Deus criou originalmente o ser humano para afligi-lo com trabalho?

Deus criou originalmente o ser humano para afligi-lo com trabalho?


Qual o entendimento correto de Eclesiastes 3.10 e qual a relação do referido texto bíblico com Gênesis 3.19?

No estudo da teologia bíblica do trabalho, precisamos considerar dois momentos distintos da história humana: o antes e o depois da Queda. No plano original de Deus, o trabalho não era penoso ou aflitivo. O serviço de cultivo e guarda do jardim não causava os sofrimentos que surgiram após a maldição da terra, agora infestada de espinhos e ervas daninhas (Gênesis 3.17,18). O pecado levou o homem à sentença contida em Gênesis 3.19: “No suor do teu rosto, comerás o teu pão, até que te tornes à terra [...]”.

Portanto, a resposta à questão apresentada é: Deus não criou originalmente o homem para afligi-lo com trabalho. E o fato de Deus não haver criado originalmente o homem para afligi-lo com trabalho não significa que Ele o tenha criado sem o dever de trabalhar. O trabalho não é consequência da Queda; fez parte do plano original de Deus. Gênesis 2.15 diz: “E tomou o Senhor Deus o homem e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar”. A própria ordem de sujeitar a terra e dominar os animais incluía o dever de trabalhar (Gênesis 1.28). A tarefa de alimentar-se também exigia uma ação laboral do homem, intervindo nos reinos vegetal e animal (Gênesis 1.29,30; Salmos 8.6-8). Equivocam-se, portanto, aqueles que (às vezes até de forma jocosa) dizem que gostariam de saber quem inventou o trabalho. Foi o próprio Deus – e para o nosso bem. Uma das necessidades humanas primárias é o senso de utilidade. O resultado do trabalho produz uma sensação de prazer e satisfação importantíssima para a vida diária.

Por que, então, Salomão apresenta essa ideia da relação do trabalho como uma ação de Deus cujo propósito seria afligir o homem?

Em primeiro lugar, consideremos que o rei de Israel escreveu Eclesiastes no final de sua vida, adotando um tom claramente negativista, próprio da perspectiva peculiar em que se encontrava, depois de tantas desilusões em sua intensa busca de felicidade via conquistas e prazeres terrenos. Não se trata, portanto, de uma reflexão teológica na qual devesse se preocupar em explicar aspectos mais amplos de cada um de seus pensamentos. Salomão adota o mesmo tom profundamente pessimista até mesmo em relação a virtudes nobres, como a sabedoria (Eclesiastes 1.13,18; 2.13-17), e a emoções positivas, como a alegria (Eclesiastes 7.3,4), bem como à própria vida (Eclesiastes 7.1).

A frustração em relação ao trabalho é resultado de sua reflexão sobre a penosidade de seu serviço e a fugacidade da vida: como deixaria todo o resultado de seu intenso esforço para quem viesse depois dele – e sem nenhuma perspectiva de preservação ou cuidado (Eclesiastes 2.18-20)! Envolto nesse sentimento, considerou o trabalho como um instrumento aflitivo de Deus para o ser humano, cujo futuro implacável é a morte, no tempo estabelecido pelo Criador (Eclesiastes 3.1,2,19,21). De fato, desde o Gênesis estava prescrita essa dura realidade para o homem em relação ao trabalho e o fim da vida como consequências do pecado. Vê-se aí a relação de Eclesiastes 3.10 com Gênesis 3.19.

Finalmente, precisamos considerar o propósito da literatura sapiencial de Salomão, que é transmitir uma mensagem espiritual de advertência para a humanidade de todas as épocas. Invocando sua própria experiência, ele descreve o quanto se dedicou às muitas ocupações da vida, incluindo o trabalho, sem que isso lhe trouxesse a felicidade que tanto almejava. Seu pedagógico texto conduz o leitor à conclusão de que tudo o que há debaixo do sol é vaidade (Eclesiastes 12.8), e que viver só faz sentido quando nos lembramos do Criador e vivemos em temor e obediência aos Seus mandamentos (Eclesiastes 12.1,13).

por Silas Rosalino de Queiroz

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