Há trinta anos, o pensador norte-americano Charles Malik proferiu um discurso no Billy Graham Center, que pertence ao campus do Wheaton College, nos Estados Unidos da América. As palavras de Malik estavam carregadas de um forte tom profético, pois mesmo tendo-se passado três décadas, continuam ecoando em nossa geração. Malik advertiu em seu discurso sobre os perigos que o cristianismo enfrentava ao procurar cuidar somente da alma e esquecer totalmente a mente. Mas, as palavras de Malik não eram apenas proféticas, eram também apologéticas. Na sua fala, destacou que o cristianismo tem perdido relevância na cultura ocidental porque não tem conseguido de forma satisfatória dar respostas intelectualmente aceitáveis àqueles que o questionam. Citemos uma parte do seu discurso:
“Devo ser franco com vocês: o antiintelectualismo é o
maior perigo que o cristianismo evangélico enfrenta. A mente, compreendida em suas
maiores e mais profundas faculdades, não tem recebido suficiente atenção. No
entanto, a formação intelectual não ocorre sem uma completa imersão, durante
anos, na historia do pensamento e do espírito. Os que estão com pressa de sair da
universidade e começar a ganhar dinheiro, trabalhar na igreja ou pregar o evangelho
não têm idéia do valor infinito de gastar anos dedicados à conversação com as maiores
mentes e almas do passado, desenvolvendo, afiando e aumentando o seu poder de pensamento.
O resultado é que o terreno do pensamento criativo é abandonado e entregue ao inimigo.
Quem, entre os evangélicos, pode enfrentar os grandes pensadores seculares em seus
próprios termos acadêmicos? Quem, entre os estudiosos evangélicos, é citado pelas
maiores autoridades seculares como fonte normativa de história, filosofia, psicologia,
sociologia ou política? O modo evangélico de pensar tem uma mínima oportunidade
de se tornar dominante nas grandes universidades da Europa e da América que modelam
toda a nossa civilização com seu es pírito e suas idéias? Por uma maior eficácia
no testemunho de Jesus Cristo, bem como em favor de sua causa, os evangélicos
não podem se dar ao luxo de continuarem vivendo na periferia da existência
intelectual responsável”.
Reino de Deus. E já que essas palavras de Malik se revestem de
um significado especial quando sabemos que ele falou para líderes, pastores e
formadores de opinião. Em outras palavras, ele as proferiu para aqueles que no
dia a dia veem a necessidade de fazerem apologias de suas crenças. Elas põem em
relevo o fato de que a nossa fé necessita possuir relevância intelectual no contexto
cultural no qual está inserido.
O mundo mudou e a cultura também. Passamos de uma cultura moderna,
fundamentada nos princípios do movimento iluminista alemão do século 17 e 18 para
uma cultura pós-moderna com raízes lançadas na segunda metade do século 20. Cada
um desses modelos culturais possui sua própria cosmovisão, isto é, sua visão de
mundo. A cosmovisão determina a forma de pensar das pessoas. No primeiro caso, o
movimento iluminista lançou as bases da Modernidade e a sua crença no racionalismo.
Nada podia ser considerado válido se não passasse pelo crivo da razão. A ciência
ganhou status de deus – surgiu o cientificismo. No segundo caso a pós-modernidade,
movimento surgido nos anos 60 e 70, inverteu o pólo das coisas. Não há mais verdade
absoluta, mas somente verdades; a ética deu lugar a estética; a razão foi substituída
pelo sentimento e Deus pelos deuses.
O apologista que se propõe a fazer uma defesa da fé evangélica
no meio desse caldo cultural, mas não mergulhou profundamente na história da tradição
cristã, está desqualificado intelectualmente para esse combate. J. P. Morelland
(2005, p.15,16) revela as dimensões dessa batalha e a necessidade de o
apologista cristão estar preparado intelectualmente para enfrentá-la: “O cristão
comum não percebe que há uma batalha intelectual sendo travada nas universidades,
nas revistas especializadas e nos círculos profissionais. O naturalismo iluminista
e antirrealismo pós-moderno uniram-se numa aliança profana contra uma
cosmovisão amplamente teísta e especificamente cristã. (...) Os cristãos não podem
ficar indiferentes ao resultado dessa luta. Pois a instituição específica mais importante
que forma a cultura ocidental é a universidade. Nela, futuros líderes políticos,
jornalistas, professores, executivos empresariais, advogados e artistas serão
instruídos. É na universidade que eles formularão ou, ainda mais provável, simplesmente
absorverão a cosmovisão que moldará a vida deles. E como eles são os formadores
de opinião e os líderes que influenciam nossa cultura, a cosmovisão que assimilarem
na universidade será a que formará a cultura. Se a cosmovisão cristã pudesse ser
restabelecida no lugar de destaque e respeito na universidade, isso teria um efeito
de fermentação no meio da sociedade. Se mudarmos a universidade, mudaremos nossa
cultura por intermédio dos que a moldam. (...) Uma das desafiadoras tarefas dos
filósofos cristãos é ajudar a mudar a tendência intelectual contemporânea de
tal modo a favorecer um ambiente sociocultural onde a fé cristã possa ser considerada
uma opção intelectualmente aceitável por homens e mulheres esclarecidos.”
Alister McGrath (2008, p.16), um dos maiores apologistas
contemporâneos, destaca que “A arte da apologética eficaz é trabalhosa, uma vez
que exige a um só tempo o domínio da tradição cristã, a capacidade de ouvir sem
preconceitos e a disposição de fazer o esforço necessário para expressar ideias
nesse nível, e tudo isso de tal forma que o público possa se beneficiar dele. É
trabalho árduo, mas os resultados justificam o investimento nesse tipo de rigor
intelectual e preocupação pastoral”.
Por outro lado, o apologista não pode alimentar apenas o intelecto,
ele necessita alimentar também o espírito. Como bem observou McGrath (2008,
p.15), “o cristianismo deve se distinguir por sua relevância para a vida. E não
apenas por sua racionalidade.” Isso será feito com um conhecimento profundo das
verdades reveladas nas Sagradas Escrituras. É de causar espanto quando ficamos sabendo
que o reformador suíço Ulrich Zuínglio (1484-1531) decorou todas as cartas de Paulo
em grego, sendo capaz de copiá-las na íntegra, e muitos dos nossos “teólogos” contemporâneos
nem mesmo leram a Bíblia toda. Alguns conhecem superficialmente as línguas
bíblicas e as citam de forma imprecisa.
Não esqueçamos as palavras bíblicas que nos alertam para a
necessidade de estarmos preparados bíblica e intelectualmente na defesa da nossa
fé: “antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração; e estai sempre
preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão
da esperança que há em vós” (1 Pedro 3.15).
por José Gonçalves
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