A fé cristã sustenta um compromisso inegociável tanto com os valores bíblicos e espirituais quanto com os princípios legítimos da ciência e da ordem natural. Isso inclui o reconhecimento e a valorização da natureza e da biologia humana em todas as suas dimensões, inclusive no que se refere à sexualidade. Nesse sentido, uma teologia cristã robusta rejeita abordagens ideológicas que distorcem ou negam a naturalidade da criação, por serem contrárias às Escrituras e por acarretar sérios prejuízos espirituais, morais e sociais. Neste texto, nós iremos refletir sobre o confronto entre biologia e ideologia, demonstrando porque a perspectiva cristã é mais adequada para compreender a natureza humana.
Nas últimas décadas, dentro da Revolução Sexual, (1)
diversos paradigmas oriundos dos estudos de gênero, da teoria queer e de
correntes feministas têm procurado desconstruir a compreensão bíblica e a ordem
natural sobre o corpo humano e a sexualidade. Essas abordagens identificam na
“estrutura patriarcal” e na família nuclear a raiz de opressões históricas e,
por isso, propõem uma reconfiguração completa dos papéis sexuais, dos vínculos
conjugais e da própria noção de identidade da pessoa.
Segundo Douglas Baptista, “as Ciências Sociais ensinam que
as desigualdades sociais entre os sexos são o resultado de relações históricas
de opressão e preconceito. A esse entendimento dá-se o nome de “questão de
gênero””. (2) Uma das principais teóricas dessas ideias, Judith Butler, em seu
livro Problemas de Gênero, argumenta que o gênero não é algo natural Ou fixo,
mas, sim, uma performance socialmente construída. Para Butler, não é possível
que exista apenas uma identidade: ela deveria ser pensada no plural, e não no
singular.
Ryan T. Anderson (4), filósofo cristão e crítico da teoria
do gênero, declarou que “no cerne do momento transgênero encontram-se ideias
radicais sobre a pessoa humana, particularmente, ideias segundo as quais as
pessoas são o que afirmam ser, a despeito de qualquer evidência contrária”. (5)
Entre os principais conceitos desta nefasta teoria
destacam-se: heteronormatividade, binarismo sexual, androcentrismo,
heterossexismo e, principalmente, a distinção entre gênero (identidade
psicossocial autodefinida) e sexo biológico. Esses pressupostos sustentam
agendas que incluem a luta militante contra o que chamam de “patriarcado”, que
é uma relativização e desconstrução da família conjugal tradicional.
Nesse contexto, a teoria/ideologia do gênero defende que o
gênero e a orientação do desejo sexual não são determinados biologicamente e
pela constituição anatômica do corpo humano. Consideram que a atração pelo sexo
oposto corresponde a determinados estereótipos e papéis sociais previamente
estabelecidos pelo contexto histórico, político e cultural da sociedade. (6)
De acordo com Jennifer Roback Morse, a ideologia de gênero
original dentro do feminismo ensinava que “homens e mulheres são idênticos,
exceto que as mulheres são melhores”. Portanto, eliminar todas as diferenças
entre homens e mulheres seria um imperativo moral. Enquanto isso, a nova
ideologia de gênero propõe eliminar todas as diferenças entre homens e
mulheres, exceto aquelas que o indivíduo escolhe especificamente abraçar.
Dentro desse contexto, “o corpo humano não é importante e pode ser
transcendido”. De fato, não apenas o corpo pode ser transcendido, mas se o sexo
do corpo interfere em um objetivo moral importante, também devemos
transcendê-lo, sustentam.
Assim, observou Morse em sua exposição, uma vez que o sexo
do corpo interfere na igualdade entre homens e mulheres, “devemos usar meios
sociais e legais para substituir as diferenças corporais entre homens e
mulheres”. Uma Vez que o sexo do corpo interfere no objetivo de autonomia
pessoal e individual, se uma pessoa quiser ser de um sexo diferente, ela pode
fazê-lo. Eles defendem o uso de engenharia tecnológica para tentar alterar o
corpo, e engenharia jurídica e social para forçar todos a concordarem com a sua
escolha. (7)
Naquilo que Ryan Anderson chamou de “Catecismo Transgênero”,
os ativistas do movimento, na tentativa de popularizar essa noção,
principalmente entre as crianças, criaram o infográfico Genderbread Person
(8) para explicar a relação entre gênero, sexo e orientação sexual. Nessa
ilustração (atualmente na sexta versão), as pessoas teriam quatro
características diferentes envolvendo sexualidade e gênero.
“Identidade de gênero” seria como a pessoa, em sua cabeça,
“vivencia e define seu gênero, com base no quanto você se alinha (ou não) com
suas opções de entendimento sobre gênero”. Pode ser “man-ness” (homem/homenidade)
e “woman-ness” (mulher/mulheridade) e “outras” possibilidades (não-binária,
gênero fluido, bigênero, transgênero, gênero queer – termo geral etc.
“Expressão de gênero” é como a pessoa “apresenta o gênero (por
meio de suas ações, roupas e comportamento, para citar alguns) e como essas
apresentações são vistas com base em aspectos sociais”. Além da masculinidade e
feminilidade, defendem a existência de outras expressões como “Butch”, “Femme”,
andrógino, neutro etc.
“Sexo” é definido por eles como as características físicas
com as quais a pessoa nasce ou desenvolve que consideram como “características
sexuais”, bem como “o sexo que lhe é atribuído ao nascer”. Nas ideias mais
recentes, apresentam como “sexo anatômico”, entendido como uma combinação de
várias coisas: sexo cromossômico (cromossomos XX ou XY, mas essa também não é a
história completa), sexo genital níveis hormonais (testosterona e estrogênio) e
características sexuais secundárias após a puberdade (pelos corporais, tom de
voz, seios, distribuição de gordura, massa muscular etc. (9)
A quarta característica, “atração”, diz respeito à forma
como a pessoa se sente atraída (ou não) por outras. Diz respeito à sua
“orientação sexual”, pela qual pode ser “atraída sexualmente” ou “atraída
romanticamente”. Nas últimas versões, o infográfico inclui o conceito de
“intersexo”, (10) apresentado como “uma ampla variedade de condições em que uma
pessoa não é nem totalmente masculina nem totalmente feminina”. Por exemplo,
segundo eles, alguém pode nascer com a aparência de ser masculino, mas ter um
sistema reprodutor feminino funcional em seu interior. (11)
A ilustração do “Genderbread Person” tenta localizar essas
características no corpo: a identidade de gênero no cérebro, a atração sexual e
romântica no coração, o sexo biológico na pélvis e a expressão de gênero ao
redor de toda a figura. Apesar de ser amplamente utilizado, numa forma de
sintetizar seus principais argumentos, tal infográfico foi substituído pelo “Unicórnio
do Gênero”, (12) que foi criado pelo Trans Students Educational Resources
(TSER). Ele tem um formato corporal que não aparenta ser nem macho nem fêmea e,
ao invés de um “sexo biológico”, (13) ele tem um “sexo atribuído ao nascer”. (14)
É possível observar que cada Vez mais essa teoria tenta
vincular o gênero não somente com a identificação da pessoa, mas com o seu ser,
distinguindo-o da natureza biológica. Ryan Anderson diz que, para os defensores
desta visão, “um menino transgênero é um menino, não apenas uma menina que se
identifica como menino”. Isso porque, para os ativistas que fazem tais
afirmações, um argumento sobre identidades transgênero será muito mais persuasivo
se ele se referir àquilo que alguém é, e não somente à forma como alguém se
identifica. (15)
Todo esse movimento foi acompanhado por um crescimento
repentino e preocupante do número de adolescentes, especialmente do sexo
feminino, que passaram a se identificar com disforia de gênero. Segundo Abigail
Shrier (16) esse fenômeno não representa uma condição médica genuína em sua
maioria, mas configura uma verdadeira “epidemia social” de transição de sexo,
impulsionada por influências culturais e midiáticas.
Entende-se que a teoria de gênero se configura como uma
construção ideológica, por não possuir respaldo na ciência nem na própria
natureza humana. Ela representa uma distorção da realidade, alicerçada em
concepções progressistas que se encontram dissociadas da ordem natural e
Objetiva da criação. A ideologia de gênero não é uma teoria consistente com a
natureza humana e com os fundamentos científicos. Antes, trata-se de uma visão
de mundo, uma cosmovisão” (17) secular que procura influenciar a sociedade a
partir de seus pressupostos.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Segundo Jenniffer Roback Morse, a Revolução Sexual
defende três grandes ideologias: ideologia contraceptiva (aborto etc.),
ideologia do divórcio (desintegração da família) e ideologia de gênero
(feminismo, confusão de identidade de gênero etc.). MORSE, Jennifer Roback. The sexual state:
identifying and combating the sexual revolution. Palestra apresentada
no: Acton University, 2025, Grand Rapids, Michigan, 26 jun. 2025.
(2) BAPTISTA, Douglas. Valores cristãos. enfrentando as
questões morais de nosso tempo. Rio de Janeiro: CPAD, 2018, p. 17.
(3) BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e
subversão da identidade, Civilização Brasileira: São Paulo, 2003.
(4) Autor
do livro When Harry Became Sally: Responding to the Transgender Moment.
(5) ANDERSON, Ryan T. Entendendo e respondendo ao nosso
momento transgênero. Revista Dignitas, São Paulo, v. 1, p. 159-185, 2021.
Disponível em: https://dignitas, ibdr.org.br/index.php/dignitas/article/View/11.
Acesso em: 21 jul. 2025, p. 141.
(6) BAPTISTA, 2018, pp. 17,18.
(7) MORSE, 2025.
(8) A expressão é um jogo de palavras com o “Gingerbread
Man”, um doce semelhante ao pão de mel feito no formato de uma pessoa.
(9)* Disponível em: https://alanaqueer.
es/content/introducing-genderbread-person-v6o.
(10) Segundo Nancy Pearcey, “a terminologia médica mais
precisa para o intersexo é uma “desordem de desenvolvimento sexual” (DDS), e os
cristãos normalmente 2 explicam como um resultado da Queda, assim como outras
desordens. Em um mundo caído, todos nascemos com deficiências e avarias em
várias da nossa mente e corpo - um coração fraco, uma predisposição para a
depressão, uma tendência para ter pressão alta. O mundo está em desajuste.
Portanto, não é surpreendente que os efeitos da Queda, por Vezes, também se manifestem
no aparelho reprodutor”. PEARCEY, 2021, p. 221.
(11) Disponível em: https://alanaqueer.
es/content/introducing-genderbread-person-v6o
(12) Disponível em: https://transstudent.Oorg/gender/
(13) “De acordo com o TSER, “o sexo biológico é uma
expressão ambígua que não tem escala ou significado, a não ser por estar
relacionada a algumas características sexuais. Ela também é prejudicial às pessoas
trans. Em vez dela, nós preferimos “sexo atribuído ao nascer”, que traz uma descrição
mais precisa do que sexo biológico pode estar tentando comunicar”. ANDERSON, 2021, p. 145.
(14)
ANDERSON, 2021, p. 145.
(15) Idem,
p. 142.
(16)
SHRIER, Abigail. Irreversible Damage: The Transgender Craze Seducing Our Daughters.
Washington, DC: Regnery Publishing, 2020.
(17) Para uma noção do conceito de cosmovisão, ver:
NASCIMENTO, Valmir. Cosmovisão Pentecostal: Desenvolvendo uma visão de mundo
moldada pelo Espírito. Rio de Janeiro: CPAD, 2025.
por Valmir Nascimento
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