A palavra “justiça” tem origem no termo latino justitia, que, por sua vez, deriva de Justus, “justo”, e ius, “direito”. Portanto, essa expressão revela sua ligação com a ideia do que é justo, reto e conforme o direito.
Segundo os doutrinadores do Direito, “justiça” é dar a cada
um o que lhe é devido. Um exemplo clássico da perversão da justiça está em
IsaÃas 5.20: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem das trevas
luz e da luz, trevas; fazem do amargo doce e do doce, amargo”. De fato, tal
perversão tem se repetido ao longo da história. Nos tribunais da antiga Grécia,
quando os presentes percebiam que o juiz havia sido parcial em seu julgamento,
bradavam irados: adikÃa!, termo que significa injustiça, perversão do direito,
maldade.
Veremos adiante alguns exemplos de julgamentos injustos em
que, contrariando a regra bÃblica, não foram utilizados pesos justos: “Não
cometereis injustiça no juÃzo, nem na vara, nem no peso, nem na medida.
Balanças justas, pedras justas, efa justo e him justo tereis. Eu sou o SENHOR,
vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito” (LevÃticos 19.35,36). Em primeiro lugar, vejamos o julgamento de
Sócrates, um dos mais injustos da história, ocorrido em Atenas, em 399 a.C. Ele
foi acusado de impiedade por não reconhecer os deuses da cidade e de corromper
a juventude com novas ideias. Os acusadores foram Meleto, Anito e LÃcon. O
julgamento se deu em um contexto de instabilidade polÃtica após a Guerra do
Peloponeso. O método de questionamento socrático incomodava as autoridades, que
o viam como uma ameaça à ordem estabelecida. Sócrates defendeu-se pessoalmente,
utilizando sua tradicional ironia e o método dialético. No entanto, nada disso
convenceu os cerca de 500 cidadãos presentes, pois já traziam consigo a sentença
de condenação. Afinal, não estavam a serviço da verdade e da consciência, mas
de autoridades que os haviam convocado a julgar um réu já condenado. Sócrates
aceitou serenamente a sentença de morte, demonstrando coerência com seus
princÃpios filosóficos. Ao longo dos séculos, e especialmente em nossos dias,
ele tornou-se um sÃmbolo da defesa do direito à liberdade de pensamento e de
expressão.
Em segundo lugar, consideremos o julgamento de Estêvão, o
prótomártir do Cristianismo, diácono cheio do EspÃrito Santo, de poder e de
sabedoria. Desde aquele tempo (e mesmo antes), quem possui fé genuÃna,
sabedoria divina e dons espirituais frequentemente enfrentará perseguições por
parte dos que agem movidos pela inveja. Os lÃderes de uma sinagoga de judeus
helenistas subornaram falsas testemunhas para forjar acusações contra Estêvão
(Atos 6.8-14). Apesar do extenso e lúcido discurso que o santo diácono proferiu,
fundamentado nas Escrituras do Antigo Testamento, e apesar dos Ãmpios
julgadores verem o seu rosto resplandecer como o de um anjo (Atos 6.15), nada
disso adiantou. A sentença já estava pré-determinada. Eles não buscavam a
verdade, mas desejavam livrar-se de um homem cuja pureza de caráter e avanço
ministerial os incomodava profundamente. Então, apedrejaram o santo pregador.
Suas consciências nem doeram, pois, como afirmou o apóstolo Paulo, estavam
cauterizadas (1 Timóteo 4.2). Mas, Deus nunca perde em nada: ali estava um
jovem, consentindo naquela injustiça e segurando as capas dos algozes (Saulo de
Tarso), aquele que, anos mais tarde, se tornaria o maior proclamador do
evangelho entre os gentios (Atos 7.58; 8.1).
Em terceiro lugar, veremos o julgamento mais injusto dos
anais da história universal: o de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. O
julgamento de Cristo foi totalmente irregular, tanto sob o aspecto do direito
romano, quanto sob o do direito judaico, ambos reconhecidos como paladinos da
justiça entre as civilizações antigas. Vejamos algumas das principais
incoerências ocorridas durante o julgamento do Senhor Jesus: a) Foi preso antes
da meia-noite de quinta-feira, o que contrariava os preceitos jurÃdicos da época.
Segundo os registros do Talmude (Sanhedrin 4:1 e 5:1), processos jurÃdicos não
podiam ser iniciados à noite, especialmente em casos capitais. A prisão de
Jesus ocorreu de forma repentina, no escuro do Jardim do Getsêmani, o que
aponta para um procedimento clandestino e ilegal à luz da lei Judaica; b) Foi
julgado no horário noturno, conforme João 13.30, o que também era vedado pela
legislação rabÃnica. A Mishná determina que julgamentos não podiam ocorrer Ã
noite, e nem ser concluÃdos no mesmo dia em que foram iniciados (Sanhedrin
5:5), especialmente quando envolvessem pena de morte; c) Parte do julgamento
ocorreu na casa particular do sumo sacerdote Caifás, e não no local apropriado,
que era o recinto oficial do Sinédrio dentro do Templo. Isso contraria os
regulamentos do Sinédrio, que exigiam que as decisões judiciais fossem tomadas
em local público e consagrado, garantindo a lisura do processo e o acesso ao
contraditório; d) Sem qualquer prova legÃtima de sua culpa, o acusado foi
agredido repetidas vezes. Lucas 23.63-65 relata que Jesus foi escarnecido,
esbofeteado e espancado. Tal conduta viola frontalmente o princÃpio da
dignidade do réu, protegido tanto pela Lei Mosaica (Deuteronômio 25.1,2) quanto
pelo direito romano, que exigia respeito ao réu até a sentença final; e) Jesus
foi preso sem uma ordem formal emitida pelas autoridades romanas, o que o
direito romano não admitia. Mateus 26.47 mostra que Ele foi capturado por uma
multidão armada enviada pelos lÃderes religiosos, mas sem mandado de prisão
expedido por Pôncio Pilatos, autoridade competente na Judeia. Segundo o direito
romano, isso configura prisão arbitrária, sem amparo legal; f) Pôncio Pilatos
foi coagido a condená-lo pela pressão das autoridades religiosas judaicas,
revelando interferência externa indevida. Lucas 23.23 destaca que a multidão e
os principais dos sacerdotes “insistiam com grandes gritos”, até que Pilatos
cedeu. A pressão externa sobre o juiz era e é considerada uma violação clara da
imparcialidade judicial, princÃpio básico tanto da justiça romana quanto da
moderna; g) Jesus foi preterido em relação a um criminoso notório chamado
Barrabás, um rebelde homicida. Marcos 15.7,15 informa que Barrabás havia sido
preso por sedição e assassinato, mas foi libertado enquanto Jesus, declarado
inocente pelo próprio Pilatos (Lucas 23.22), foi condenado. Essa troca
representa uma das mais profundas distorções de justiça na história, em que o
culpado foi exaltado e o inocente punido.
O julgamento de Jesus Cristo, à luz das tradições jurÃdicas
do judaÃsmo e de Roma, foi uma sucessão de violações processuais e morais. A
ausência de um julgamento justo, a condução noturna e clandestina, o uso de
testemunhas falsas, a falta de defesa, a coação ao juiz e a escolha de libertar
um criminoso em detrimento do Justo, marcam este episódio como o julgamento
mais injusto já registrado na história da humanidade.
Um julgamento é considerado injusto quando apresenta algumas
das seguintes caracterÃsticas: a) Falta de provas quando as acusações se
baseiam em boatos ou evidências insuficientes; b) Cerceamento do direito de defesa, quando se impede
o acusado de ter um advogado ou de apresentar argumentos e provas que atestem
sua inocência; c) Preconceito dos juÃzes ou jurados contra o réu, sua raça,
origem, religião, preferências polÃticas ou ideológicas; d) Sentenças
arbitrárias desproporcionais ao crime alegado, com dosimetria da pena
irregular; e) Influências externas, quando há pressões de grupos polÃticos,
religiosos ou sociais, ou quando os julgadores são subornados por interessados
na condenação; f) Demora excessiva, pois processos longos podem levar Ã
prescrição do crime ou à prisão injusta de inocentes por longos perÃodos. Que o
Senhor se apiede de nós e nos socorra quando nossas autoridades hodiernas
incorrerem nos mesmos erros.
por José Orisvaldo Nunes de Lima
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