O culto é central na vida da igreja e exerce influência em sua saúde espiritual. A má compreensão do conceito, dos fundamentos e do propósito do culto afetará a sua prática, permitindo que haja exageros que prejudicarão a vida espiritual da igreja.
A adoração aprovada por Deus sempre foi uma preocupação do ser
humano (João 4.19,20) e é preciso destacar que, enquanto na Antiga Aliança ela
esteve ligada a um determinado local, na Nova Aliança ela tem relação com a
pessoa de Cristo (João 4.21-24), ainda que os cristãos devam se reunir para práticas
orientadas pelas Escrituras (Atos 1.14; 2.42).
Considerando a realidade atual e o contexto cristão de
tradição pentecostal, há muitos desafios no contexto do culto, principalmente
no que se refere à ordem do culto, especialmente nos exageros litúrgicos sob o
falso pretexto da espiritualidade. Esta reflexão visa ao combate dos exageros
na liturgia de um culto pentecostal, partindo de uma liturgia ortodoxa, da
ordem no culto, conforme ensinado nas Escrituras.
A relação entre ortodoxia e liturgia
O combate aos exageros litúrgicos em um culto depende da
valorização de seus princípios bíblicos. A análise da liturgia à luz da
ortodoxia bíblica é, inquestionavelmente, o primeiro passo nessa direção. O que
é ortodoxia e o que é liturgia? Qual a relação entre estes valores cristãos e
como essa relação influencia a ordem do culto a Deus?
Ortodoxia significa doutrina correta. Do grego orthos,
cujo sentido é reto, e doxa, de onde vem o termo fé, ortodoxia é o mesmo
que estar em conformidade com a verdadeira doutrina. O ortodoxo é comprometido
com os preceitos, ideais e padrão, e com um dogma tradicional. A ortodoxia se
refere a uma determinada doutrina cristã, com normas tradicionais de uma igreja
específica. Aqui se parte da ortodoxia bíblica pentecostal, que mantém a
unidade doutrinária desta tradição cristã.
Quanto à liturgia, todo culto possui uma. A liturgia norteia
o culto, organiza-o previamente, com base em seus elementos, visando à sua
ordem. A liturgia é necessária, pois, por ela a ordem do culto é garantida e
seus elementos, honrados. “Liturgia” vem do grego leit (laós, povo) e urgia
(trabalho, ofício). O significado prático disso é “serviço ou trabalho
público”. O pastor Claudionor de Andrade define liturgia como: “Culto público oficiado
por uma igreja. Ritual. Forma pela qual um culto público é conduzido. A palavra liturgia significava,
originalmente, serviço ou dever público. Com a evolução dos séculos, passou a
designar, no Cristianismo, a linguagem, gestos, cânticos e paramentos usados no
culto público e nas demais reuniões de adoração e exposição da Palavra de
Deus”.(1)
Essa definição está de acordo com as expressões rito e culto
(Romanos 12.1,2). Portanto, a liturgia contribui com a ordem do culto e garante
o seu padrão bíblico, agradando a Deus. A ortodoxia bíblica é uma espécie de
“farol” que ilumina e orienta a igreja na prática do culto, enquanto a liturgia
orienta o andamento do culto. A liturgia depende da ortodoxia bíblica, que só
fará sentido à medida que a liturgia se utilizar de seus elementos. A conexão
entre liturgia e ortodoxia bíblica contribui para que o culto alcance seu
propósito e evita exageros em seu contexto.
Elementos do culto cristão
Quais são os elementos de um culto genuinamente cristão e
quais são as características de um culto pautado na decência e na ordem?
Culto vem dos vocábulos gregos latreia e leitorgia,
intimamente vinculado a adoratio, ou ainda, adoração. Cultuar é
entregar-se a Deus em serviço e adoração, prática que deve ser pautada pelo padrão
bíblico, sendo um ato de obediência (Romanos 12.1). William M. Greathouse
escreve o seguinte: “A palavra culto (latreia) foi usada em Romanos 9.4 como
‘culto a Deus’ ou ‘adoração’, a adoração no templo ordenada aos israelitas.
Logike latreia então parece significar ‘o culto da obediência, como a única
resposta razoável ou lógica à graça de Deus’. É lógico, é razoável, que a vida
do homem a quem Deus concedeu a misericórdia seja [...] uma vida tal [...] como
deveria ser apresentada a Deus”.(2) O culto é a oportunidade que o crente tem
de manifestar gratidão, reconhecimento, reverência e obediência a Deus. Ele
permite que o ser humano se aproxime de Deus, seja instruído, tenha sua consciência
purificada, seja santificado e tenha a comunhão com seus irmãos fortalecida.(3)
O que faz um culto ser genuinamente cristão? A liturgia do
culto, os seus elementos e a sua ordem formam o tripé que sustenta e legitima o
culto. Desconsiderar isso prejudica a igreja, e o que era para ser um
instrumento de saúde espiritual, servirá de destruição (1 Coríntios 11.17). A
liturgia indica o caminho para um culto cristão e seus elementos protegem a
igreja dos exageros que a maculam. Paulo apresenta os elementos de um verdadeiro
culto e seu bom uso evita exageros e confusão que, lamentavelmente, têm marcado
alguns pseudo cultos pentecostais (1 Coríntios 14.26).
A este respeito, a Declaração de Fé das Assembleias de Deus,
à luz das Escrituras, apresenta os elementos do culto da seguinte forma: “Ela consiste
em oração, louvor, leitura bíblica, exposição das Escrituras Sagradas ou
testemunho, e contribuição financeira, ou seja, ofertas e dízimos. Entendemos
que a adoração está incompleta na falta de pelo menos um desses elementos, exceto
se as circunstâncias forem desfavoráveis ou contrárias”.(4) Num culto
pentecostal, o Espírito Santo tem liberdade, o que não implica desordem; antes,
é pautado pela ordem, junto de seus elementos, tornando-o aceitável a Deus.
Ordem e decência
Uma igreja saudável sempre valorizará a ordem do culto, daí porque
a Declaração de Fé das Assembleias de Deus no Brasil dá a seguinte explicação:
“Entendemos que a adoração pública é um encontro com Deus para um diálogo: nós conversamos
com Ele por meio de nossas orações, cânticos e ofertas, e Deus fala conosco por
meio de Sua Palavra (pregação e ensino) e das manifestações dos dons espirituais”.(5)
O culto é um dos meios legítimos de manutenção da comunhão
do crente com Deus, oportunidade de manifestar o seu amor, a sua reverência e a
sua obediência a Deus, permitindo ao crente se mover em direção a Deus, com a
expectativa de Deus se mover tanto pela Palavra como pelos dons espirituais.
Cultuar é responder a Deus, prestando-lhe honra por Sua grandeza e
reconhecimento de Suas obras, impondo a necessidade de organização e ordem
prévias (1 Coríntios 14.40).
A ordem do culto não anula a sua espiritualidade, não impede
a ação do Espírito Santo e não reduz o seu fervor espiritual. Adam Clarke
comenta: “Onde a decência e a ordem não são observadas em cada parte da
adoração a Deus, não se pode adorar de uma forma espiritual”.(6) A ordem é
parte da espiritualidade. O culto visa à adoração, à edificação, à comunhão, à
exortação e à pregação do evangelho. Sinclair Ferguson escreve: “Segundo a
Bíblia, somente Deus deve ser adorado ou servido (Êxodo 20.1-3). Ele deve ser servido
pelo ser humano na totalidade deste (Deuteronômio 6.5; Lucas 10.27): tanto a
mente como as emoções e o físico como os sentimentos devem se combinar no
louvor de Deus. [...]. O hino de Wesley Ah, se eu tivesse mil vozes para cantar
o louvor de meu grande Redentor, reflete este fato: de que Deus é tão grande
que ninguém pode adorá-lo adequadamente”.(7) O culto bíblico é vivo, o Deus
vivo é seu motivo, seu centro e seu alvo. A ordem normatiza o culto pelos seus
elementos.
Unidade e diversidade no culto
No culto, o crente deve oferecer algo ao Senhor (Deuteronômio
16.16). A oferta tem de ser a melhor (Eclesiastes 9.10), integral e sacrificial
(2 Samuel 24.24). Paulo diz que “[...] há diversidade de dons [...]”, mas ele
também ressalta que “[...] o Espírito é o mesmo” (1 Coríntios 12.4).
Diversidade não significa divisão, antes traz a ideia de distribuição ou
repartição dos dons, cuja fonte é o Espírito Santo, que não se contradiz e atua
em usá-los para a glória de Deus e o bem da igreja (1 Coríntios 12.1-11; Efésios
4.11,12). Harmonia, paz e ordem são qualidades do Espírito Santo e parâmetros
sob os quais Ele sempre trabalha (Gênesis 1.1-3). Ele sempre trabalha pela
unidade, mesmo em meio à diversidade.
A Bíblia ensina sobre a unidade na diversidade. O mau uso da
diversidade em ambiente de culto traz desordem e retrocessos espirituais,
enquanto a ação do Espírito Santo promove a unidade na diversidade, a fim de
Deus ser proclamado e adorado, como no Dia de Pentecostes. Em Cristo, a
diversidade assume um novo sentido, pois nEle a unidade se cumpre perfeita e
gloriosamente, inclusive no culto (Gálatas 3.28). Os diferentes dons e as
diferentes personalidades não justificam a falta de unidade e nem os exageros em
um culto; antes, sob o domínio do Espírito, eles serão usados para a glória de
Deus, a edificação da igreja e combatendo os exageros litúrgicos de um culto.
Notas
(1) ANDRADE, Claudionor de. Dicionário Teológico. Rio
de Janeiro: CPAD, 1998,
p. 207.
(2)
GREATHOUSE, William M. Comentário Bíblico Beacon: Romanos. Rio de
Janeiro:
CPAD, 2006, p.160.
(3) KESSLER, Nemuel. O culto e suas formas. Rio de
Janeiro: CPAD, 2013, p.16.
(4) SOARES, Esequias da Silva. Declaração de fé das
Assembleias de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2022, p.145.
(5) Idem, p.34.
(6) CLARKE, Adam. Comentário Bíblico Beacon: Rio de
Janeiro: CPAD, 2006, p.355.
(7) FERGUSON, Sinclair. Novo Dicionário de Teologia.
São Paulo: Hagnos, 2009, p.34.
por Elias Torralbo
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