Um padrão familiar de transculturalidade bíblica a partir do exílio em Jeremias 29

Um padrão familiar de transculturalidade bíblica a partir do exílio em Jeremias 29


Por ocasião da primeira deportação para Babilônia no ano de 597 a.C., entre os judeus levados ao exílio estavam também falsos profetas. A comunicação por cartas entre os que foram para a Babilônia e aqueles que permaneceram em Jerusalém ampliou um horizonte de controvérsias e incertezas quanto ao cumprimento da profecia de Jeremias. No entanto, mais do que a distância física, o maior risco para os exilados era a desconstrução de sua identidade como povo de Deus. Imersos em uma cultura completamente estranha, cercados por novos costumes, religiões e influências políticas, os judeus enfrentavam o perigo da assimilação, que poderia dissolver sua fé e desintegrar sua identidade nacional, ameaçando até mesmo a continuidade da nação. No entanto, esse desafio não era inédito.

Desde os tempos de José no Egito (Gênesis 41.41-43) e passando também agora por Daniel na corte babilônica (Daniel 1.8,9) e Ester no império persa (Ester 4.14), a história bíblica demonstra um padrão familiar de transculturalidade: a necessidade de habitar terras estrangeiras sem perder os valores espirituais. Diante dessa ameaça, a carta de Jeremias tornou-se um marco essencial: mais do que uma orientação prática, ela era um chamado à preservação da fé e da esperança, reafirmando que, mesmo em terra estrangeira, Deus ainda governava sua história. Ao invés de encorajar a resistência ou o isolamento, Ele os convidava a construir, plantar e prosperar, garantindo que, apesar do exílio, a promessa divina de restauração permanecia viva (Jeremias 29.11).

Sua pregação possuía uma estrutura precisa, com datas e tempos estabelecidos. Essa clareza reforçava a esperança na fidelidade de Deus à Sua Palavra. No entanto, em meio ao desterro, profecias conflitantes semearam dúvidas e desestabilizaram espiritualmente uma geração desesperada por direção. A carta aos exilados do reino, no capítulo 29 de Jeremias, transcende um mero relato histórico, oferecendo-nos um paradigma de fé, esperança e ação em meio às provações. Ele orienta o povo a construir casas, plantar pomares, formar famílias e buscar a paz da cidade para onde foram levados. O aparente paradoxo revela a sabedoria divina em tempos de adversidade.

Pensando na construção de um lar com alicerces de esperança, em meio à hostilidade semelhante ao exílio, podemos seguir a mesma exortação de Jeremias ao povo: “Tomai mulheres, e gerai filhos e filhas” (Jeremias 29.6). Essa ordem divina não se limita à perpetuação da linhagem, mas reafirma a também importância da família como um núcleo de esperança e fé. Construir lares significava criar espaços onde o amor e os valores pudessem ser transmitidos às futuras gerações. Assim, o lar se tornava um símbolo da presença de Deus, um lembrete constante de que Ele não os abandonara.

Dessa forma, a família é vista como espaço de refúgio. Sendo uma unidade básica da sociedade, ela é um abrigo em tempos de crise. Durante o exílio, os lares proporcionavam segurança emocional e apoio. Os laços afetivos fortaleciam a identidade individual e coletiva, auxiliando-os a enfrentar os desafios com esperança (Salmos 127.1).

É correto pensar no fortalecimento da identidade na formação de famílias, ligada à preservação da identidade cultural e religiosa. Criar um lar era reafirmar-se como um povo escolhido por Deus nos tempos de Jeremias. As tradições cultivadas no lar se tornavam um legado, auxiliando a enfrentar adversidades com esperança: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele” (Provérbios 22.6).

Sendo assim, plantando pomares e cultivando o futuro com esperança e ação, o profeta instruiu os exilados: “Edificai casas e habitai-as; plantai jardins e comei o seu fruto” (Jeremias 29.5). Esse mandamento representa um convite à ação proativa e ao investimento no futuro, pois plantar pomares é um ato de fé e paciência, refletindo a confiança nas promessas de Deus.

Plantar é um ato que exige dedicação e esperança no futuro. Para as famílias, isso representa investir em relacionamentos e valores que podem não trazer retorno imediato. Como o agricultor que cuida do seu plantio, as famílias devem cultivar vínculos e tradições, confiantes de que a colheita virá no tempo certo.

A colheita dos frutos era uma renovação de esperança, pois a instrução para “comer de seus frutos” simboliza a importância de desfrutar dos resultados do amor e do cuidado cultivados na família. A comensalidade era uma tradição celebrada após os momentos de colheita, onde a esperança se tornava tangível: “Mas para vós, que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça” (Mateus 4.2). Então, a cultivação era um legado de esperança, pois plantar e colher não se restringe ao presente, mas também envolve a responsabilidade de deixar um legado. Cada ação positiva e ensinamento são sementes plantadas para um futuro melhor.

Jeremias 29 nos deixa lições importantíssimas para os dias atuais, devido à sua contínua relevância. Em tempos de incerteza, somos chamados a construir esperança, cultivar a fé e agir com sabedoria em Deus. Assim como os exilados, devemos construir lares segundo os princípios de Deus, plantar sementes de esperança e buscar a paz de nossa cidade. “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12.14).

Que a carta de Jeremias nos inspire a viver com esperança e fé, confiantes nas promessas divinas até que Cristo volte. Sua orientação profética para construir lares e plantar pomares enfatiza a importância da família e da ação proativa na construção de um futuro esperançoso. Que plantemos as sementes do amor e da fé em nossos lares, preparando o caminho para futuras gerações colherem os frutos de uma vida plena em Deus.

por Marcos Veríssimo

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