Estamos vivendo em um tempo de extremos emocionais. As redes sociais incentivam reações impulsivas. As propagandas exaltam o prazer imediato. As pessoas buscam, cada vez mais, a satisfação de desejos momentâneos, sem medir as consequências. Em um mundo onde os excessos são celebrados e o domínio próprio parece cada vez mais raro, a Bíblia nos convida a redescobrir uma virtude fundamental para a vida cristã: a temperança. Para o cristão, essa virtude não é apenas um conceito filosófico ou uma qualidade desejável; é uma manifestação direta da obra do Espírito Santo na vida daquele que crê.
O apóstolo Paulo, escrevendo aos gálatas, descreveu o caráter
de uma vida controlada pelo Espírito Santo, e entre os aspectos desse fruto
espiritual está o domínio próprio: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz,
longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança; contra estas
coisas não há lei” (Gálatas 5.22,23). No original grego, a palavra usada é egkrateia,
que carrega o sentido de autodomínio, autocontrole, moderação.
A temperança significa ter controle sobre seus desejos e atitudes.
Quem tem temperança tem qualidade de vida. Deus não proíbe você de comer, beber
e ter uma vida de conforto e felicidade. Contudo, Ele deseja que nós vivamos de
modo sóbrio e equilibrado. Uma pessoa que tem domínio próprio sabe se controlar
em toda e qualquer situação.
John Stott, renomado teólogo britânico, lembra que o fruto
do Espírito não é um ideal distante, mas uma realidade possível a todo aquele
que se submete à ação do Espírito Santo. Segundo ele, “o domínio próprio é a
capacidade de controlar os próprios desejos e paixões, em vez de ser dominado por eles”. Em outras
palavras, é o Espírito quem capacita o cristão a dizer “não” à carne e “sim” à
vontade de Deus, tornando possível viver em santidade em um ambiente marcado
pelo apelo constante ao egoísmo, à ira, à gula e à autossatisfação.
Sob a ótica da psicologia, a temperança está diretamente ligada
ao autocontrole e à regulação emocional. O cérebro humano possui áreas responsáveis
por controlar impulsos e gerenciar emoções, como o córtex pré-frontal. Pesquisa
dores como Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, destacam que
pessoas emocionalmente inteligentes conseguem administrar seus sentimentos, responder
com equilíbrio às pressões externas e tomar decisões mais sensatas. Várias
descobertas científicas modernas apenas confirmam uma verdade que a Bíblia já
proclamava há séculos: o autocontrole é fundamental para uma vida plena.
Mas há uma diferença essencial entre o conceito secular de autocontrole
e o fruto do Espírito chamado temperança. Enquanto a psicologia oferece
métodos, treinamentos e estratégias para o desenvolvimento do autocontrole, a
Bíblia apresenta a verdadeira fonte do domínio próprio: o Espírito Santo. Não é
apenas um esforço humano, mas uma graça divina que capacita o crente a viver
acima das paixões da carne. Como escreveu o apóstolo Paulo: “Posso todas as
coisas naquele que me fortalece” (Filipenses 4.13). Precisamos diariamente nos
encher do Espírito Santo para não cumprirmos os desejos da carne (Gálatas
5.16).
O próprio Senhor Jesus é nosso maior exemplo de temperança. Ele
se fez homem e habitou entre nós (João 1.14), mas não pecou e jamais
experimentou as obras da carne. Jesus era cheio do Espírito Santo (Lucas 4.1),
razão pela qual pôde vencer as tentações da carne, do mundo e do diabo (Hebreus
4.15). Durante quarenta dias no deserto, foi tentado de diversas formas, mas
permaneceu firme, respondendo com a Palavra de Deus e mantendo-se alinhado ao
propósito do Pai (Mateus 4.1-11). Em cada resposta a Satanás, Jesus demonstrou
que o domínio próprio nasce de um coração cheio da Palavra e submisso à vontade
de Deus.
Na vida prática, a temperança se manifesta em decisões
diárias. É o jovem que decide manter-se sexualmente puro, mesmo em meio a uma
cultura permissiva. É o líder que escolhe responder com graça a uma crítica
injusta. É o casal cristão que opta pelo diálogo em vez da explosão de raiva. É
o crente que, mesmo em momentos de profunda angústia, dobra os joelhos e
entrega suas emoções diante de Deus, confiando que o Senhor pode trazer paz ao
coração aflito.
Mas como podemos desenvolver e fortalecer a temperança? A
Palavra de Deus nos oferece caminhos claros e seguros. Primeiro, é essencial
cultivar um relacionamento íntimo com o Senhor. O fruto do Espírito não nasce
em solo árido. Ele floresce em corações que buscam a Deus em oração, leitura
bíblica e comunhão. Quanto mais cheios do Espírito, mais capacitados estaremos
para vencer as inclinações da carne.
Em segundo lugar, é importante praticar o autoconhecimento. O livro de Provérbios nos adverte: “Como cidade derrubada, que não tem muros, assim é o homem que não pode conter o seu espírito” (Provérbios 25.28). Identificar nossos gatilhos emocionais, reconhecer as áreas de vulnerabilidade e buscar ajuda quando necessário são passos importantes na jornada de crescimento espiritual.
Além disso, a prática do domínio emocional deve fazer parte da vida do cristão.
Embora a força venha de Deus, o Senhor também nos chama à responsabilidade. O
apóstolo Paulo afirmou: “Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à servidão” (1
Coríntios 9.27), indicando a importância de disciplina e vigilância. Isso envolve
cuidar das palavras que dizemos, evitar ambientes que alimentam a carne e
desenvolver hábitos que promovam o equilíbrio, como o jejum, a oração e a
meditação nas Escrituras.
Dentro da igreja local, a temperança deve ser vivida e ensinada.
Pastores e líderes que cultivam essa virtude se tornam exemplo para o rebanho. Ministérios
frutíferos nascem de corações que não são guiados por impulsos, mas por uma vida
de moderação, humildade e dependência de Deus. A Escola Dominical, os cultos de
ensino e até os grupos de discipulado podem incluir reflexões sobre a importância
do domínio próprio, fortalecendo espiritualmente os membros da igreja.
O louvor congregacional também nos recorda dessa verdade espiritual.
O Hino 75 da Harpa Cristã nos desafia: “Coragem, ó crente! Domina o teu mal!”. Essa
exortação é um convite para todos nós: a vida cristã exige coragem,
determinação e uma entrega constante ao agir do Espírito Santo.
Segundo o pastor Antônio Gilberto, em seu clássico O Fruto do
Espírito (CPAD), a temperança não é um peso, mas um presente. Não é um fardo,
mas uma proteção. Não é uma limitação, mas uma libertação das cadeias da carne.
Quando aprendemos a viver guiados pelo Espírito, descobrimos que a verdadeira liberdade
está em dizer “não” ao pecado e “sim” à vontade de Deus.
Que possamos, dia após dia, orar como o salmista: “Guia-me pelas
veredas da justiça por amor do teu nome” (Salmo 23.3). Que sejamos homens e
mulheres conhecidos pelo equilíbrio, pela mansidão e pela capacidade de viver
uma fé madura e firme. E que, em tudo, a nossa vida reflita o caráter de
Cristo, evidenciado no fruto precioso da temperança. “Porque Deus não nos deu o
espírito de temor, mas de fortaleza, e de amor, e de moderação” (2 Timóteo
1.7).
por Gil Dias
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