Em Mateus 1.16, vemos que o pai de José era chamado Jacó. Já em Lucas 3.23, o nome do mesmo personagem é Eli? Em que essa disparidade compromete o texto bíblico?
Uma das divergências mais discutidas entre Mateus e Lucas refere-se ao nome do pai de José. Mateus 1.16 afirma que “Jacó gerou José”, enquanto Lucas 3.23 diz: “José, de Eli”, o que gera interpretações variadas. A expressão grega usada por Mateus — Βίβλος γενέσεως Ἰησοῦ Χριστοῦ — remete intencionalmente a Gênesis 5.1 e sugere Jesus como o início de uma nova criação (SCHNABEL, 2005, p. 4; cf. 1 Coríntios 15.45; DAVIDSON, 2013). Johnson e Wilson (1977, p. 154–155) explicam que as genealogias bíblicas tinham funções teológicas e legais, e não apenas biológicas, sendo essenciais para a identidade tribal, herança, sacerdócio e recenseamentos (Números 26.52–56; Rute 3.9–4.10; Esdras 2.62; Lucas 2.1–4). Mateus, com sua estrutura de três séries de catorze gerações, segue uma composição teológica (MOUNCE, 1996, p. 16), revelando já em Mateus 1.1 que Jesus é o Messias davídico e canal da bênção abraâmica (CARSON, 2010, p. 86). Lucas, ao remontar até Adão (Lucas 3.23–38), evidencia a universalidade da salvação.
Quatro hipóteses principais foram propostas para harmonizar as
diferenças entre Mateus e Lucas no que diz respeito ao pai de José:
(1) A hipótese levirática, de Júlio Africano, preservada por
Eusébio (2002, p. 23), afirma que José tinha um pai biológico (Jacó) e um legal
(Eli), por meio da lei do levirato (Deuteronômio 25.5–6), conciliando linhagens régia e biológica (ABEL, 1974,
p. 203–210).
(2) A hipótese da dupla filiação vê Jacó como pai biológico e
Eli como pai legal adotivo de José — uma prática comum no contexto judaico —
além de evitar a maldição de Jeconias (cf. Jr 22.30).
(3) A hipótese da filha herdeira baseia-se em Números 27.8 e
36.8–9, segundo a qual Maria teria direito à herança, e José, ao casar-se com
ela, foi legalmente incorporado à linhagem de Eli, pai de Maria (cf. Neemias 7.63; 1 Crônicas
2.21s; Números 32.41).
(4) A mais aceita atualmente defende que Mateus apresenta a genealogia
legal por José, e Lucas a biológica por Maria, com José como genro de Eli
(SPROUL, 2 017, p. 13). Assim, Jesus é descendente de Davi tanto por José (linha régia)
quanto por Maria (linha biológica, via Natã – 2 Samuel 5.14), cumprindo as
promessas messiânicas (cf. Jeremias 23.5; Salmos 132.11; Isaías 11.1). Essa
visão é sustentada por tradições patrísticas e por reformadores como Lutero e
Bengel (CARSON, 2010, p. 87–88).
Referências bibliográficas
ABEL, E. L. The genealogies of Jesus Christ. New Testament Studies, v. 20, p.
203–210, 1974.
CARSON, D. A. O comentário de Mateus. Tradução de Lena
Aranha. São Paulo: Shedd Publicações, 2010.
DAVIDSON,
Brian W. “Genesis” in Matthew 1:1. Brian W. Davidson, 08 jul. 2013.
EUSÉBIO DE CESAREIA. História eclesiástica. Tradução de
Wolfgang Fischer. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Mateus.
v. 1. Tradução
de Valter Graciano Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
McFALL, Leslie. Jesus’ genealogies: a critical survey of
ideas and solutions. 1998. Dissertação (Mestrado em Teologia) – University of
Glasgow, 1998.
MOUNCE, Robert H. Novo comentário bíblico contemporâneo:
Mateus. São Paulo: Editora Vida,
1996.
SCHNABEL,
Eckhard J. The first gospel and Matthew’s mission: narrative, theological and
historical perspectives. Philadelphia, novembro de 2005. Trinity
Evangelical Divinity School.
SPROUL, R. C. Estudos bíblicos expositivos em Mateus. Tradução
de Giuliana Niedhardt Santos. São
Paulo: Cultura Cristã, 2017.
WILSON,
Robert R. Genealogy and history in the biblical world. New Haven: Yale University
Press, 1977.
por Jonas
Mendes
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