Conciliando erudição e piedade

Conciliando erudição e piedade


As primeiras discussões sobre educação teológica nas Assembleias de Deus foram marcadas por acirradas discussões. Em 1943, o assunto já era debatido. Em 1948, o assunto voltou à tona. Missionários americanos como Lawrence Olson, John Kolenda e Orlando Boyer, além de outros pastores brasileiros, foram defensores da abertura de institutos bíblicos, enquanto os suecos, preocupados com a onda de liberalismo que estava avassalando alguns institutos bíblicos na Europa, achavam que essas instituições trariam “formalismo” para a Assembleia de Deus e seriam “fábrica de pastores”.

O assunto voltou a ser debatido em 1966 e a tendência contra a aprovação dos institutos bíblicos continuou. Depois de muita relutância, foi fundado o IBAD (Pindamonhangaba-SP) e depois o IBP (Rio de Janeiro-RJ) e a EETAD (Campinas-SP). Hoje são centenas de institutos bíblicos e seminários mantidos pelas Assembleias de Deus no país. Sem dúvida, nos últimos anos, com a multiplicação de seminários e a produção e tradução de grandes obras teológicas no Brasil, aumentou consideravelmente a cultura bíblico-teológica, especialmente no meio pentecostal.  Na Bíblia, tivemos vários eruditos, como Esdras, Isaías, Paulo e Apolo, dentre outros. Sobre Apolo, a Bíblia diz que ele era “poderoso nas Escrituras” (Atos 18.24). A expressão grega traduzida por poderoso é dunatos, que é relacionado a ter competência especial para realizar função, a ser especialmente capaz, competente. O termo aparece em Lucas 24.49 e Atos 7.22; na Septuaginta, em Daniel 3.27. Em 1 Coríntios 1.26, o termo aparece no sentido de pessoas com autoridade ou de influência, inclusive para membros do sinédrio judaico (At 25.5). Neste caso especifico, quer dizer que Apolo era habilidoso na exposição e aplicação das Escrituras. A tradução brasileira traduz dunatos por “versátil”. Apolo era erudito.

Esdras também era erudito. A respeito dele, lemos que era “escriba hábil na Lei de Moises” (mehir betorah Moishe) (Esdras 7.6). O termo mehir quer dizer hábil, experimentado. Literalmente quer dizer que ele era diligente na aplicação da justiça. O mesmo termo aparece em Isaías 16.5, Salmos 45.1 e Provérbios 22.29. Essa diligência pressupõe conhecimento profundo (erudição) da Lei. Para aplicá-la diligentemente, precisava conhecê-la profundamente.

Paulo também foi erudito. Sobre sua formação, leia Filipenses 3.5,6 e Atos 22.3. Paulo argumentava nas sinagogas (Atos 18.4; 19.8); discursou em Atenas, grande centro filosófico da época (Atos 17.15-34); era capaz de citar poetas cretenses (Tt 1.10-16); usou a diatribe (forma de discurso ou conversação filosófica) na Carta aos Romanos, demonstrando habilidades argumentativas (Romanos 2.3,4).

Isaias foi profeta do Reino do Sul ao tempo em que o Reino do Norte fora destruído pelos assírios. Era primo do rei Uzias e neto do rei Joás. Era, portanto, de sangue real e membro da corte. Era um erudito. Tinha o dom da poesia e utiliza muitas rapsódias em seus escritos. Era homem das letras e sabia utilizá-las com beleza raríssima. Basta ler seus escritos proféticos para comprovar. Além disso, aconselhava reis no tocante à política externa de Judá.

A história da Assembleia de Deus também elenca nomes como Emilio Conde, Samuel Nyström, João Pereira de Andrade e Silva, João de Oliveira, Lawrence Olson, entre outros, que se notabilizaram pela erudição bíblica. Como disse, institutos bíblicos, seminários e a produção de obras em vários ramos do saber teológico contribuíram para uma corrida em busca desses saberes, o que é louvável. Porém, a busca pela vida piedosa parece que não está acontecendo na mesma proporção que a busca pelo saber. O resultado é erudição sem piedade.

Dentre as várias recomendações de Paulo a Timóteo, uma está relacionada à piedade: “...exercita-te a ti mesmo em piedade” (1 Timóteo 4.7). O termo piedade é no grego eusébeia, que significa reverência, denotando o sentimento espontâneo do coração, sentimento que reflete crenças e práticas religiosas corretas, como em 1 Timóteo 2.2, por exemplo.

A piedade precisa ser alimentada com práticas devocionais, e isto inclui oração, leitura da Bíblia, louvor e leituras de obras devocionais. Há professores de Escola Dominical e obreiros cristãos que são estranhos à prática da oração. A oração deve ser uma prática constante de quem lida com o ensino cristão. Há coisas que só aprendemos pela oração (Salmos 119.18,33), oração sincera, perseverante, suplicante e humilde.

Ler a Bíblia devocionalmente é outro elemento que produz piedade. O professor de Escola Dominical deve ler a Bíblia em oração, meditando, aplicando-a a si mesmo (Salmos 1.2), apropriando-se de seus vocábulos. A prática do louvor também é fundamental. Paulo era erudito e cantava (Atos 16.25). O maior livro da Bíblia em volume é de louvor: Salmos. Há obreiros que persistem em ler (1 Timóteo 4.13), mas não salmodiam (1 Coríntios 14.26; Efésios 5.19; Colossenses 3.16).

Uma das tentações da qual o professor de Escola Dominical deve fugir é a de ler somente obras teológicas e exegéticas. Ele deve ler também obras devocionais. Há muitas obras devocionais com rico conteúdo. É possível combinar erudição com piedade. O que dizer do comentário de Mattew Henry? Ele soube combinar erudição e piedade. Basta ler-lhe as obras para comprovar. Em seu livro A grandeza do pastorado (CPAD), John Angell James afirma que “o púlpito evangélico moderno está perdendo a sua força no sentido de converter o pecador e levar a vida espiritual dos crentes adiante”.

Piedade é ler a Bíblia não apenas para pregar domingo à noite ou observar a sintaxe do hebraico ou a declinação do verbo em grego, mas também lê-la como a carta de um Pai amoroso que se comunica com seus filhos. Piedade é ajoelhar-se diante de Deus e não se sentir como estranho, mas, fazendo jus ao termo comunhão, ter algo em comum com Ele. Piedade é ter não apenas cérebro iluminado, mas também coração aquecido. Cérebro iluminado traz clareza ao sermão, coração aquecido traz unção!

Que surjam mais eruditos entre nós. Aliás, no meio pentecostal, isso é imprescindível. É perfeitamente possível conciliar erudição com piedade, como a história do Movimento Pentecostal tem provado. Que o “persiste em ler” seja proporcional ao “exercita-te na piedade”!

por Adejarlan Ramos

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