Os discípulos e o percurso para a vida

Os discípulos e o percurso para a vida


No evangelho de Marcos, vemos a iniciativa de Jesus de criar um projeto comunitário. O termo constituir (ποιεν) – usado na escolha dos apóstolos – rememora os textos do Antigo Testamento, onde são designados e constituídos os responsáveis pela comunidade. O número 12 lembra as 12 tribos de Israel, que agora começa a ser uma nova aliança a partir de Jesus. O propósito em escolher doze discípulos é dúplice: 1) ficar com Ele, ou seja, partilhar em tudo o seu destino; e 2) participar na Sua tarefa e missão de anunciar o Reino de Deus, com Seu próprio poder.

No início do Evangelho de Marcos, já é possível observar Jesus chamando quatro discípulos: Simão, André, Tiago e João (Marcos 1.16-20). Com isso, o Reino de Deus vai se configurando e amadurecendo na história humana, por meio da presença de Jesus, que de maneira decisiva cria novas relações com os homens. Essa aproximação de Jesus dos chamados por Ele gera uma comunidade de discípulos em que o agir e o operar do Reino de Deus acontecem. É a partir daí que esses chamados serão denominados em Marcos de discípulos (μαθητς), um grupo que se distingue das multidões e dos religiosos do primeiro século.

O autor de Marcos narra uma história única e unificada. Embora a unidade da história resulte principalmente da persistência de uma única figura central – Jesus –, um grupo de vocacionados ou discípulos surge no começo desse escrito evangelístico e desempenha um importante papel contínuo no Reino de Deus.

Um dado interessante no Evangelho de Marcos é que ele se preocupou mais com uma cristologia do que com uma soteriologia, e isso é logo visto, em um primeiro olhar, no seu título: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Marcos 1.1). Em Marcos, compreender quem é Jesus e porque Ele foi enviado pelo Pai implica reconhecer Sua reivindicação da própria vida. Nesse sentido, o modelo específico da salvação em Marcos é o discipulado. A relação entre cristologia e discipulado demonstra uma temática central no segundo Evangelho, já a temática da salvação não é tão abrangente como a cristologia. No entanto, o que Marcos apresenta como salvação está relacionado a uma salvação em ação, em que Jesus chama os homens a terem uma vivência de discipulado com Ele. Em Marcos há uma descrição do grupo de discípulos de Jesus como a comunidade da salvação.

Em Marcos 3.7-35, há uma reação à atividade de Jesus. Todo esse texto está articulado em torno de Jesus, dos discípulos e dos demais (o povo, os familiares de Jesus e os adversários). Do versículo 13 ao 19, Jesus escolhe os doze discípulos que serão posteriormente chamados de apóstolos. De agora em diante, os discípulos passam a ter um rosto concreto. O autor marcano começa a delinear as especificações dos Doze e enfatiza a iniciativa de Jesus e Seu propósito em constituir uma comunidade de discípulos.

O movimento criado por Jesus tinha uma peculiaridade intrínseca na formação do grupo de discípulos, que participavam das funções de liderança com Seu Mestre. Cristo vocacionou Seus discípulos mais próximos com o objetivo categórico de auxiliá-lO no trabalho de proclamar a chegada iminente do Reino de Deus. Os Doze, como grupo mais íntimo e próximo de Jesus, precisavam ser diferentes das multidões que seguiam a Jesus e dos demais que estavam à Sua volta, que recebiam Sua benção, curas e exorcismos. Salvação constitui entrar nesse grupo interno. Em seu sentido mais amplo, essa concepção pode ser evidenciada com a entrada no Reino de Deus (Marcos 9.47; 10.15,23-26) ou o pertencer à vida (Marcos 9.43,45). Esse grupo de discípulos é privilegiado, mas não fechado, pois o chamado de Jesus é extensivo a todas as multidões para serem Seus seguidores e tornarem-se participantes desse grupo de discípulos (Marcos 8.34).

Os discípulos chamados por Jesus constituem uma unidade com a Sua pessoa e a Sua missão. Em Marcos, o relacionamento Jesus-discípulos tem um particular relevo. No Evangelho marcano, ser discípulo depende inteiramente da iniciativa de Jesus. E essa iniciativa faz lembrar os moldes rabínicos do primeiro século. Ele chama tanto os Doze (Marcos 3.14) como a todos os pecadores em geral (Marcos 2.17). Mesmo que a iniciativa venha de Jesus, é preciso que haja uma receptividade ao dom de Deus e de Seu Filho para receber os benefícios de se tornar um discípulo Seu. Quais são realmente as condições essenciais para ser discípulo de Jesus? É preciso negar-se a si mesmo. O verbo grego παρνομαι traz o sentido de “dizer não a si mesmo e entregar-se totalmente”. O termo que oferece o sentido de seguir a Jesus é κολουθω = seguir como discípulo. A vocação de Jesus para o discipulado não é um chamado para apenas receber e proclamar Seus ensinamentos, como faziam os mestres antigos; ou um chamado para acolher uma filosofia, como os estoicos; ou um ingresso para uma iniciação em um rito, como as religiões de mistérios; mas é um chamado para ficar com Ele e ir com Ele. Em Marcos, κολουθω significa que o discípulo precisa ter uma relação profunda com Jesus.

Os discípulos são chamados para viver com Jesus (Marcos 3.14) e anunciar o Reino como Ele anunciou, não somente com palavras, mas com um novo estilo de vida (Marcos 3.15; 6.12,13), perdoando como Ele perdoou (Marcos 11.25) e servindo como Ele serviu (Marcos 10.42-45). O modelo do discípulo é o próprio Jesus. Marcos deixa claro que ser discípulo de Jesus implica em aceitar o Seu sofrimento, participar do Seu destino. Essa escolha não é apenas um tipo de imitação ou modelo, mas uma comunhão de vida e sofrimento com Jesus, o Cristo, que aparece na participação de sua salvação.

O discípulo precisa necessariamente ter um comprometimento total com o seu Senhor, ele é um homem do Reino de Deus, está plenamente liberto no que diz respeito ao seu passado, aos vínculos parentescos (Marcos 3.31-35) e aos bens materiais. Vemos a pobreza como disponibilidade ao chamado missionário (Marcos 6.8-11; 10.23-30). Essa disposição discipular foi além do limite de poupar a própria vida, na obediência a Jesus, levando-os até um fim violento, expondo-os à pena capital instituída pelo império romano. Mas isso não é o fim, pois o discípulo se entrega ao serviço da comunidade, lavando os pés como o seu Mestre fez com eles.

Ser um discípulo de Cristo é algo sublime, é uma escolha pessoal de Jesus e uma sublime aceitação de nossa parte ao chamado de discipular. Enquanto peregrinos aqui na terra, lutas e perseguições teremos; no entanto, aquEle que nos escolheu para a boa obra nos auxiliará para a vitória. Receber o chamado de Cristo é o maior privilégio que um homem pode ter e receber, pois pertencer ao Reino de Deus significa servir ao Rei e a seus coirmãos como verdadeiros discípulos de Jesus.

por Adalberto do Carmo Telles

Compartilhe este artigo. Obrigado.

Comentário

Seu comentário é muito importante

Postagem Anterior Próxima Postagem