O Véu do Templo se rasgou

O Véu do Templo se rasgou


“Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no Santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne” (Hebreus 10.19,20).

A notícia continua sendo atual e necessária sua transmissão: o véu do Templo se rasgou e o acesso do homem ao Criador está franqueado através do sacrifício feito por Jesus na cruz do Calvário. Dentre todas as novas, superando qualquer acontecimento e toda e qualquer mudança no quadro geopolítico, mesmo as de implicação para o entendimento escatológico, prevalece e ecoa em toda a Terra a boa nova da possibilidade de reaproximação com Deus.

Sombras do passado relembram a todo o filho de Adão a cruel realidade de seu afastamento, da intimidade perdida no Éden por causa do pecado e da ausência da comunhão reveladora ao cair da tarde, na viração do dia, cuja lembrança foi perpetuada no chamamento amoroso a ecoar no coração dos homens: “Onde estás?”. Uma espada flamejante e querubins impedindo a entrada transformaram o jardim em um lamento por aquilo que foi perdido e no desejo de reconciliação.

Somente muitos anos mais tarde, O Tabernáculo no deserto desenhou a separação entre o santo e o profano, resguardando a Arca de olhares e da aproximação, revelando, através de objetos simbólicos, tanto o distanciamento quanto a aproximação através do sangue. Moisés, Arão, Bezalel e Aoliabe tiveram o cuidado de fazer tudo conforme o modelo, quer na construção, quer no cumprimento das ordenanças, para que nada ficasse perdido na perfeição didática do Senhor. Chama a atenção, dentre outros detalhes, a presença de uma cortina inicial, separando a área externa à Tenda, da parte interna propriamente dita. Havia outra, dividindo o pátio externo do lugar santo, e uma terceira, resguardando o Santo dos Santos. As cortinas, funcionando a título de portas, tiveram seus nomes resguardados pela tradição rabínica: Derech, Emeth e Chaim (lê-se “dererr”, “emet” e “rraim”), respectivamente Caminho, Verdade e Vida. Estava claro, no discurso de Jesus, que Ele se apresentava como único acesso ao lugar Santíssimo, possibilidade única de retorno à presença plena de Deus. Estabelecimento simples, plano, firmado sobre o solo, o Tabernáculo afirmava a vontade de Deus de estar entre os homens. A glória do Templo salomônico resguardou um pouco da singeleza do Tabernáculo, apesar da glória de seus materiais de estrutura e revestimento. Esse pouco a que nos referimos foi-se diluindo nas práticas religiosas e no esquecimento de que o Senhor não habita em construções humanas.

Milhares de sacrifícios não puderam substituir o requerimento divino por um povo que possa “se humilhar, e orar, e buscar a face e se converter dos seus maus caminhos”, provocando, assim, a audição e a resposta dos Céus.

Como outras construções humanas, o Templo viveu seus dias de glória, no curso da História foi frequentado, referido, cobiçado e, finalmente, saqueado por Nabucodonozor, antes de ser destruído, no ano 586 a.C.. Sua restauração deu-se pelas mãos de Zorobabel, fortalecido pelo ministério incentivador de Ageu e Zacarias. Nos dias de Antíoco Epifânio, foi profanado; pela iniciativa de Judas Macabeu, foi purificado.

Jesus não contemplou esse Templo antigo alterado por tantas mudanças, mas frequentou a construção, ainda em curso, da obra de um Herodes megalomaníaco, embriagado por seu projeto político religioso que, pela grandiosidade da planta, exigiu o erguimento de um verdadeiro tablado composto por colunas, túneis e ponte, formando a magnífica plataforma que pôde suportar o majestoso sonho. A parte externa ou o chamado templo externo reunia homens, mulheres, judeus ou gentios, crentes ou incrédulos, puros ou impuros, tendo se tornado o lugar das discussões, das mesas de cambistas, dos animais ainda não avaliados. Sua grandeza pode ser verificada em que uma das paredes do pavimento media cerca de 230 metros. Com fontes e lugares assombreados, tornou-se um lugar de passeios e de negócios, uma espécie de praça pública por onde transitavam aqueles que desejavam fazer acordos comerciais e aqueles que, simplesmente, pretendiam gastar algumas horas na magnífica esplanada. Interessante é que foi ali que Jesus repreendeu os vendilhões e declarou que a casa de Seu Pai seria chamada Casa de Oração, donde se conclui que, mesmo a parte exterior do Santuário precisaria manifestar seu propósito interno: a comunhão do homem com Deus.

O exterior separava-se da área do Templo propriamente dita por um extenso muro, onde inscrições em latim e grego avisavam aos não judeus que não o ultrapassassem: “Quem quer que fizer isso será morto, e só ele será o responsável por sua morte”. Treze portas abriam o acesso, mas apenas para os judeus. Quinze degraus demarcavam mais ainda a separação. Deixando o pátio dos gentios, chegava-se ao primeiro pátio, aberto para homens e mulheres de Israel. Lá estavam as 13 trombetas do ofertório, os quatro aposentos (dos nazireus, dos leprosos, da lenha e vinho e do óleo). Ascendendo mais 15 degraus chegava-se ao pátio dos homens. A partir dali nenhuma mulher poderia avançar. O lugar dos sacerdotes era dividido pela pesadíssima porta de Nicanor, judeu alexandrino, que doara essa preciosidade em bronze, era aberta diariamente pela força de 20 homens, fazendo um ruído tal que despertava a cidade inteira. Aberta a porta e ascendendo-se mais três degraus chegava-se ao pátio dos sacerdotes. Apenas a tribo de Levi, conforme seus turnos, tinha acesso. A partir dos três degraus o povo era abençoado. No pátio dos sacerdotes ficava a bacia das purificações, o altar do sacrifício, o matadouro, a rampa que permitia chegar ao altar... Levitas transitavam com oferendas, animais, utensílios variados... Mais doze degraus e chegava-se ao lugar Santo, com suas colunas de 30 metros de altura, e o pórtico, dotado de uma porta de cedro adornada com uma videira de ouro. Além da porta, uma grossa cortina delimitava o termo da santidade, onde apenas os filhos de Arão tinham oportunidade de entrar. No lugar Santo estavam o candelabro, a mesa dos pães da proposição e o altar de incenso. Ao fundo, com 18 metros de altura e 12 centímetros de grossura, o véu do Santo dos Santos, com seus dois querubins bordados, postados lateralmente, de maneira a lembrar aos homens da liberdade do Eden, perdida pelo pecado. No Kadosh haKedoshim não estava mais a Arca da Aliança, mas o espaço ainda representava a glória de Deus. Foi esse véu, grosso, resistente, que se abriu de alto a baixo quando da morte de Jesus. Foi essa Chaim (vida) que se entregou, voluntariamente, para abrir o caminho da reconciliação.

Após a ruptura, perderam o sentido as placas anunciadoras da divisão e os muitos degraus de que a religiosidade se vale para manter a separação. Resta, contudo, o alerta de que é necessária ousadia para entrar no Santo dos Santos. É que o prazer da Presença não está isolado do confronto que ela provoca. A intimidade com Deus consola, alegra, mas também revela, transforma, reprova o pecado, ao mesmo tempo em que renova o fôlego da nossa fé. O caminho foi aberto e essa notícia tem se espalhado por todo o mundo a partir de Jerusalém, sendo a primeira e a principal a ser dada. Inesquecível, atual e transformadora, inclui um convite à aproximação, sem ignorar, contudo, que ainda persistirão na Terra os Herodes dispostos a transformar a planície cúltica em zigurates separatistas. Há, também, quem queira recosturar o véu, obstruindo, dificultando a chegada do contrito. Glórias a Deus por Sua Igreja, proclamadora, com o Espírito Santo, da boa nova do Evangelho, convidando incansavelmente: “Vem!”. O Véu foi rasgado, o Caminho foi aberto – desfrutemos e espalhemos essa tão grande nova.

por Sara Alice Cavalcanti

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