Reconhecer os erros é a iniciativa primacial para quem anseia a salvação em Jesus Cristo
A palavra “confessar” traduz um verbo grego (ἐξομολογέω), que tem o sentido de confessar, professar, reconhecer aberta e alegremente para a honra de alguém; celebrar, dar louvor a; prometer publicamente que fará algo, concordar, comprometer-se com. Segundo Douglas J. Moo (2020, p. 38), o verbo grego (exomologéō) se refere comumente, no Novo Testamento, a um reconhecimento verbal da grandiosidade de Deus (Mateus 11.25; Lucas 10.21; Romanos 14.11; 15.9; Filipenses 2.11) ou dos nossos próprios pecados (Mateus 3.6; Marcos 1.5; At 19.18). Segundo Bruce K. Waltke e James M. Houston, a confissão bíblica tem duas formas básicas: confissão de fé (Mateus 10.32; Romanos 10.9-10; 1 Timóteo 6.12); e confissão de pecado(s) (1 João 1.9; Tiago 5.16; Mateus 3.6; Atos 19.18). Sendo que a confissão de pecados, segundo os autores supracitados, tem quatro dimensões:
a) A Deus apenas (Salmos 32.3-6; Salmos 51.4-8), algo que podemos
ver claramente no caso de Davi no Salmo 32;
b) Uns aos outros (Tiago 5.16), que é a recomendação de
Tiago à igreja, que confessassem os pecados uns aos outros;
c) A um conselheiro espiritual (Mateus 3.6; At 19.18), prática
que se torna notória com João Batista, com os que vinham ser batizados por ele confessando
os seus pecados (Mateus 3.6) e ainda pediam orientações de conduta (3.10-14);
d) À igreja inteira (1 Coríntios 5.3; 2 Coríntios 2.6)
(2018, p. 133). Seguindo a lógica dos autores, a confissão pode ser feita à igreja
inteira quando há algo que se torna público ou que cause escândalo na
congregação. Ou no caso dos presbíteros que, ao pecarem, devem ser repreendidos
perante toda a congregação (1 Timóteo 5.20), “seu pecado deve ser declarado
diante de todos (tornado público)”, (1995, p. 1872). É muito provável que a confissão
também tenha que ser pública nesses casos, ou seja, feita diante de toda a igreja.
Segundo John Goldingay, a confissão, com franqueza, deve acontecer diante de
outras pessoas e de Deus (2006, p. 454).
A confissão é mais que um simples reconhecimento dos
próprios pecados: ela representa uma aceitação do veredito de Deus sobre o
pecado e é a expressão do desejo de se livrar deles e viver para Deus. Confessar
significa mais que uma resposta verbal; é uma afirmação ou louvor. Significa concordar
em mudar para passar a viver uma vida de obediência e serviço (2010, p. 28). É
reconhecer diante de Deus os nossos pecados, nossos pensamentos, palavras e obras
pecaminosas. Deus requer a confissão do pecado para conceder-nos o perdão (Oséias
5.15; 1 João 1.9). A confissão sempre deve ser seguida do abandono do pecado confessado
(Provérbios 28.13; Daniel 9.3-19; Marcos 1.5), da oração suplicando perdão (SaImos
38.18; 51.1) e da humilhação de si mesmo, consciente do julgamento divino (Neemias
9,33; Lucas 23.41). Ver Lucas 15.11-24 (1995, p. 190).
Confissão de pecados
no Antigo Testamento
No Antigo Testamento, encontramos, em relação a alguns pecados,
a prática da confissão como pré-requisito estabelecido por Deus para a
expiação. Segundo Gordon J. Wenham, “quando o pecado era de ‘mão erguida’, isto
é, consciente e intencional, a restituição e a confissão pública eram
pré-requisitos para a expiação sacrificial" (2021, p. 25). está registrado
em Levítico: “Será, pois, que, sendo culpado numa destas coisas, confessará aquilo
em que pecou” (Levíticos 5.5). Levíticos mostra que o dever do ofertante é
“confessar sua culpa (v. 5), depois trazer uma oferta ao sacerdote (v. 8)”
(2011, p. 92).
“Confessei-te o meu pecado...”, diz Davi no Salmo 32. Aqui vemos
o rei Davi em um reconhecimento profundo de seus pecados e em uma confissão resoluta
de sua culpa. Quando comparamos o Salmo 32 com o Salmo 51, percebemos que no
segundo, o perdão ainda precisa ser obtido, enquanto no primeiro o salmista faz
uma retrospectiva sobre o perdão recebido, transmitindo-a em forma de louvor à congregação.
Delitzsch argumenta que o Salmo 51 refere-se ao período em que Davi havia
cometido adultério com Bate-Seba, enquanto o Salmo 32 foi escrito depois de sua
libertação (2021, p. 193). Davi escreveu o Salmo 51 em meio à sua crise moral, e
o Salmo 32, depois de ter recuperado a sua paz interior (2023, p. 237). No
Salmo 32, o monarca expressa corretamente a relação entre o reconhecimento e a
confissão de pecado.
Relato sobre as
consequências de calar a respeito do pecado (Salmo 32.3-4)
“Enquanto calei...”. O salmista tentou ocultar o seu pecado,
mas isso só fez com que ele adoecesse. Ele diz: “Envelheceram os meus ossos” e
"o meu vigor se tornou em sequidão” (vv. 3,4). Estes versículos descrevem a
agonia e penalidade que o pecado oculto produz. Quando o rei de Israel ocultou
o seu pecado e não o reconheceu diante de Deus, perdeu os recursos mais
valiosos da vida — a saúde, a paz de espírito, a felicidade e o favor de Deus. Ao
invés destas coisas, experimentou a culpa e o tormento interior, como castigo divino.
Segundo o escritor alemão Dieter Schneider, o pecado ama o oculto, ele tem medo
da revelação, e por isso ele tenta se ocultar, se esconder. A confissão, por
outro lado, desmascara o pecado, quebra a sua força. A história de Davi mostra
a natureza destruidora do pecado não confessado (2021, p. 194). Enquanto Davi
se calava a respeito de seus pecados, ele gritava e gemia de dor.
Relato sobre a
confissão do pecado (Salmos 32.5)
“Confessei-te o meu pecado”. Depois de tanto sofrer com os
efeitos danosos de esconder os pecados, Davi reconheceu e confessou o seu
pecado. O Senhor já conhece o pecado há muito tempo, mas quer que o pecador se
identifique com este por meio da confissão. Ao dizer “Confessarei ao Senhor as minhas
transgressões”, o salmista torna-se honesto. Somente reconhecendo e confessando
o seu pecado, Davi encontrou força para sair da crise espiritual. A cura tem
início com a confissão (2023, p. 239). Reconhecer e confessar o pecado, com um
coração sincero e arrependido, sempre trará o perdão gracioso da parte de Deus,
a remoção da culpa e a dádiva da Sua presença constante (1995, p. 839). O Salmo
32 ensina que quatro condições espirituais precisam ser cumpridas para que a
misericórdia flua sobre nós: a) nenhuma hipocrisia (v. 2); b) lamento santo
pelo pecado (vv. 3,4); c) confissão sincera de pecado (v. 5); d) fé na salvação
divina da punição do pecado (vv. 6-10).
Diz Provérbios: “Aquele que confessa e deixa alcança misericórdia”
(Provérbios 28.13). Nessa passagem, observamos que aquele que procura negar seu
pecado ou mantê-lo encoberto em vez de econhece-lo, confessá-lo e abandoná-lo,
não progredirá espiritualmente. O perdão e a misericórdia divinas, no entanto, estão
à disposição de todos os que se chegam contritos e arrependidos diante da
majestade santa (1995, p. 959).
Confissão de pecados
no Novo Testamento
No Antigo Testamento, a lei ordenava a confissão do pecado não
só como parte das obrigações do sacerdote (Levíticos 16.21), mas também como responsabilidade
pessoal pelos erros cometidos (Levíticos 5.5; 26.40; Números 5.6,7; Provérbios
28.13). Nos melhores tempos de Israel, isso era realizado (Neemias 9.2,3; Salmos
32.5). No Novo Testamento (cf. Atos 19.18; 1 João 1.9), dificilmente a
confissão é menos importante. Segundo o teólogo Donald Arthur Carson, dificilmente,
o leitor do primeiro século sustentaria que os pecados não eram perdoados após
serem honestamente confessados (2010, p. 132). A prática da confissão era comum
até mesmo na era pós-apostólica, como o Didaquê mostra: “Confesse seus pecados
na reunião dos fiéis e não comece a orar estando com má consciência. Este é o caminho
da vida” (cap. 3). Ao que tudo indica, até mesmo João Batista “batizava somente
aqueles que confessavam os seus pecados” (2006, p. 40). Encontramos em Mateus
3.6: “E eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados”. O texto
grego usa a expressão “expor”. “Este pregador exigia que os candidatos admitissem
que eram pecadores e se expusessem como tais, antes de serem batizados” (2006,
p. 40). Carson salienta que o grego não deixa claro se a confissão era
individual ou corporativa, sendo o batismo simultâneo a ela ou a antecedendo.
Flávio Josefo (Antiguidade, XVIII, 116-17, v. 2) diz que João, “de
sobrenome Batista”, exigia conduta reta como “preliminar necessária se fosse
para o batismo ser aceitável para Deus. Uma vez que João Batista incitava as
pessoas a se prepararem para a vinda do Messias por meio do arrependimento e do
batismo, podemos supor que a renúncia pública ao pecado era uma pré-condição
para o batismo dele, o qual, portanto, era a confirmação de confissão e sinal
escatológico” (2010, p. 132). Em Atos 19.18, também encontramos a prática da
confissão. O texto diz que “Muitos dos que creram vinham, e confessavam e
declaravam abertamente suas más obras”. A confissão era uma prática natural da igreja
do Novo Testamento. Em 1 João 1.9, o apóstolo diz: “Se confessarmos os nossos pecados,
ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”.
João mostra que “quando confessamos que às vezes nos comportamos de uma maneira
injusta, Jesus, que é justo, intercede a nosso favor junto ao Pai, que é justo e
fiel para nos perdoar. Contudo, se recusarmos tal confissão em nossa vida, nenhum
perdão e purificação serão possíveis” (1995, p. 1766).
“Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros...” (Tiago
5.16). O apóstolo Tiago revela que o pecado não confessado é um impedimento no
caminho da oração para Deus e ao mesmo tempo um imenso obstáculo nos relacionamentos
interpessoais. O professor Simon Kistemaker dizia que “a confissão purifica a
alma”, ela é a marca do arrependimento. Quando o pecador confessa seu pecado, pede
e recebe o perdão, ele experimenta a libertação do fardo da culpa (2019, p.
249). Mas, olhando para o texto de Tiago, surge uma pergunta: a quem devemos confessar
nossos pecados? O texto diz “uns aos outros” (v. 16). Kistemaker salienta que
Tiago não menciona especificamente a igreja ou os presbíteros; ao invés disso,
fala de confissão a nível pessoal dentro de um círculo de crentes. Ele também
não elimina a possibilidade de membros da igreja se confessarem para o pastor e
presbíteros (v. 14). Em suma, alguns pecados envolvem todos os crentes da igreja
e, assim, devem ser confessados publicamente; já outros pecados são particulares
e só precisam ser tratados com as pessoas diretamente envolvidas. Discernimento
e restrição devem, portanto, guiar o pecador que deseja confessar seus pecados
pessoais (2019, p. 249, 250).
A confissão diante
dos presbíteros
O falecido teólogo Russell Philip Shedd entende que a
recomendação de Tiago acerca da confissão é que ela “seja feita diante dos
presbíteros” (2010, 171). Jesus ensinou, segundo salienta o teólogo, que a confissão
e o arrependimento sejam, em primeiro lugar, perante o irmão ofendido. Mas se o
pecador se recusar a assim fazer, seria requisitado o confronto com “duas ou três
testemunhas” (Mateus 18.16). “Se ele se recusar a ouvi-los, conte à igreja; e
se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão ou publicano” (v.
17). Para Shedd, a confissão de pecados “uns aos outros”, como diz Tiago, pode
ser entendida como parte desse mesmo conjunto de ordens para manter a
disciplina da igreja. Reuniões na igreja e em pequenos grupos caseiros abrem a
porta para a confissão de ressentimentos e ofensas não perdoadas. Segundo Shedd,
“essa confissão diante dos presbíteros que Tiago tem em mente é um passo em
direção à remoção de pecados do Corpo de Cristo, que entristecem o Espírito Santo
(Efésios 4.30)” (2010, p. 171). Douglas Moo, por outro lado, entende que o
texto apresenta uma mudança de ênfase dos versos 14 e 15 para o 16, onde a
tônica do verso não está mais nos presbíteros e, sim, nos cristãos em geral, indicando
que a confissão mútua e oração deve envolver a comunidade geral (2020, p. 309).
Confissão e perdão de
pecados
Concluímos que a confissão é o caminho para o perdão.
Enquanto Davi não confessou a Deus os seus pecados, ele não pôde desfrutar do perdão
divino. O perdão não vem dos homens, ele vem de Deus, como João diz: “Se confessarmos
os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos
purificar de toda injustiça” (1 João 1.9). O escritor William MacDonald comenta
que, no texto supracitado, João fala de um perdão paternal, e não judicial. O perdão
judicial se refere ao perdão do castigo pelos pecados; o cristão o recebe
quando crê no Senhor Jesus Cristo. É chamado de “judicial” porque é concedido
por Deus em seu papel de Juiz. Mas, e quanto aos pecados que a pessoa comete depois
da conversão? No tocante ao castigo, o preço já foi pago pelo Senhor Jesus na cruz
do Calvário. No tocante à comunhão na família de Deus, porém, o santo que pecou
precisa receber o perdão paternal de Deus, ou seja, seu perdão como Pai, obtido
pela confissão do pecado. Precisamos do perdão paternal ao longo de toda a vida
cristã (2011, p. 958). Diante do exposto, podemos tirar as seguintes conclusões:
1) Confesse seus pecados a Deus – Não podemos ocultar
os nossos pecados do Senhor. Deus conhece todas as coisas, mas deseja que os
Seus filhos sejam sinceros e verdadeiros, não ocultando os seus pecados, mas confessando-os
ao Senhor como Davi fez (Salmos 32).
2) Confessem uns aos outros os seus pecados – O
intuito de tal prática é que um ajude o outro em oração e aconselhamento como Tiago
mostra.
3) Podemos confessar a um líder, como na época de
João Batista (Mateus 3.6), com a finalidade de encontrar direcionamento
espiritual.
4) Aos nossos pastores locais – Precisamos entender
que a nossa cultura é muito diferente da cultura dos tempos bíblicos. Hoje
vivemos em tempos pós-modernos, com um individualismo que, segundo o escritor e
filósofo francês Gilles Lipovetsky, produz indivíduos vazios e egocêntricos.
Infelizmente, a igreja não está imune a isso. Exatamente por isso, é recomendável
que busquemos nos líderes maduros o auxílio que necessitamos nas horas
difíceis. Embora a confissão seja uma prática bíblica, não encontramos base
para defender a confissão auricular, que vincula o perdão de pecado à confissão
a um sacerdote. A confissão não é uma lei, é uma oferta de ajuda divina para o pecador.
Enquanto os católicos interpretaram a confissão num sentido muito restrito,
muitos de nós, diz o escritor Curtis Vaughan, somos tentados a interpretá-la
amplamente demais. A confissão de todos os nossos pecados a todos os irmãos não
está necessariamente incluída na declaração de Tiago. “A confissão”, destaca
Vaughan, “é o vômito da alma e pode, quando realizada de modo muito geral ou
indiscriminado, fazer mais mal do que bem” (2019, pp. 249,250). A confissão
bíblica não tem por objetivo a exposição e humilhação do cristão arrependido.
Muito pelo contrário, o objetivo é o auxílio através da oração e
acompanhamento.
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Nova, 2021.
por Jonas Junior Mendes
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