) continua. Lemos em Atos 12.1,2: “Por aquele mesmo tempo, o rei Herodes estendeu as mãos sobre alguns da igreja para os maltratar; e matou à espada Tiago, irmão de João”. Herodes Agripa mata Tiago e lança Pedro no cárcere. Deus livrou Pedro e permitiu que Tiago fosse morto à espada. Por que, Senhor? Quem era esse Tiago? Era aquele que fazia parte do círculo íntimo de Jesus, que testemunhou a transfiguração e agonia. Era aquele a quem Jesus pôs o nome de “Boanerges” (“filho do trovão”) (Marcos 3.17). Ele era um dos 12 apóstolos. Como ele foi morto? À espada (12.2), isto é, decapitado. Por que, Senhor?

Apologista, cristão helenista e o primeiro mártir do cristianismo, é dessa maneira que podemos identificar Estevão. Na sua biografia, a pergunta continua. Ele não serviu somente às mesas, serviu a Cristo. Em sua vida, o milagre não era apenas contado na terceira pessoa: era vivenciado (Atos 6.8). Suas palavras não eram apenas admiradas: eram irresistíveis (Atos 6.10). Suas crenças eram históricas e ortodoxas, mas também cristocêntricas (Atos 6.14). Sua apologia não era apenas defensiva, mas inteligente (Atos 7). 

O resultado de tudo isso foi a sua prisão e condenação. Ele foi acusado injustamente de blasfêmia , com base em Levítico 24.16, deveria ser apedrejado até a morte. Os seus acusadores o assassinaram fora da cidade. Ajoelhado, as pedras iam sendo atiradas, fazendo-o sangrar mortalmente. Eles, cheios de Satanás, e ele, cheio do Espírito. Orou e adormeceu, pedindo que o Nazareno não lhes imputasse esse pecado. Foi assim que o doutor Lucas narrou com vividas cores e acurado senso de pesquisa a morte do primeiro mártir do cristianismo. A pergunta que nos inquieta é: “Por que, Senhor?”

Chegamos às Epístolas. Tendo que se defender das acusações de que ele não tinha experiências tão arrebatadoras quanto os seus oponentes e que, portanto, segundo eles, não tinha credenciais nem marcas de apostolado, Paulo, ainda que constrangido e utilizando o método que ele desaprova (2 Coríntios 12.11), passa a relatar as visões e revelações do Senhor (2 Coríntios 12.1-10), incluindo o método que Deus utilizou para mantê-lo humilde e para prevenir que não se exaltasse: ele foi afligido com um “espinho na carne” (2 Coríntios 12.7). O “Apóstolo dos Gentios” saiu do êxtase para a dor; do paraíso para o espinho na carne. Dispensando as especulações e conjeturas, depreendemos pelo texto e pela palavra grega skopos (qualquer objeto pontiagudo como estaca, lasca de madeira ou ponta de anzol), que era um sofrimento indescritível.

Ansiando pelo alívio do obstáculo doloroso para o seu ministério, suplicou ao Senhor em sua aflição, “acerca do qual” e com insistência. Ele “três vezes” orou e para a pessoa certa (“ao Senhor”, 2 Coríntios 12.7,8), e a resposta foi um enfático: “Não!”. E acrescentou o Senhor a ele: “A minha graça te basta”. Deus respondeu que não retiraria o espinho na carne de Paulo. Por que, Senhor?

Temos vários outros casos nas páginas da Bíblia em que o Criador não concede livramentos - em alguns casos, de forma imediata e em outros, de forma definitiva. O Senhor não impediu José de ser vendido como escravo, indo parar no Egito (Gênesis 37); não interferiu no sofrimento de Moisés causado pelos egípcios (Hebreus 11.24-27); não houve empecilhos para os inimigos de Daniel contribuírem para que ele fosse lançado na cova dos leões (Daniel 6); e João foi exilado na Ilha de Patmos sem que houvesse o livramento divino (Apocalipse 1.9,10).

Diante das situações acima expostas, nossa primeira reação é procurar uma resposta, sendo que algumas não obteremos nesta vida (Deuteronômio 29.29). Há decisões divinas que são insondáveis. Tanto as decisões quanto os caminhos de Deus, após as Suas decisões, são insondáveis (Romanos 11.33).

A outra pergunta que nos inquieta: O que fazer?A resposta é nos rendermos à soberania de Deus (Êxodo 15.18; Jó 9.2-12; Salmos 93.1,2; Atos 4.24-30) e compreender que nem sempre o Criador intervém, contudo nos oferece a Sua graça para suportar determinadas situações (2 Coríntios 12.9). O termo “basta” quer dizer “suficiente” - tempo verbal no presente, sublinhando a disponibilidade e a suficiência sempre presente da graça divina.

Como a graça de Deus se envolve com os nossos sofrimentos? De forma variada: concedendo-nos força para suportar (2 Coríntios 4.16-18); concedendo-nos uma nova perspectiva e alegria em nós (Filipenses 4.4); e fazendo-nos valorizar os valores eternos em oposição ao temporário (2 Coríntios 4.18). A graça de Deus é a Sua provisão para nós em situações nas quais Ele não nos livra e permite o sofrimento.

Você orou e Deus não respondeu como você esperava? Não o livrou? Siga o exemplo de Asafe e entre no santuário (Salmos 73.16) e, valendo–se da luminosidade da Palavra (Salmos 119.105), releia os Salmos. Ali e em outras porções do Santo Livro suas indagações serão respondidas, pois o Senhor está perto de você. Aliás, foi isso que disse Davi no Salmo 145.18: “Perto está o Senhor de todos os que o invocam”. Basta invocar, Ele está perto!

Por Adejarlan Ramos.

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