Tomando o texto de Mateus 26.36 como base, tem como saber qual hino Jesus cantou? E não havendo resposta na própria Bíblia, há alguma literatura que fale sobre esse assunto?
O evangelista Mateus registra que, após a última Ceia, Jesus e Seus discípulos cantaram um hino antes de se dirigirem ao Monte das Oliveiras (Mateus 26.30). Esse versículo levanta a seguinte pergunta: qual foi o hino cantado por Jesus e Seus discípulos? Para responder, exploraremos a tradição Judaica de celebração da Páscoa e analisaremos as evidências bíblicas e históricas.
A festa da Páscoa foi celebrada pela primeira vez no mês
Nisã-Abibe (março-abril) por volta do ano 1445 a.C. Cada família dos Israelitas
escolheu um cordeiro macho, de um ano e sem defeito. No 14º dia, o cordeiro foi
sacrificado e seu sangue foi colocado nos umbrais e vergas da porta das residências.
O cardápio consistia de carne assada, pães asmos (sem fermento) e ervas amargas
(Êxodo 12.1-14).
Flávio Josefo, em Antiguidades Judaicas, registra que se dá “a
essa festa o nome de Páscoa, isto é, ‘passagem’, porque foi nessa noite que
Deus, passando pelos israelitas sem lhes causar mal algum, feriu os egípcios
com esta grande praga: todos os primogênitos morreram”.(1) O termo vem do
hebraico pesah, que quer dizer “passar por cima” ou “pular a marca”.
Durante a festa da Páscoa, tradicionalmente os Judeus
cantavam os Salmos do “Pequeno Hallel (Louvor)”. A Mishná (tradição), que
codifica práticas Judaicas tradicionais, menciona a recitação do Hallel
dividida em duas partes do Sêder (a refeição ritual da Páscoa). A primeira
parte (Salmos 113-114) era recitada antes da refeição da Páscoa, enquanto a
segunda parte (Salmos 115-118) era cantada após a refeição.(2)
O recitar do Hallel era feito em um estilo responsivo e
envolvia tanto o oficiante como todos os participantes da celebração. Esses
salmos lembram o sofrimento e a vergonha da escravidão, celebram a libertação
de Israel do Egito e a fidelidade de Deus ao Seu povo. Na análise comparativa
dos Salmos do Hallel, é possível perceber uma relação com a Obra expiatória de Cristo
ao morrer na cruz do Calvário pelos pecados da raça humana.
Por exemplo, a declaração do Salmo 118.22 em que “a pedra
que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a pedra angular”, cumpriu-se no
ministério de Jesus, conforme registro de Marcos 12.10. O mesmo acontece com o Salmo
118.24: “Este é o dia que o Senhor fez; exultemos e alegremo-nos nele”. Craig Keener
destaca que “o salmista chama a celebrar aos que o escutam, o dia profético
quando Deus exaltou a Jesus, que foi rejeitado pelos principais sacerdotes como
pedra a angular”.(3) Assim, o verso aponta para o grande e importante dia,
quando Jesus morreu em nosso lugar e ressuscitou por nós.
Nessa compreensão, os Salmos de Hallel estão entrelaçados de
simbologia com o sacrifício vicário de Cristo. Eles não apenas refletiram o
contexto cultural e religioso em que Jesus viveu, mas também anteciparam, de
forma profética, aspectos-chave de sua missão redentora. Ao cantar esses salmos
na última Ceia, Jesus estava reafirmando a fidelidade de Deus, celebrando a
libertação passada e apontando para a redenção definitiva através de Seu
sacrifício (Hebreus 7.27; 9.27,28; 10,10). Por conseguinte, com base nas
tradições Judaicas, nas evidências bíblicas e nos estudos de teólogos e
historiadores, provavelmente o hino cantado por Jesus e Seus discípulos foi a
segunda parte do Hallel, ou seja, os Salmos de 115 a 118. A prática de cantar
esses salmos fazia parte da liturgia da Páscoa, e eles são ricos em simbologia
que aponta para o libertador dos pecados da humanidade: “Cristo, nossa Páscoa,
que foi sacrificado por nós” (1 Coríntios 5.7).
Notas bibliográficas
(1) JOSEFO, Flavio. História dos Hebreus: de Abraão à
queda de Jerusalém. 8ª Ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2004, p. $$.
(2) MISHNÁ 2010. Sobre a Páscoa. Pessachim 10.5-7. Disponível em: </www.sefaria.org/Mishnah_Pesachim>.
Acesso em: 27 nov. 2024.
(3) KEENER, Craig S. A Bíblia em seu contexto: como
aprimorar seu estudo das Escrituras. Belo Horizonte: Carisma, 2016, p. 35.
por Douglas Roberto de Almeida Baptista
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