Pulverizada teoria de que profecias de Daniel foram escritas muito depois
Os Manuscritos do Mar Morto (MMM) foram escritos décadas – ou, em alguns casos, séculos – antes do que os estudiosos pensavam, de acordo com um estudo revolucionário que combina estudos tradicionais com inteligência artificial. Os resultados impactam a compreensão dos estudiosos sobre o texto bíblico, derrubando teorias liberais como a de que as profecias do Livro de Daniel teriam sido escritas por alguém que viveu muito tempo depois dele e na época do cumprimento dessas profecias.
Como é nova técnica de datação
Como explica matéria do The Times of Israel publicada
em 6 de junho, “até agora, os estudiosos datavam os textos com base em sua
paleografia – o formato de suas letras”. De acordo com o professor Eibert
Tigchelaar, especialista em Manuscritos do Mar Morto da Universidade de Leuven,
na Bélgica, no contexto dos Manuscritos do Mar Morto, até agora a cronologia
dos Manuscritos do Mar Morto – uma coleção de aproximadamente mil pergaminhos
datados entre o século Il a.C. e o século 1 d.C. – tem sido quase exclusivamente
baseada em comparações paleográficas sugeridas em um artigo acadêmico de 1961.
“O sistema usou alguns manuscritos aramaicos datados dos séculos V e IV a.C. do
Egito e Samaria como ponto de partida e textos hebraicos do século 1 d.C. como ponto
final”. disse ele.
Tigchelaar explicou que, baseando-se apenas na análise
visual das formas das letras e abrangendo séculos sem manuscritos datados de
forma independente, os estudiosos desenvolveram uma estrutura cronológica para
os Manuscritos do Mar Morto. Essa estrutura se baseava na suposição de que a
evolução da escrita progrediu inicialmente de forma lenta e depois se acelerou
durante o período Hasmoneu. Entretanto, nesse novo e revolucionário estudo,
conforme explica a reportagem do The Times of Israel, “uma equipe de pesquisa
interdisciplinar começou datando por carbono pedaços de 30 dos pergaminhos
mantidos pela Autoridade de Antiguidades de Israel. Uma vez obtidas essas
datas, imagens de alta resolução das letras hebraicas e aramaicas dos
pergaminhos datados com segurança foram inseridas em um modelo de previsão de
dados de IA [Inteligência Artificial], caprichosamente chamado de “Enoque”. O
modelo de Enoque, usando análise de forma de caracteres baseada em geometria
para aprender as características paleográficas dos pergaminhos com registro de
data e hora, poderia então extrapolar suas formas paleográficas e datar outros
pergaminhos que ainda não passaram por testes destrutivos de radiocarbono”.
Como enfatiza Tigchelaar, “embora a datação por C-14 já
tenha sido realizada em alguns pergaminhos em décadas anteriores, este estudo
marca a primeira vez que cientistas pré-trataram os pedaços de pergaminho para
remover todos os possíveis elementos químicos que poderiam ter contaminado os
materiais e, portanto, distorcido os resultados”.
Segundo a equipe de estudiosos envolvidos no projeto, no
novo sistema, foram investigadas imagens de alta resolução de mais 135
pergaminhos e, “quando verificada por paleógrafos humanos, a datação sugerida
por Enoque revelou-se 79% precisa”, o que para o mundo da datação arqueológica
e manuscriptológica é um nível de previsão altíssimo. O estudo representa o
capítulo mais recente do projeto de uma década “As Mãos que Escreveram a
Bíblia”, financiado pelo Conselho Europeu de Pesquisa. “Nosso objetivo era resolver
o problema da datação dos Manuscritos do Mar Morto”, disse “o professor Mladen
Popovié, diretor do Instituto Qumran da Universidade de Groningen, na Holanda,
e um dos autores do estudo.
Segundo Popovié, os 30 pergaminhos utilizados no estudo
foram cuidadosamente selecionados para representar uma gama diversificada de
manuscritos. Os pesquisadores colaboraram estreitamente com a Autoridade de
Antiguidades de Israel (AA), o órgão responsável pela preservação dos artefatos
antigos. “Selecionamos os pergaminhos para datação por radiocarbono com base
nos diferentes estilos de caligrafia que vemos nos Manuscritos do Mar Morto, ou
o que chamamos de formal, semiformal e semicursivo”, disse Popovié. “Também
precisávamos encontrar pergaminhos com caracteres suficientes para treinar o
modelo”, ressaltou. Como a análise de carbono-14 exige o corte de um fragmento
minúsculo de pergaminho, danificando assim o pergaminho – ainda que minimamente
–, a equipe consultou o IAA para entender quais artefatos representavam os
melhores candidatos para o estudo.
Popovié destaca ainda que o objetivo era “combinar
diferentes disciplinas, incluindo datação por radiocarbono e Física, análise de
Inteligência Artificial, Paleografia, História e Filologia para chegar a esse
resultado”, disse ao The Times of Israel em uma entrevista por vídeo.
“Foi realmente um trabalho de equipe”, enfatizou. Assim, como frisam os
estudiosos autores do estudo, “o novo modelo de Enoque de código aberto abre
oportunidades sem precedentes para reexaminar a cronologia de centenas de pergaminhos
descobertos no deserto da Judeia ao longo das décadas”. Descobriu-se que vários
manuscritos eram mais antigos do que se acreditava anteriormente. “Isso é muito
emocionante porque muda à maneira como pensamos sobre a comunidade por trás dos
Manuscritos do Mar Morto, as pessoas que Os coletaram, os escreveram e os
leram”, disse Popovié. “Também muda à maneira como pensamos a história da
Judeia”.
Cai tese da alfabetização tardia
O especialista destacou que uma das teorias que cai por
terra pela nova datação diz respeito à questão de quão difundida era a
alfabetização. “Foi frequentemente sugerido que a Revolta dos Macabeus [167-160
a.C.] e a dinastia Hasmoneia impulsionaram a urbanização, como vemos pelas
evidências arqueológicas, a necessidade de funcionários públicos e, portanto, a
alfabetização”, observou Popovié. “No entanto, agora podemos ver que o aumento
da alfabetização precede os hasmoneus”, observou Popovié. “O que isso significa?
Alguém mais precisará pensar sobre isso”.
O novo estudo também descobriu que a já então cristalizada
classificação de manuscritos baseada na caligrafia, classificando alguns
manuscritos como os primeiros pergaminhos “hasmoneus” e os posteriores como
pergaminhos “herodianos”, não reflete com precisão o tempo real dos períodos.
“Vemos evidências de que o tipo herodiano já existia décadas
antes de Herodes [que governou a Judeia entre 37 e 4 a.C.], talvez já no século
11 a.C.”, disse Popovié. “Além disso, o tipo hasmoneu também datava de antes do
que se pensava, às vezes até do final do século III a.C.”. Mais: segundo o
especialista, “os dois estilos de escrita também se sobrepunham”. Muitos
artefatos também foram encontrados sendo mais antigos que a comunidade de
Qumran, como são conhecidos os habitantes dos antigos assentamentos próximos às
cavernas onde a maioria dos pergaminhos foi encontrada. A descoberta sugere a
necessidade de reconsiderar a história cultural da terra de Israel, já que
fenômenos culturais associados a momentos históricos específicos parecem ter
começado antes que as principais figuras que os definiram existissem.
“Ao mesmo tempo, examinamos talvez 10% dos pergaminhos
conhecidos, então há muito mais para pesquisar”, observou Popovié.
Origem dos livros bíblicos
Por fim, os pesquisadores determinaram que dois manuscritos,
4Q14 é 40109, contendo os livros bíblicos de Daniel e Eclesiastes, não eram
apenas mais antigos do que se pensava, mas foram escritos nos mesmos anos em
que os eruditos liberais – maioria na academia – acreditavam que seria a época
em que os textos originais dos quais eles eram cópias – isto é, seus autógrafos
– foram produzidos. “A maioria dos estudiosos concorda que a segunda parte de
Daniel foi composta durante a revolta dos Hasmoneus”, disse Tigchelaar. “Mas a
datação por radiocarbono no pergaminho determinou que ele datava de um período
entre 220 e 165 a.C., décadas antes do que a classificação paleográfica
tradicional sugeria”. Em outras palavras, o autor do livro de Daniel realmente
previu miraculosamente Antíoco Epifânio, a Revolta dos Macabeus etc.
Segundo a tradição judaica, Eclesiastes foi composto pelo
rei Salomão no século X a.C., porém os eruditos liberais o atribuem a um autor
anônimo do século III a.C. Só que o seu manuscrito, que era datado
anteriormente do século II a.C., se mostrou, pelo modelo de Enoque, como tendo
sido escrito um século antes, isto é, no século III a.C. Logo, a obra original,
do qual esse pergaminho é uma cópia muito posterior, é muito mais antiga.
“Isso é surpreendente”, afirma Popovié, que lembra ainda que
o estudo ajuda a “decifrar novas pistas que os Manuscritos do Mar Morto contêm
para a compreensão da sociedade do passado - particularmente na época do
Segundo Templo, quando a cultura judaica prosperava e o Cristianismo primitivo
estava em desenvolvimento. Nesse sentido, espero que essa tendência continue a
influenciar o campo de estudos dos Manuscritos do Mar Morto”.
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